Mostrar mensagens com a etiqueta qvid tvnae. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta qvid tvnae. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Entre Booms Tunantes

Nos, até agora, 4 programas do "Filhos do Boom", da PTV, a pergunta "Consideras o boom de finais dos anos 1980, inícios dos 90 como o mais importante na história tuneril portuguesa (desde o séc. XIX), nomeadamente em termos estudantis?" foi feita a todos os entrevistados.

Obviamente que, para alguns deles, a resposta é tendencialmente afirmativa, pois é a realidade que melhor conhecem.

Mas será mesmo assim? Foi mesmo o mais importante momento da história da tuna estudantil?

Então vejamos:

O designado "boom" de finais de 1980 e até, grosso modo, 1995, pode rapidamente ser visto em números. Estamos a falar de um pouco menos de 300 tunas fundadas entre 1983 e 1995, sendo criadas cerca de mais 120, até ao ano 2000, segundo "Qvot Tvnas" (2019), com muitas delas e extinguirem-se pelo meio (20 até 1995 e 40, de 1995 a 2000).

Estamos a falar de uma época onde o n.º de habitantes em Portugal anda nos 10 milhões de habitantes e o n.º de escolas e universidades, e respectivos alunos, é incomparavelmente maior que há um século e pico. Uma época onde as mulheres já têm pleno acesso à escola, convém recordar. O rácio tem de entrar nas contas, pois são coisas, até certo ponto, mensuráveis.

 


Ora, o 1.º boom tunante em Portugal é algo que ocorre entre meados de 1880 até, sensivelmente, 1916, numa altura em que a população oscila entre os 5 milhões em 1890 e os 6 milhões em 1911, grande parte dela analfabeta e, portanto, sem acesso à escolaridade sequer (reservada quase só rapazes).

Ora, nessa fase, e mesmo depois, há tunas académicas (estudantis, portanto) em todas as capitais de distrito e em algumas cabeças de concelho, sendo um fenómeno que atravessa níveis de ensino (ao contrário do 2.º boom), havendo tunas desde os colégios (a partir dos 11-12 anos), passando pelos seminários, liceus e centros de instrução, até ao Ensino Superior (presente apenas em Coimbra, Lisboa e Porto).

Nessa época, do virar do séc. XIX para o XX, não havia as actuais facilidades de comunicação. As deslocações eram difíceis, o acesso à informação era apenas pelos jornais (para os poucos que saiam ler), não havia rádio nem TV, nem web a difundir tunas, e muito menos discos à venda a impulsionar o fenómeno (e festivais de tunas como temos hoje, nem por sombras). Tudo que havia eram os saraus, récitas e concertos em sala (com actuações mais sazonais do que com a periodicidade da tuna recente). Mas não é menos verdade que também as tunas faziam digressões no território nacional e além fronteiras, com um impacto enorme.

No espaço de poucos anos, desde 1888 e apesar das limitações comunicativas, o n.º de tunas estudantis dispara exponencialmente.

Se falarmos da Tuna como fenómeno geral (alargado à sociedade civil, então a coisa toma proporções inimagináveis: entre fins do séc. XIX e a década de 1960, quase cada povoação portuguesa tinha a sua tuna, por vezes mais que uma. Nas cidades há-as em grande número).

Portanto, o "boom" dos anos 1980-1995 foi realmente o mais marcante da história tuneril portuguesa?

Se falarmos no âmbito estritamente universitário, claramente que sim. No espaço de menos de 2 décadas (1980-1995-2000) o n.º é impressionante, mas gozou de um contexto favorável (o dobro da população, liberalização do ensino universitário e n.º de instituições, mulher emancipada, escolaridade obrigatória até ao 6.º ano, melhores condições económicas....). Mas, por outro lado, note-se que em outros graus de ensino (colégios/liceus) nem uma mão cheia de tunas surgiram.

E é precisamente olhando ao rácio N.º de estudantes/escolas do 1.º boom Vs esse mesmo n.º do 2.º, que será, no mínimo, questionável pretender que 1980-1995 (ou até 2000) foi mais importante dentro da história da tuna estudantil portuguesa.

Repare-se que, em 1910,  temos pouco mais de 95 mil alunos (distribuídos por todos os graus de ensino), contra cerca de 2,4 milhões em 1996 (segundo ALVES, Luís Alberto Marques - História da educação, uma introdução. FLUP, 2012 e os dados da Pordata). Em termos de proporção e de contexto, pondo em perspectiva os dados, alguma prudência deve assistir a afirmações cabais.

Foi  realmente mais importante o 2.º boom? 

