terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Originais ou covers tunantes?



Por diversas vezes me tenho confrontado com opiniões, por vezes belicamente opostas, entre os que defendem a maior importância, em Tuna, dos originais e aqueles que, pelo contrário, acham que a Tuna, neste particular, não tem maior valia por tocar e reinterpretar temas alheios.

Sendo eu autor/compositor de diversos temas nessa área (editados em 2 CD distintos), certamente que me caberia, que nem luva, defender a supremacia dos originais em detrimento dos covers, arranjos e adaptações de temas provenientes de outras fontes que não tunos. Pois é, mas não assumirei esse papel - porque descabido esse pseudo-purismo, sem qualquer fundamento histórico ou tradição. A Tuna, originalmente, não é produtora, mas reprodutora. Certamente que sempre coexistiram temas próprios e temas recolhidos, contudo dar maior preponderância a uns em detrimento de outros, como bandeira para alegar ser-se mais tuna, carece de bom-senso e sustém algum narcisismo à mistura.
Sobre isto reflectiu, também, o ilustre Eduardo Coelho, na sua intervenção no IV ENT de Viseu, de que extraio o excerto:


“Aproveito para debater outro dos grandes temas desta mesa: Originais ou versões?
Aceitemos a hipótese segundo a qual as tunas tiveram a sua origem nos goliardos italianos.
Que pretendiam esses senhores? Garantir a sua subsistência, uma vez que tinham abandonado a vida eclesiástica: voltar para casa estava fora de questão. Voltar ao convento ou seminário não fazia sentido. Teriam de viver, pois, de esmola.
Resta recordar que muitos dos que seguiam a vida eclesiástica na idade média ou eram segundos e terceiros filhos de nobres e que esperavam obter uma colocação numa paróquia rendosa, ou eram filhos das classes mais humildes que os ofereciam para o serviço da santa madre igreja. Uns e outros sem esperança, pois, de regresso à casa paterna.
Para sacarem a esmola ou o prato de sopa serviam-se dos rudimentos de música e retórica que teriam aprendido no convento ou seminário. Para tanto, manda a lógica que tentassem agradar ao auditório. É mais grato ao auditório ouvir o que conhece do que o que desconhece.
Mandam as boas regras da rádio que a cada grupo de três músicas, uma seja um êxito do momento; outra, um clássico, e poder-se-á então arriscar uma música nova. É sabido que as pessoas mudam de estação se ouvirem duas músicas desconhecidas seguidas.
Se isto é assim no século XXI, com razão podemos depreender que também o fosse em tempos mais antigos.” 

(in http://www.tvpenianos.blogspot.com/, MÚSICA E REPERTÓRIO DAS TUNAS – DE ONDE VEM E PARA ONDE VAI? – IV Encontro Nacional de Tunos - 14 de Outubro de 2006)



Não quero, com isto, desvalorizar os muitos e bons temas originais que foram enriquecendo o cancioneiro tunante nacional; longe de mim. Temos é mais que nos regozijar com o engenho e a arte de muitos poetas e músicos, dos muitos talentos que vão conferindo à tuna o papel de produtora de cultura, e ajudando a cristalizar , e até distinguir, uma tipologia musical muito própria – a que muitos chamam música de tuna, e neste sentido concordaria - dado que nasce e é criado para o uso em, e por, tunas.

Pede-se, isso sim, é que não fantansiem e ficcionem a tuna para justificar a proeminência histórica dos originais, como traço cultural, próprio de verdadeiras tunas, com origem em tradições seculares.
Volto a citar o meu ilustre amigo Eduardo, no mesmo contexto, prosseguindo a sua exposição, ainda dentro da temática de versões Vs originais:


