sexta-feira, 2 de agosto de 2019

O Efémero tuneril


Os anos vividos trazem certamente um olhar diferente sobre as coisas.
Aliás, o distanciamento que o tempo, e por vezes a própria vida, facultam, trazem-nos, por outro lado, aquilo a que se chama de olhar isento.

Muitos de nós viveram, porque próprio da idade e contexto, a febre da premiação e a ilusão de que um currículo repleto de prémios em certames conferiam ascendente e eram, de certa forma, a afirmação cabal da maioridade artística da nossa Tuna.

Não há como fugir a isso: acreditámos que muita da legitimidade inter-pares se alcançava pela ostentação de uma lista de certames ganhos; uma espécie de "pedigree" (ou, em casos mais raros, uma legitimação para "mijar fora do penico").
 
É óbvio que há um conjunto de certames nacionais que se afiguram como uma espécie de "Grand Slam", dada a sua historicidade, e que ter ganho um deles, ou todos, coloca o grupo como que num "Walk of Fame" tuneril.
Não podemos negar a importância, embora relativa, que vencer prémios em festivais de tunas (nomeadamente em alguns) confere, pelo menos a curto prazo.
Também não se pode minorar, de todo, que foi a competição que levou muitas das nossas Tunas a melhorarem e isso ter contribuído para alcançar, tantas vezes, patamares de excelência e.....outras tantas vezes, patrocinar deturpações e desvios da tradição tuneril (há que o dizer e reconhecer sem pejo algum).


Mas, a médio e longo prazo, todas essas vitórias, todas essas taças, campeonatos, derbys são efectivamente lembrados? Servem que propósito para lá do fim imediato em si próprio?
Vanitas vanitatum.
A Tuna é bem mais do que isso e o seu prestígio, aquilo que, aliás, a ela nos agarra, está bem para lá disso, mesmo se, no quotidiano do empírico strictu, a premiação seja o motor que alimenta e agrega.
Com o tempo, vamos inexoravelmente elegendo outros cernes e o que parecia essência passa para segundo plano (quando não é mesmo obliterado).


Se perguntarmos, muito honestamente, a qualquer tuno, para elencar, assim de repente (sem consultar a net) as tunas vencedoras de um FITU, de um TUIST, FESTUNA, Tágides, CELTA, Bracara Augusta, Canto da Sereia, Oppidana, Lethes, Bocage ou FITUA, entre outros, é muito provável que a coisa fique muito curta. Lembrar-se-á certamente daquele(s) em que participou ou assistiu e um ou outro mais, assim avulso. Poderá, certamente, também lembrar-se de alguns prémios nesses certames, especialmente os da sua tuna - caso tenha participado e ele tenha estado.

E retenho a última parte da frase anterior "ele tenha estado".
Sejamos honestos: salvo as tunas ainda na infância, a larga maioria dos muitos prémios ganhos pela própria tuna também se vão diluindo na memória dos próprios membros. Se os viveram, é menor o índice de falhas de memória (mas que acabará por falhar também). Se fazem parte da Tuna em altura posterior, é mais que provável que pouco mais saibam do que aquilo que qualquer um pode ler nos historiais publicados (na verdade, duvido, até, que alguém ande a ler a lista de prémios publicadas, seja de que tuna for).

Isto para dizer o quê?
Simplesmente para constatar um facto: os prémios, o longo currículo (que hoje já não caberia nos libretos que antigamente os certames editavam), acabam por ser mais para consumo interno do que algo a que as demais Tunas prestem atenção (e o público em geral, então, passa totalmente ao lado, diga-se).
Na verdade, salvo o arquivista, o tipo "nerd" que adora decorar a história da Tuna ou aqueles que, como alguns procuraram desastradamente fazer em tempos, patrocinam um suposto "Ranking ATP de Tunas", ninguém quer saber.
Na verdade, a galeria da fama, que muitas das tunas orgulhosa, e merecidamente, ostentam nas suas sedes, acaba por ser mais um tipo de rito interno para elevar a auto-estima e impressionar os novatos.
Olhar para a história gloriosa das conquistas e apelar ao sentido de compromisso e dever de dar continuidade ao legado, é a principal função das vitrines que narram prémios, histórias......memórias que deixarão contudo de ser conhecidas, quando os protagonistas deixarem de as contar.
Se o enfoque for excessivamente colocado na ideia de que servem para recompensar o esforço dos tunos nos ensaios, é capaz de ser, por outro lado, um edificar em terra argilosa. 