Não estou certo que o tenha sido, mas é de reconhecer que foi, sem dúvida igualmente importante, e especialmente importante para nós que vivemos isso como protagonistas (o que influenciará muitos que também o foram).

 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Investigação Tuneril - Uma tarefa de, e para, todos.

É certo que, nos últimos 20 anos, a investigação tuneril deu um enorme salto e garantiu a maioridade, com uma profusa produção de obras sobre a Tuna (em termos historiográficos) e sobre tunas (na vertente biográfica).

Nas últimas duas décadas, em termos de historiografia tunante, passou a imperar um critério de rigor e de metodologia investigativa já não compaginável com pseudo-estudos polvilhados de ideologias e narrativas ficcionadas, onde os autores moldavam e talhavam os factos à medida das suas próprias crenças (pese embora ainda haver disso, nomeadamente em Espanha).

Mas está ainda muito por fazer.

No estrito caso português, e apesar do trabalho meritório e ímpar traduzido na obra "Qvid Tvnae?", é virtualmente impossível chegar a todo o lado - mesmo sendo Portugal um país geograficamente pequeno.

Lamentavelmente, grande parte dos fundos e arquivos locais não está acessível à distância (falta de medidas políticas e investimento subsequente) - e muitos desses fundos e arquivos nem digitalizados estão. Nesse ponto, vivemos verdadeiramente na cauda da Europa.

Se mais não sabemos sobre a nossa história tuneril, não é apenas por este tipo de questões técnicas, mas por uma enorme falta de mobilização da comunidade tunante para estas questões. 

A preservação e valorização do património e  tradição tuneril é algo que, quase sempre, serve apenas de chavão para "inglês ver". As Tunas não podem preservar e defender uma tradição que desconhecem (estando mais aptas, portanto, a desvirtuar o que dizem promover). Chega a ser caricato que os protagonistas, os que militam e exercem o mester tunante, sejam, grosso modo, tão ignorantes sobre o fenómeno como outro qualquer leigo, alheio às Tunas.

Neste últimos 20 anos, foram produzidas diversas obras biográficas sobre tunas, mas salvo a lançada pelo João Paulo Sousa, em 2001[1], nenhuma das demais procurou sequer urdir uma introdução histórica que trouxesse a lume alguns aspectos históricos das tunas que outrora existiram na sua geografia local. As Tunas não nasceram na década de 1980, e muito menos a "tradição" se resume àquela que cada um bebeu empiricamente, absorveu "de ouvido" ou, pior, decidiu inventar com base no "achismo".

Se em cada localidade onde há uma Tuna, alguém tivesse tido a boa ideia de fazer alguma pesquisa histórica, teria certamente suprido a evidente impossibilidade de algum investigador de Faro conseguir aceder a informações sobre Braga (ou alguém de Viana poder consultar acervos em Beja).


Difícil, mesmo impossível, portanto, urdir um estudo mais completo da Tuna portuguesa (em termos de pormenor), quando os que a isso se propõem são poucos e não têm, obviamente, o dom da ubiquidade.

Complicado, dadas as limitações técnicas, aceder a acervos que não foram digitalizados e partilhados na web (apesar de já haver muita coisa).

Ainda assim, já muito se conseguiu desde o lançamento do "Qvid" em 2011-12 (e ampliará substancialmente a dimensão da sua nova versão)[2], mas o que demora uma década a fazer-se seria em muito encurtado ou, então, teria produzido muito mais dados, se mais gente houvesse com gosto em saber (descalçando os  cómodos chinelos).

Mas mesmo no que respeita a fontes ao alcance de um click, os investigadores deparam-se com uma titânica tarefa de busca.

Ao contrário do que sucede com outros acervos online, quase tudo o que existe digitalizado em Portugal não permite pesquisa por palavras, pois essa digitalização omitiu o reconhecimento OCR e não foram criados motores internos de busca. Tal obriga, na prática, a ter de ler tudo de fio a pavio, materializando-se a empreitada no ditado "procurar uma agulha num palheiro".

E quando são poucos a empreender investigação, tudo leva anos e anos, porque uma mão de pares de olhos não dá conta de algo que precisaria de mais implicados, de muitos mais olhos, distribuídos geograficamente.


Visitar o arquivo ou hemeroteca local é um exercício simples. Pedir para consultar jornais antigos, tomar notas e/ou tirar fotos de dados encontrados e registar cronologicamente o que se encontra não é tarefa complicada, se o âmbito da pesquisa for muito localizado geograficamente (mais ainda se, colaborativamente, dividirem a tarefa com mais 2 ou 3, distribuindo limites cronológicos).