“Mas – objectarão – não se compare a difusão em massa actual com a falta dela no século XI ou XII. Como é que as pessoas saberiam se esta ou aquela canção são ou não originais? Exactamente por isso mesmo: nada prova que as canções interpretadas pelos bandos de goliardos fossem originais, pelo que a questão de criar quando se pode obter mais facilmente o mesmo resultado — e se calhar com vantagem — é, se não outra coisa, pelo menos uma perda de tempo e esforço. Mais: se eram grupos itinerantes, a tendência é utilizar estratégias que já deram provas dos seus resultados. É sabido que “em equipa que ganha, não se mexe”. Parece-me que, se nada prova esta tese, nada prova a tese contrária: a de que as pessoas prefeririam ouvir inéditos. Não fica, então, provado, por esta via, a questão muito defendida por muitos de que na origem as tunas só tocavam originais. Muito papalvos seriam os nossos avozinhos…
Passemos a outra tese: a de que os goliardos são demasiado afastados no tempo e de que, afinal, a tuna é um fenómeno endémico da Península; em particular, de Espanha. Aqui, duas subteses se perfilam:
A dos “sopistas”, que eram estudantes que tinham por hábito ir engraxar os ricaços a suas casas e acabavam por ficar para jantar, recitando por lá umas versalhadas ou tocando umas músicas. Parece que sim, que este costume era verdadeiro e que os ricos não só não se importavam como até consideravam uma espécie de investimento. Lá diz o D. Quixote que alguns destes miseráveis chegaram a ocupar os mais altos postos da nação e nunca se sabia se se estava a alimentar um futuro secretário ou ministro régio...
A lógica anterior parece poder aplicar-se, com maioria de razão, a este segundo caso. Talvez alguns destes fossem poetas de algum valor e capacidade de improvisação, pelo que poderiam dedicar algum madrigal ou soneto à dona da casa ou a alguma filha casadoira… Contudo, nada fica provado a respeito da preferência por originais face a cópias/versões…
A segunda subtese é a de que os tunos seriam originalmente não uma classe dentro dos estudantes, mas uma subclasse dentro dos mendigos que pululavam por toda a Espanha no chamado Século de Ouro espanhol. Esses tunos seriam grupos de trabalhadores sazonais da faina do atum do mediterrâneo que teriam de arranjar alguma subsistência durante os 8 meses em que a faina não era possível. Da palavra atum derivaria o nome tuna e tuno ou tunante. Este modo de vida errante teria sido adoptado pelos escolares no caminho de e para casa, de e para as aulas, pelo que estes estudantes passaram a ser designados também por tunos.
Tunos passaram a ser também - segundo esta teses - todos os que, como estes, tinham, de vez em quando, de fazer um giro pelas aldeias vizinhas para recolherem alguma esmola porque os livros já estavam no prego: “en el Monte de Piedad”, como diz a “Fonseca”. Ora, este carácter sazonal e espontâneo da tuna primitiva, a dar razão a esta tese, menos ainda favoreceria o aparecimento de originais. Seria muito mais fácil pegar em temas já conhecidos de todos os camaradas e improvisar uma trupe de músicos do que andar agora a compor e a ensaiar originais. Por esta via, também não fica provado que os originais estivessem na essência das tunas. Parece-me até que perante objectivos tão claros e práticos seriam, se não desnecessários, até contraproducentes.
Nem precisaria de ir tão longe para o demonstrar. Já todos passamos pela experiência de nos pedirem para tocar este ou aquele tema
. Já todos passamos pela experiência de dizer “Pá, quem sabe, acompanha: é em dó e fá e tal e coisa. Damos duas voltas ao refrão e toca a andar. Fulano, toca tu viola que eu vou para o contrabaixo”. Ai não, se a gorjeta for choruda ou se os olhos da menina ficarem a brilhar!
Não fica, assim, provado que as composições originais de raiz tivessem sido preferíveis às adaptações de letras de temas conhecidos, com alusões à vida de tuno ou de situações cómicas. Parece-me que muito pelo contrário.” 

(in http://www.tvpenianos.blogspot.com/, MÚSICA E REPERTÓRIO DAS TUNAS – DE ONDE VEM E PARA ONDE VAI? – IV Encontro Nacional de Tunos - 14 de Outubro de 2006)



São conhecidas algumas tunas que foram, e vão, tendo a sorte de ter óptimos compositores, alimentando esse traço, e opção própria, que é produzir quase tudo o que consome, como disso é exemplo a Tuna de Medicina de Coimbra ou o Real Tunel Académico de Viseu, para só citar estes.
Um risco, certamente, mas que não deixa de enriquecer, e muito, o acervo tunante nacional (pelo menos os maiores êxitos – já que outros ficam esquecidos ou desconhecidos da esmagadora maioria) e valorizar os seus autores, poetas e compositores, e respectivas tunas, por certo.

Uma das questões, ainda assim, que tem sido menos pacífica diz respeito, como não podia deixar de ser, ao peso que tem o possuir, e apresentar, ou não, originais, em certames e festivais. São muitos os que alegam que deve valorizar-se mais a tuna que só apresenta originais e menos a que só apresenta covers. E, daí, irem, amiúde, surgindo prémios para melhor original, para distinguir quem tem a sorte de ter quem componha e, concomitantemente, bem execute. Só não percebo é que peso dar a um instrumental original Vs um instrumental do Mozart. Que peso, que medidas?