Se perguntarmos aos tunos deste século, quem venceu a primeira edição competitiva do FITU, do Bracara, do CELTA, do FITA, do FITUV ...
Isto para dizer que a Tuna não vale pelo número de taças a ganhar pó nas vitrines. Certamente que uma tuna normalmente vencedora ao longo de muitos anos, em diversos certames, tem menor probabilidade de cair no esquecimento, mas há muitas mais coisas que concorrem para dar nome, dar fama e preservar a memória.
Ninguém certamente tem ideia alguma da longa lista de prémios da EUC, mas certamente que a conhecem pelos seus temas[1].

E a par de temas que se tornam intemporais[2], a organização do único concurso de Tunas em Portugal, como é o caso da TUP[3] (OUP)[4], ou ainda a "Mulher Gorda", que a EUL transformou num hit nacional.
Uma Tuna Académica de Évora, que organizou o primeiro ENT (Encontro Nacional de Tunantes), ou a Templária, que acolheu o primeiro jantar do PortugalTunas, ou, ainda, o CD duplo do II e III TUIST.
Na verdade, quando se olha a Tuna portuguesa sob o ponto de vista de factos históricos notáveis, a larga maioria não será certamente preenchida com vitórias e premiações em certames.
Quem estudar as tunas do "boom" daqui a 100 anos, não irá certamente elencar os prémios.

O que será deixado a perdurar?
As fontes mais resistentes serão as fornecidas pela imprensa (pelso periódicos[5]), por libretos, por documentos, fotos impressas[6], por livros (memórias, crónicas, estudos, foto-biografias[7]...), pela discografia editada... Duvido muito que seja a Net o repositório intemporal (tanto assim é que a aventura de elaborar o "Qvot Tvnas" demonstrou precisamente que o que se mete na Net tende a desaparecer em poucos anos).

O que coloca, então, a Tuna no memorial granítico do tempo?
Certamente que um pouco de tudo, mas especialmente o que conseguir ficar impresso[8], o que sobreviver à carne[9]. Não será, estou certo, a parte do currículo relativo a prémios.

Esta longa reflexão vai na linha do que tenho defendido há vários anos, na exacta medida em que vamos, com o tempo, ganhando uma certa equidistância das coisas: há uma "festivalite" instalada que tem marcado de maneira quase ominipresente, a vivência do negro mester.
Se ela é própria em determinado momento da vida (e tem o seu espaço e as suas virtudes), deixá-la fluir depois disso tira-nos a possibilidade de ver para lá desse curto e ilusório horizonte.

Importa olhar a Tuna não como uma equipa competitiva cujo fito é amealhar taças. Isso, como é facto, não é senão glória passageira e efémera.
O que deixaremos de nós, depois de nós?









[1] Os seus dois primeiros discos são, na verdade, o seu maior legado intemporal.
[2] Como o "Ondas do Douro" da TUP ou "Barco de Aveiro" da TUA, entre outros.
[3] Que também pode ser lembrada pro ter sido a primeira a vencer um certame em Espanha.
[4] Assim como a tuna que o venceu: TAULP.
[5] Que os fundos, bibliotecas e hemerotecas preservam.
[6] Publicadas em revistas, livros, jornais ou simplesmente guardadas em álbuns.
[7] Algumas tunas possuem já algum material publicado.
[8] O que se conseguir, de algum modo, preservar (e manter público) digitalmente por décadas.
[9] Recorda-me isto uma passagem do filme "Tróia", em que a mãe de Aquiles lhe diz que se ele não partir para a guerra, terá descendência e, quando morrer, será lembrado pelos filhos e pelos netos, mas depois dos bisnetos cairá no esquecimento. Mas que se partir, morrerá, mas será lembrado para a eternidade (porque será narrado nas crónicas, nos contos, nos romances, nos livros de história).