Mas imaginem ter de fazer isso para um país inteiro, ao largo de mais de 100 anos, com apenas uma mão cheia de pessoas (e, ainda, abarcar outros territórios). 

O desafio é simples: quando decidirem publicar uma obra biográfica sobre a vossa tuna, procurem enriquecê-la com uma introdução histórica que recupere a memória passada da vossa cidade/região, ofereçam aos leitores algo mais, algo que, muitas vezes, será uma descoberta inédita e conferirá outra importância ao que apresentam.

Para que, no futuro, outros tratem esta nossa época com rigor, cuidado e carinho, convirá que demos esse mesmo exemplo, deixando-o como testemunho aos vindouros. Uma tarefa que é de todos, tanto mais quanto seja feita para todos.



[1] A obra "10 Anos de Infantuna", inseriu, num capítulo introdutório de  10 páginas, uma contextualização histórica onde apresenta dados de uma investigação feita a jornais antigos, trazendo à tona notícias de uma Tuna Académica de Viseu de finais do séc. XIX.

[2] Para além das investigações do grupo CoSaGaPe, há a salientar o trabalho de Rui Marques, resultando numa Tese de Doutoramento em Etnomusicologia dedicada à Tuna em Portugal

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Certamen de Tunas em Coimbra, 1908


Não é inédito termos notícia de certames de tunas em Portugal, em inícios do séc. XX (QVID TVNAE, 2011-12). O que é de facto inédito é termos dados sobre o regulamento de um deles.
Foi o que fomos descobrir num periódico conimbricense de 1908, o qual relata a organização de um "Certamen de tunas", organizado pelo "Coimbra-Club", inserido nas Festas da Rainha Santa (Festas da Cidade de Coimbra).

Até à data, e dessa época, só conhecíamos regulamentos de certames em França, Itália, Bélgica...[1], sendo que este tem muitas similitudes.
Atente-se ao pormenor curioso na preocupação em garantir equidade entre tunas concorrentes, só permitindo, por exemplo, que na peça escolhida pelo júri, apenas possam tocar os instrumentos indicados na partitura fornecida.

Resistência (Coimbra), Ano XIV, N.º 1349, de 08 de Outubro de 1908, p.1.

Não foi possível apurar  quais as tunas que participaram neste certame em particular (já que, em anos anteriores, encontrámos tunas populares da região de Coimbra e, sobretudo, da região de Anadia e Mealhada, a participarem).


[1] Vd. SILVA, Jean-Pierre - A França das Estudiantinas -Francofonia de um fenómeno nos séc. XIX e XX. CoSaGaPe, Lisboa, 2019.


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Teses com Tunas... sem rigor

 Um trabalho publicado na revista "adolesCiência" (Revista Júnior de Investigação) com o título "Fatores que determinam a participação dos estudantes numa Tuna Universitária: um estudo de caso" e no qual, apesar de se socorrer da obra Qvid Tvnae? (que citta algumas vezes), comete um erro crasso: ir buscar uma definição de Tuna que não corresponde, de todo, aos factos históricos documentados e investigados.

No melhor pano cai a nódoa, diz o povo, e com razão.


Já nem pediríamos que fosse usada a definição de Tuna Académica constante em Qvid Tvnae?, mas jamais usar uma definição que é não apenas discriminatória como totalmente falsa, e isto com o argumento de "...por se considerar o mais adequado à realidade tunae."

Mas que realidade Tunae? 

Conhecem, porventura que realidade é essa? 

Sabem os autores que não há apenas tunas universitárias e que nem essas precisam de estar vinculadas a uma instituição de ensino para poderem existir? Não sabem os autores que uma Tuna não precisa de ser boémia para existir e muito menos ter ritos iniciáticos?


Se os autores estão a tratar de uma realidade portuguesa, por que razão foram importar uma definição a um site espanhol; uma definição que supostamente diz respeito apenas aos espanhóis (embora na verdade  até nisso esteja totalmente errada)???

Está documentado, provado e comprovado, que as Tunas não são uma realidade apenas estudantil.

Foi publicada e distribuída gratuitamente, em Novembro passado (2018), uma monografia sobre a Grande Tuna Feminina de Alfredo Mântua. Uma Tuna feminina e civil, em claro confronto com a afirmação proposta ad hoc por Tunae Mundi (que faz, descabidamente, a apologia da Tuna como um exclusivo de universitários).

Se fizeram uso da obra Qvid Tvnae? (já disponibilizada gratuitamente), podem os autores apresentar alguma passagem que afirme que as Tunas são agrupamentos iniciáticos e agregados a uma instituição de ensino, como aspecto definidor de Tuna ou mesmo de Tuna Académica?