Nada mais descabido premiar-se originais quando a tuna não tem, nem nunca teve, a função ou missão de criar temas, mas tão somente expressar uma vivência através dos temas que canta, sejam eles seus, do maestro lá da terra ou do Zé da esquina (que nada sabe de música mas tem um dom do caraças!!!!!).

O ónus e merecimento dos originais vai para seus criadores e não se reveste de qualquer justiça o facto de, num determinado momento da história, esta ou aquela tuna ter a sorte de contar, nas suas fileiras, com óptimos compositores e, mais tarde, deixarem de os ter, para se valorizar, então sim, outra que passou a contar com um ou outro génio musical.
A tuna deixa de ser menos só porque durante 5 ou mais anos não teve quem compusesse para ela, tendo de recorrer à versão?

Há que perceber que a Tuna valoriza o compositor que, por sua vez, valoriza o seu grupo com o seu talento. Estabelece-se uma relação simbiótica de “prestação de serviços” no seio do grupo, onde o autor tem quem toque o que compõe, e a tuna tem quem componha o que toca, nada mais.
Em nada a posse de originais deve servir de medida ou bitola para estabelecer legitimidade ou hierarquia entre tunas, seja dentro, ou fora, de palco.

Por outro lado, algumas tunas esquecem que o público, por mais avisado que seja, desliga a partir de certa altura se não conseguir estabelecer qualquer ligação afectiva com os temas ouvidos. Quero com isto dizer que se um ou outro original cabe bem em palco, não deixa de ser essencial a execução de um ou outro tema recolhido, preferencialmente que o público conheça (e a partir do qual possa, até, estabelecer comparações, ajuizar, tecer considerandos), ao invés de ficara ouvir belos temas que, por não conhecer, dificilmente consegue apreender com total concentração, atenção e gosto.
Como sucede em muitas outras coisas, a nossa capacidade de apreender, perceber e apreciar muitas coisas desconhecidas torna-se tanto mais reduzida quanto maior a exposição a essas novidades. Contudo, se entremeadas com “separadores” com que tenhamos maior afinidade, certamente que nos possibilita recuperar o gosto, quebrar a monotonia, recuperara concentração e atenção.

Até em termos de espectáculo, me parece mais indicado um repertório variado e não exclusivamente original (de que só fixamos 1 ou 2 temas…e, passados uns dias, se retivermos ainda o refrão já vamos com sorte).
Do mesmo modo se trata o CD de tuna. Eu que tenho uma invejável colecção, rapidamente me canso de CD totalmente originais, retendo, quando muito, 1 a 2 temas (normalmente porque o resto nem sempre é tão bom).
Não falo de CD de festivais onde a variedade está assegurada pela heterogeneidade das tunas incluídas, mas poderia citar o bom exemplo dos discos que aliam novidade e originalidade. Novidade pelo modo como recuperam e reinterpretam temas de sempre e, certamente, originalidade pelo criado por seus autores tunantes. O Caso do último CD da E.U.L. é disso exemplo, onde os originais estão à medida, não aborrecem por serem muitos e porque os que há são, de facto, muito bons, alternados com superiores orquestrações e arranjos de covers.

Haja, pois, o bom-senso de não querer colocar ortodoxias onde elas não cabem, nem fazer bandeira de purismos tunantes só porque há quem tenha sido bafejado pela sorte de ter bons compositores no seu grupo e queira, com isso, ser beatificado ou canonizado nos rankings tunantes.
Louvo e elogio a boa produção tunante (não a confundindo com a grande e medíocre quantidade de vulgares composições que enchem CD), a qual é necessária e tem o seu lugar, mas sem lhe estender um tapete vermelho ou rotular com mais quilates do que um bom arranjo ou cover, já que o trabalho para ambos tem o seu mérito e é igualmente difícil.
Ainda diria que poderá oferecer maior trabalho criativo e em termso de urdição musical o cover, quando se pretende algo mais do que a cópia, dado que é preciso adaptar para harmonia vocal ou é preciso adaptar sonoridades e instrumentos aos recursos instrumentais disponíveis na tuna, é preciso repensar totalmente o tema (quase que novamente o"inventar" para caber no modelo Tuna e não ser mera cópia ou reprodução, mas sair mais rico, se possível. – diferente de um tema pensado para tuna, composto à medida da tuna, seus recursos e tipologia.

Covers ou originais?
Pegando na ideia de D. Alves Martins, “…quer-se como o sal na comida: nem muito nem pouco, apenas o necessário!”, ou seja um pouco de ambos.