A palavra Tuna com origem em "Thune".


A palavra TUNA é unanimemente considerada pelos filólogos, linguístas e dicionaristas, como tendo origem no termo "Thune", usado na gíria francesa a partir do séc. XVI/XVII (embora o termo seja anterior e usado desde o séc. XIII, pelo menos) para designar a esmola e, por arrasto, os falsos mendigos ("thuneurs" ou "chevaliers de la thune") governados em Paris por um "Roi de la Thune" (rei da mendicidade), senhor da Côrte dos Milagres (porque, de dia, eram mendigos aleijados que mendigavam e, à noite, regressando ao bairro, ficavam "curados milagrosamente").
Sobre isso fala (embora sem se alongar) o seguinte artigo do "Le Figaro":




Esta teoria está contemplada e pormenorizadamente explicada em Qvid Tvnae (entre outras teorias também apresentadas), nas páginas 65-84, sendo, aliás, a única obra, até hoje, a explicar os prós e contras de cada uma das teorias em torno da origem da palavra TUNA.
Podem conferir.

Continua "Thune" a ser a mais sólida e cientificamente comprovada origem do termo  TUNA.

Mais tarde, como sabemos, o termo passará a ter outras significâncias, todas elas enraizadas na ideia da mendicidade, da busca de esmola e sustento ("correr la tuna" - ir em busca da esmola), a vida de ócio e vagabundagem (baseada na obtenção de sustento sem trabalho) e, desde o séc. XIX, designando grupos musicais com alfobre nas "estudiantinas" de Carnaval.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Estudiantina e a Belle Otero, Théatre Marigny, Paris 1900.


Não é propriamente uma novidade, pois a foto da famosa Otero ("La Belle Otero") acompanhada de uma estudiantina, durante um espectáculo dado no Teatro Marigny (Paris), em Outubro de 1900, já tinha sido publicada anteriormente em Tvnae Mvndi e encontramo-la no jornal Ahora (n.º 1359, de 5 de Maio de 1935, p. 19).
A novidade é mesmo a de apresentar o documento completo no qual a foto se insere.
Com efeito, nem mesmo as bibliotecas de referência, como a BnF - Gallica, possuem exemplares da publicação em causa ("Le Théatre") para consulta. Face a isto, a opção é comprar a dita foto avulso[1] ou, como fizemos, comprar a publicação[2] em site de vendas online.

Não faz qualquer sentido que os investigadores fiquem limitados no acesso a documentos históricos desta natureza e que seja necessário pagar por algo que deveria fazer parte do espólio da Biblioteca Nacional e estar à disposição da comunidade.

Aqui fica, portanto, o documento em causa[3], abaixo apresentando a capa da publicação e, depois, as páginas referentes à peça "Une Fête à Seville", na qual toma parte Carolina Otero (no papel de Mercedes) e que, a determinada altura, é acompanhada por uma estudiantina[4]. Parece haver erro tipográfico na numeração das páginas.

São fotos, pelo que a qualidade é inferior a uma digitalização.




Le Théatre, N.º 43, Octobre - I, 1900
(Acervo de J.Pierre Silva)

Le Théatre, N.º 43, Octobre - I, 1900, pp. 20-21.
(Acervo de J.Pierre Silva)


Le Théatre, N.º 43, Octobre - I, 1900, p.20.
(Acervo de J.Pierre Silva)



Le Théatre, N.º 43, Octobre - I, 1900, p.22 (a página ao lado está em branco)
(Acervo de J.Pierre Silva)


Le Théatre, N.º 43, Octobre - I, 1900, p.23 (a página da esquerda não está numerada)
(Acervo de J.Pierre Silva)
















[1] Só a muito custo se consegue encontrar especificamente foto da bela Otero acompanhada de estudiantina.
[2] A revista é de tamanho A3.
[3] O exemplar obtido não tem um bom estado de conservação.
[4] Não há, até à data, indicações que permitam identificar o grupo.