Pode parecer "bonito" citar fontes diversas, mas mais importante é aferir das mesmas, confrontando, comparando e/ou (porque não?) pedir opinião a quem sabe (seja no
PortugalTunas, no grupo FB Tunos&Tunas, para não ir mais longe). 


Fica o reparo.


sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Livro sobre a Grande Tuna Feminina de Alfredo Mântua (1907-1913).

Uma monografia documental sobre a denominada "Grande Tuna Feminina" de Alfredo Mântua (conhecido maestro que regeu igualmente a Tuna da Escola Politécnica de Lisboa), de 1907 a 1913.



Uma pequena obra que se quer contributo para a preservação da memória e da história das nossas tunas, para lá de homenagear as mulheres que fizeram, ou fazem, parte de tunas, argumentando a sua razão dentro do fenómeno tuneril.



Registam-se pequenas gralhas em algumas legendas que, contudo, não comprometem.

O preço de 8 euros é convidativo (pode encomendar, clicando AQUI), num trabalho vocacionado para quem quer saber mais sobre o fenómeno das tunas portuguesas, e da tuna feminina em particular.



Artigos já publicados sobre o livro:

A Aventura da Grande Tuna Feminina de Alfredo Mântua (Blogue "As Minhas Aventuras na Tunolândia");


sábado, 22 de setembro de 2018

TAUC com nova direcção, 1895

Noticia-se, em Novembro de 1895, a eleição de novos corpos sociais da Tuna Académica de Coimbra, para o ano lectivo de 1895-1896.

A Voz Pública, 6.º Anno, N.º 1718, de 09 de Novembro de 1895, p.2.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Nova Estudiantina em Madrid, 1895

Uma nova estudantina é formada em Madrid, em Março de 1895.
Com cerca de 100 pessoas, tem em vista dar espectáculos em benefício das classes operárias.

 A Voz Pública, 6.º Anno, n.º 1512, de 13 de Março de 1895, p.1.

Tuna Compostelana em Portugal, 1895

Em 1895, a Tuna Compostelana veio a Portugal, passando por Coimbra, Porto, Braga e Viana, e regressando depois a Espanha.
Aqui ficam alguns artigos publicados sobre essa viagem.


A Voz Pública, 6.º Anno, n.º 1503, de 02 de Março de 1895, p.1.

A Voz Pública, 6.º Anno, n.º 1504, de 03 de Março de 1895, p.1.



A Voz Pública, 6.º Anno, n.º 1508, de 08 de Março de 1895, p.2.

domingo, 16 de setembro de 2018

Andar à Tuna, no Porto de 1890.


"Andar à Tuna" é uma expressão que ainda se usava em finais do séc. XIX, para designar aquelas pessoas que vagueavam pelas ruas, fugidas de casa.
A essas pessoas se atribuía igualmente a designação de "tunante", como vimos em artigo anterior.
Uma vez mais, são situações que ocorrem no Porto, onde esse tipo de terminologia tem maior longevidade.
Os casos que aqui apresentamos já não respeitam a crianças fugidas de casa, mas a senhoras, sendo que uma delas é uma criada (serviçal) que fugiu aos patrões e foi apanhada no meio de grevistas[1].


A República, I Anno, N.º 89 de 12 de Julho de 1890, p.1.

A República, I Anno, N.º 167 de 03 de Outubro de 




[1] Estamos, nesse ano de 1890, em plena efervescência républicana, atiçada pela questão do ultimatum inglês.

Tuna de Señoritas Espanholas no Porto, 1896


Sabemos bem que as estudantinas/tunas femininas não são coisa recente[1], sendo que as encontramos no séc. XIX quer em Espanha quer na América Latina[2], bem como em Portugal (embora com menos incidência).
Este é um desses casos, mas de um grupo que vem actuar a Portugal - mais precisamente ao Porto.
Não deixa de ser algo, porventura, inédito, dado que, no contexto social e cultural da época, grupos deste tipo não tinham a mesma facilidade em viajar que os homens.
Não se trata de um grupo estudantil, mas um das muitas estudantinas/tunas civis que se detectam no panorama tuneril há mais de 100 anos. Não foi possível averiguar a proveniência do grupo.

A Voz Pública, 7.º Anno, N.º 1816, de 05 de Março de 1896, p.2.





[1] SÁRRAGA, Félix O. Martín - Sociedad, Universidad, Mujer y Tuna a lo largo de la historia. Tvnae Mvndi, 2013-2017. [Em linha: http://www.tunaemundi.com/index.php/publicaciones/sabias/7-tunaemundi-cat/175-sociedad-universidad-mujer-y-tuna-a-lo-largo-de-la-historia]


[2] OROZCO, Adriana Meluk - La mujer en la tuna: Del balcón a la calle. I Congreso Iberoamericano de Tunas, Múrcia, 2012. [Em linha: https://issuu.com/tunaemundi/docs/la_mujer_en_la_tuna__del_balc_n_a_la_calle].

sábado, 8 de setembro de 2018

A Estudantina Portuense em Espanha , Abril de 1890

Actualizado a 16 de Setembro de 2018.

Era imperioso este artigo, no sentido de rever, corrigir e actualizar o que anteriormente já tinha sido publicado sobre o assunto, à luz de novos dados entretanto descobertos.

Com efeito, no artigo de 29 de Julho de 2016, sob o título "A Tuna da Estudantina Portuguesa em Madrid, Abril de 1890", defendeu-se, de entre 3 possibilidades possíveis, que a estudantina/tuna que tinha estado em Salamanca e Madrid, em Abril de 1890, seria, afinal a Estudantina da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa.




REVOGA-SE essa possibilidade pelo dados investigados entretanto.

Trata-se da Estudantina (Tuna) Portuense.

 





Os periódicos consultados, especialmente o Jornal do Porto são, eles sim, claros e inequívocos na identificação da proveniência da estudantina (orquestra/tuna) que fez parte da comitiva académica que se deslocou a Espanha no âmbito da criação de uma Federação Escolar/Académica Ibérica.




 Jornal do Porto, XXXII Anno, N.º 82, de 08 de Abril de 1890, p.1.
Jornal do Porto, XXXII Anno, N.º 85, de 11 de Abril de 1890, p.1.
Jornal do Porto, XXXII Anno, N.º 86, de 12 de Abril de 1890, p.1


Como se pode verificar, estamos bem perante uma estudantina, grupo musical, oriundo do Porto. Outros artigos, publicados nos dias seguintes, reforçam essa evidência.

 

Mas por que razão se avançou que era uma estudantina de Lisboa (Escola Médico-Cirúrgica)?

 

Apontou-se nessa direcção, porque os periódicos referiam que o repertório era de grande qualidade e, por isso, teria de ser de um grupo já com algum trabalho prévio de ensaios e preparação.

Quando se avançou (quer na obra "Qvid Tvnae?" (2011-12) quer aqui no nosso artigo) que nessa altura (e descartando imediatamente Coimbra), que só a Estudantina da Escola Médica de Lisboa estaria em condições de o fazer (e porque vão alunos de Lisboa na grande comitiva académica), não se tinha a informação inequívoca de que a Estudantina Portuense (Tuna Portuense) já estivesse formada (quando tudo indicava que datava de 1891 - embora nunca com provas directas).

Por outro lado, os artigos dos periódicos espanhóis, embora se referissem a "estudiantina" que saiu do Porto, deram algum destaque a descrições sobre os estandartes de Lisboa, a estudantes da escola médica da capital, a entrega de flores a estudantes de Lisboa.....para além de mais do que uma vez termos encontrado a referência ao "estandarte da escola  de medicina de Lisboa e o da sociedade musical a que pertencia a estudantina".

O que aqui é decisivo é saber-se que a Estudantina Portuense fora fundada algum tempo antes e que os periódicos locais (do Porto) referem que ela irá a Espanha (Salamanca e Madrid). Foi essa informação clara que fez pender o prato da balança.

 

Mas a Estudantina da Escola Médica de Lisboa, afinal, não esteve também presente?

 

Essa possibilidade não se descarta. Pode ter estado. Pode até ter participado (especialmente na parte de fados), mas, como mais abaixo apresentamos, o repertório é claramente identificado com o que a Estudantina Portuense já tinha apresentado no Porto, mo mês anterior.  Mas não se descarta, igualmente, ter havido, da parte dos jornalistas de Lisboa alguma confusão.


Revista Occidente, 13º Anno, Volume XII, Nº 409, de 01 de Maio de 1890, p. 99 e 101.



A Estudantina Portuense

 

A determinado ponto, o artigo, cuja teoria apontada agora se refuta, referia a existência de 3 sub-grupos, dentro da estudantina/tuna que tocou em Espanha (Tuna, Bohémia e Grupo).  Eis aqui esse artigo, então publicado na altura.


El Imparcial, Ano XXIV, N.º 8217, de 13 de Abril de 1890, p.3

E poderá isso encontrar explicação pelo facto de se saber que Estudantina Portuense, formada pouco tempo antes (mais abaixo apresentamos prova disso), era composta por académicos oriundos de 3 grupos já existentes. 

Sabemos que existia, nessa altura, a Estudantina Bohémia Académica (ligada ao Colégio de São João da Foz), que existia também uma Tuna Académica, e que existiam outras estudantinas e troupes, como é o caso da Estudantina "Grupo Académico".

A "Bohémia Académica" é uma estudantina que encontramos já formada em 1889 (sendo a mais antiga referência a estudantinas escolares no P,orto) e com actividade continuada pelos anos seguintes. Eis aqui apenas uma dessas evidências:

Jornal do Porto, XXXI Anno, N.º 14, de 16 de Janeiro de 1889, p.1.

A Tuna Académica, encontrámo-la em Fevereiro de 1890, sem conseguirmos obter, à data, dados adicionais:

Jornal do Porto, XXXII Anno, N.º 32, de 06 Fevereiro de 1890, p.1.

Outras estudantinas são detectadas, como é o caso da Estudantina dos irmãos Antunes (que exite desde pelo menos 1888),  temos também várias referências a "Estudantina Portuense", mas nunca identificadas, entre outros grupos com denominação "troupe".

Só não conseguimos, portanto, identificar inequivocamente "O GRUPO" (de que fala o periódico espanhol). Mas sabemos tratar-se de uma estudantina. Com efeito, a Tuna Académica e o Grupo Académico são claramente identificados como estudantinas, num artigo de Abril de 1891, quando participam num concerto no teatro D. Afonso (Porto):


 A República 1.º Anno, N.º 287, de 09 de Abril de 1891, p.2. 

 

CONCLUSÕES

A Estudantina Portuense, nasceu, segundo reza o periódico que o narra, da junção de elementos oriundos de 3 grupos existentes no Porto, e todos os membros eram estudantes.

É um interessante dado, se compararmos com o artigo espanhol que fala da Estudantina Portuense que se dividia entre Tuna, Bohémia e Grupo, signficando que, apesar de formarem um conjunto (a Estudantina Portuense), ainda apresentavam peças em separado (que executariam nos grupos anteriores a que tinha pertencido - ou ainda pertenceriam).


Jornal do Porto, XXXII Anno, N.º 68, de 21 de Março de 1890, p.2.

Sim, é uma informação dada em 1.ª mão e a primeira prova documental que fala da fundação da Estudantina Portuense.



Pelo que é dado ler, poderemos perfeitamente intuir, também, que os elementos que compunham inicialmente a Estudantina Portuense se manteriam ao mesmo tempo no seu grupo de origem e na Estudantina Portuense. É possível. O que é claro é que a qualidade apresentada resulta porque todos já tinham percurso em grupo anterior (e cujo repertório e estilo musical era semelhante), pelo que se percebe como tão rapidamente se criou o grupo, sem precisar de meses de ensaios.

O que é claro também, é que o repertório apresentado é identificável como pertencente à Estudantina Portuense e não a outro grupo de Coimbra ou Lisboa, senão vejamos:


Repertório da Estudantina Portuense, no sarau que deu no Teatro S. João (no Porto), em 28 de Março de 1890:


Jornal do Porto, XXXII Anno, N.º 74, de 28 de Março de 1890, p.2.

Repertório da Estudantina Portuense, no sarau que deu em Madrid, no teatro Príncipe Alfonso:


El Imparcial, Ano XXIV, N.º 8216, de 12 de Abril de 1890, p.2

Como se verifica, comparando, os temas repetem-se, comprovando inequivocamente que se trata de uma estudantina do Porto e não de outra cidade.



Significa isto tudo que a Tuna do OUP (a Tuna Universitária do Porto) nasceu, portanto, em Março de 1890 (ou mesmo antes)? 

É possível. Neste momento, está a ser meticulosamente investigado.

sábado, 14 de julho de 2018

A palavra Tuna (andar à tuna) - Primeira referência num dicionário.


A palavra Tuna (andar à tuna) - Primeira referência num dicionário.



A primeira vez que a palavra "Tuna"  aparece grafada num dicionário, com o significado de vida "holgazana" (vadiagem, ócio, vagabundagem - maganear: "andar à boa vida") é num dicionário português, em 1713.
Este dado é, demasiadas vezes, ignorado por uma comunidade internacional tuneril, a começar pelos seus investigadores, muito centrada na matriz da diáspora espanhola (que constitui a esmagadora maioria das tunas estudantis no mundo).



Para quem não pertence a esse universo, poderá, porventura, cair no equívoco de, ao ler os estudos existentes e diversas publicações que aparecem pela Net sobre o assunto, ficar a pensar que o vocábulo "Tuna", com o sentido de vadiagem e vida livre e de folguedos, aparece inicialmente no Diccionario de Autoridades ou qualquer outro em Espanha. 
Aliás, o mesmo risco corre a comunidade Hispano-americana (dado que, como é natural, lê preferencial, e quase exclusivamente, o que vem publicado na língua de Cervantes - onde esta informação está omissa).

Portanto, em abono de um esclarecimento correcto, holístico e isento, que elucide qualquer pessoa, sejam tunos ou não, independentemente da sua geografia, fica aqui essa informação:

A primeira vez que o termo "Tuna" surge num dicionário, ligado a "andar à tuna" ("vida holgazana y libre"), é em 1713, na obra de Rafael Bluteau:  Vocabulario Portuguez e latino (Volume VIII de T-Z), p. 325:

"TUNA. Andar à tuna. Andar maganeando[1]. Vid. Maganear. Vid. Tonante."



Vocabulario Portuguez e latino (Volume VIII de T-Z) de 1713. Rafeal Bluteau Edição impressa de 1721, p. 32.


Vocabulario Portuguez e latino (Volume 08 de  Ta Z). Bluteau, Rafael (1713). Edição impressa de 1721.


O que é muito interessante é que, para além de remeter para "Tonante", o mesmo dicionário estabelece claramente que "Tonante" está co-relacionado com "Tunante" (apresenta-os como sinónimos, até), com o significado de "andar à tuna" que, no contexto da época, em castelhano, mas também em português, remete para burlão, embusteiro (o significado de "embuste", volta a ser sublinhado na edição de 1789 do mesmo Rafael Bluteau), no intuito de arranjar sustento (seja como simples pedinte, seja através de enganos, entre outros) e que, na língua francesa aponta para "Truand" (pedinte, vadio, bandido), estabelecendo uma clara relação com a origem de Tuna em "Thune", conforme tese explicada e documentada em Qvid Tvnae? (2012).


Apresentamos, de seguida, a parte desse dicionário que apresenta o significado de maganear (e família), na edição portuguesa de 1728,  que expressa o sentido de "andar à tuna", com uma carga pejorativa (andar "à boa vida" nas tavernas, com prostitutas; ser pessoa de má índole, pouco recomendável pela vida libertina que leva):
Vocabulário Portuguez e Latino, Rafael Bluteau - volume 5, 1728, p. 245.

Em 1739, surge no Diccionário de Autoridades (Espanha), com o tal significado de "vida holgazana, libre y vagamunda" e com a palavra Tunar e Tunante ligadas a esse significadode andar a vaguear de lugar em lugar

Em 1789, consta do Dicionário da Língua Portugueza (sucedâneo dos anteriores dicionários portugueses).



Diccionario da Lingua Portugueza (Reformado e Accrescentado por António Moraes Silva). Tomo II, L-Z. Lisboa, 1789.


Interessante, igualmente, é que, ao contrário do que sucede com o Diccionario de Autoridades (Real Academia Espanhola) de 1884, onde a "vida holgazana" surge como a segunda acepção, depois de primeiramente se referir ao fruto e, mais tarde à planta (figueira da Índia - um cacto que produz um fruto similar a um figo), no dicionário de Rafale Bluteau (1713), a primeira acepção é "andar à tuna /maganeando".
Significará isso, porventura, que a acepção de "andar à Tuna", em Portugal, sempre teve precedente de antiguidade sobre o significado de planta/fruto (Figueira da Índia), ou seja que o termo "Tuna" esteve primeiramente ligado ao "tunar" e só depois se descobre e insere o nome do fruto/planta que os espanhóis descobriram na América.

Nota: No país vizinho, e segundo a investigação de Félix O. Martín Sárraga[2], o famoso fruto chamado de "Tuna" (nopal), já teria constância num dicionário de 1609, de Hiersome Victor Bolonou[3], editado em Genebra.
Curiosamente, enquanto no país vizinho, o termo consta inicialmente com a designação do fruto e só depois (1739), também, a planta; em Bluteau já tinha ambos significados.
Segundo o alemão Alexander von Humboldt, geógrafo e naturalista, o termo original seria "opuntia", palavra oriunda da língua dos Taínos (povo da região das Bahamas, Antilhas e Caribe) absorvida pela língua espanhola por volta de 1500.


No ano de 1831, temos o 2.º tomo do Diccionário da Língua Portugueza de Moraes Silva, que contém a palavra Tuna e Tunante. Nada de novo, senão que o termo "tunante" expressa mais claramente o que já tínhamos referido: andar vadiando e comendo o que pode com enganos e dolos.



Diccionário da Língua Portugueza. Moraes Silva. Tomo II, F-Z. Lisboa, 1831.

Diccionário da Língua Portugueza. Moraes Silva. Tomo II, F-Z. Lisboa, 1831, p. 847.


No Brasil, em 1832, no Diccionário de Língua Brasileira, de Luiz Maria da Silva Pintoo significado aponta igualmente para a vadiagem, vida de ócio, ou seja "andar à tuna", sendo que "Tunante" vai no mesmo sentido sinónimo: embusteiro, vadio.
A novidade é que o fruto/planta Figueira da Índia passa a ter a designação de "Tunal"


Diccionario da língua brasileira. Pinto, Luiz Maria da Silva, 1832.

No ano de 1843, o Diccionário Academia Usual (da Real Academia Española), p. 723, não apresenta novas singificâncias, mas surge com o término "Tunanton", como sinónimo de "tunante" (aquele que anda à tuna).

No ano de 1849, surge também a palavra Tuna, associada à vadiagem a ser mandrião e a palavra Tunante como aquele que "tuna", ou seja que é mandrião, embusteiro, vadio, vagamundo, miliante (parasita, até). É o que podemos ler no Novo Diccionário da Língua Portugueza, obra de Eduardo Faria.


Novo Diccionário da Língua Portugueza por Eduardo Faria .
Vol. III. Typographia Lisbonense. Lisboa, 1849.

Novo Diccionário da Língua Portugueza por Eduardo Faria .Vol. III. Typographia Lisbonense. Lisboa, 1849, p. 470.



Um outro significado, bem conhecido em Portugal, sinónimo de "andar à tuna" é o de "vida airada" (sem preocupações, na "boa vai ela". Assim ainda se entendia, por exemplo, sobre os estudantes de Coimbra que, e passamos a citar:

"... vivendo por tanto fora da clausura e da communidade dos Collegios, entregavam-se à vida airada, à tuna, nome talvez derivado dos nocturni grassatores, que andavam provocando rixas com os burguezes, fiados na impunidade de um foro privilegiado [Foro Académico]" 
(In Theophilo Braga - História da Universidade de Coimbra. Tomo I. Lisboa, 1892, p. 83.)

Não maçamos mais o leitor com a história da palavra tuna nos dicionários, bastando que, caso esteja interessado, consulte a obra "Qvid Tvnae?", onde o toda esse caminho está devidamente catalogado até aos dias de hoje.


Portanto, e resumindo, a palavra Tuna, ainda antes de surgir em qualquer dicionário em língua espanhola com o sentido de "andar à tuna", de "vida vagamunda" .... já tinha surgido em dicionário português, e com significativa frequência em vários outros vários dicionários portugueses e do Brasil . 


Fica este apontamento que, como referido, é demasiadas vezes omitido, mesmo quando os estudos publicados estão mais vocacionados para falantes do mundo hispânico.
A história da Tuna não pode ficar compartimentada por fronteiras geográficas ou culturais, já que é um fenómeno que atravessa continentes. Um património que inclui,  portanto, a realidade lusitana e, assim sendo, deve ser tida em conta, quando se publica para toda essa comunidade internacional.

Certamente que um artigo redigido sob o título "É em 1890 que palavra Estudantina surge, num dicionário, associada a grupos musicais de estudantes.", estaria incorrecto. Incorrecto porque surge primeiro em Espanha esse significado. Portanto, para evitar que o título induzisse em erro, colocar "em Portugal" ou "num dicionário português" seria essencial, independentemente do público alvo.
O mesmo se aconselha aos artigos publicados por nuestros hermanos, sobre uma realidade geográfica específica.







[1] O significado de maganeando é o de vadiar. Vid. Vocabulário Portuguez & Latino, Rafael Bluteau - volume 5, 1728, p. 245.
[2] Tuna, significado del vocablo a través del tiempoTvnae Mvndi, 2015 [Em linha: http://tunaemundi.com/index.php/component/content/article/7-tunaemundi-cat/555-tuna-significado-del-vocablo-a-traves-del-tiempo]. Ver também La palabra 'Tuna' no significaba lo mismo en el siglo XVIII que en la actualidadTvnae Mvndi, 2012. [Em linha: http://tunaemundi.com/index.php/publicaciones/sabias/1159-la-palabra-tuna-no-significaba-lo-mismo-en-el-siglo-xviii-que-en-la-actualidad].
[3] Tesoro de las tres lenguas francesa, italiana y española. Genève, Philippe Albert &Alexandre Pernet, 1609, pp. 605.

BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA: COELHO, Eduardo, SILVA, Jean-Pierre, TAVARES, Ricardo, SOUSA, João Paulo - "QVID TUNAE? A Tuna Estudantil em Portugal", Porto (2011), Euedito. ISBN 978-989-97538-0-8