domingo, 27 de maio de 2007

Conta-me como foi - Upgrade

Porque tem sido o blogue também um espaço de partilha de memórias, e quiçá influenciado pela fabulosa série da RTP1, passa o blogue a designar-se "Tunisses - Conta-me como foi", porque é também de uma narrativa tunante que se trata, a da Tuna em geral e a minha em particular também. 



quarta-feira, 2 de maio de 2007

Polifonia nas Tunas

Hoje é para falar de polifonia que abro a estante e pego na pluma.
Por certo que é uma brasa que puxo à minha sardinha, já que me acompanhou ao longo de toda a minha vida.
Mas não é para falar de coros ou agrupamentos corais, propriamente ditos, que escrevo estas linhas, mas sim para lançar um breve olhar sobre a produção vocal no meio tunante, sua evolução e actual situação.
Como bem sabemos, entende-se por polifonia (termo de origem grega) o canto de várias vozes, com linhas melódicas distintas num a mesma peça ou composição. Temos, pois, polifonia, quando todas essas vozes ocupam igual importância na peça executada, já que se a peça der predominância a uma voz, em detrimento das demais, teremos, então, de falar em homofonia ou melodia acompanhada.
Surgidas na Idade Média, as primeiras formas de polifonia encontram no contraponto (escrita polifónica) renascentista uma nova “forma” que eleva o canto e o abre a novos horizontes para atingir laivos de excelência no Barroco.
Assim, desde o primitivo organum (ou diafonia), esse cantar em vozes superpostas, até às composições mais recentes, passando pelas harmonias movimentadas do séc. XIX e técnica dodecafônica no século passado, muito caminho tem o “canto a vozes”.

Quando se pega neste conceito de polifonia e nas tunas…………………… vemos que muito caminho há, ainda, a percorrer.
Pessoalmente, pese embora a definição comum de tuna ser a de um conjunto de cordofones, julgo ser a voz o “instrumento” mais importante em grupos que cantam e tocam.
No caso das tunas, que é o que aqui interessa, vejo, com alguma tristeza, que o trabalho vocal está amplamente por desbravar, sendo dada uma exagerada importância ao aspecto instrumental, em detrimento do vocal.
Na minha óptica, o instrumento serve para acompanhar a voz (isto em grupos que cantam e tocam), sendo que para fazer brilhar o instrumentos, de forma destacada, existem os designados “instrumentais”.
Ora, causa-me alguma “surpresa”, quando vejo prémios ao Melhor Instrumental ou à “Melhor Peça Vocal” (prémio raro), como se, depois de cumpridos estes itens (em que as tunas trabalham mais seriamente e qualitativamente estes dois aspectos, para apresentarem peças desse âmbito) o restante repertório das tunas se ficasse pela mediania (nem muito vocal, nem muito instrumental), numa espécie de “media res” a metro.
Ainda assim, daquilo que vou ouvindo, desde que comecei o meu negro mester, é dada uma maior importância ao trabalho instrumental, sendo que as vozes, conquanto estejam afinadas e se faça um simulacro de harmonização.
Aliás, o mais comum é ouvirem-se trabalhos vocais, trabalhados sobre a base instrumental, deixando pouca margem de manobra, numa harmonia resultante de sobreposições pouco criativas.
Com efeito, como é o instrumento aqule que ocupa mais as atenções (pelo menos na preparação dos temas), é a partir da melodia do tema que tudo é construído e, só depois, eventualmente trabalhado vocalmente. Noutros casos, assistimos a um processo em que as linhas melódicas instrumentais e vocais andam a par, criam paralelismo, respeitando-se numa harmonia simples, mas demasiadas vezes entediante e comum.
Há algum tempo atrás, quando falava sobre este assunto, houve quem me dissesse (do alto da sua cátedra), que uma Tuna não é um Coro.
Pelo contrário, é um coro, só que não um coro a cappella, um coral como entendemos os grupos que interpretam música vocal sem qualquer acompanhamento instrumental (ou quando muito um instrumento, usualmente piano ou órgão). A Tuna, como grupo de pessoas que cantam é, por força disso mesmo, um coro, tal como um rancho não é apenas quem dança, mas também quem toca e canta.
Numa tuna, não apenas temos uma componente orquestral ou instrumental, mas também a componente vocal que veicula a mensagem poética dos temas.
Se tanto trabalho é realizado em termos instrumentais (várias linhas melódicas para bandolins e outros instrumentos, ritmos diferenciados entre guitarras e cavaquinhos ou entre percussões, etc), de forma a criar riqueza e diversidade, por que razão tal não é empreendido em termos de naipes vocais?
Veja-se que, quando falo em polifonia nas tunas, já não me refiro apenas ao trabalho já mais comum de 3 naipes vocais (grosso modo, já se ouve bastante disso), mas sim a 4 ou mais vozes.
Não falo em criar uma “peça vocal”, mas sim em começar-se a ouvirem temas que apresentem, naturalmente, a mesma riqueza vocal, tanta quanto a que tem, actualmente, em muitas tunas, a instrumental.

Nem sempre as tunas podem contar com os seus virtuosos em termos instrumentais, isso é, obviamente, limitativo e todos sabem disso, pois quantas vezes não ouvimos tunas que não conseguiam reproduzir fielmente, este ou aquele tema, por falta de determinados elementos nucleares?
Já com vozes é aspecto menos passível de suceder, já que os naipes, usualmente, são 3 ou 4 (prefiro 4), e constituídos, por norma, por mais de 2 ou 3 pessoas cada. Basta, por isso, um discreto acompanhamento instrumental para qualquer tema brilhar.

O sucesso de alguns temas vocais fala por si: “Sherzo” da TUP, “Indo Eu” da Infantuna, “Casa Portuguesa” da TDUP, “Gitana” do Real Tunel de Viseu, mas podia falar de muitos mais da mão de uma EUL, TUIST, etc. que aliam as duas componentes de forma equilibrada e bem conseguida.
O que importa salientar é que a Tuna não se pode ficar por um meio-termo, tendencialmente a pender para o aspecto instrumental. Foi por via de muito bater nessa cega tecla dos instrumentos que se deram as primeiras incursões “à terra da invenção” e do experimentalismo tunante, em que alguns incautamente descalçaram a bota cheios do seu umbigo e neo-tunantismo de ¾ de mês.
Há muito por explorar em termos vocais, no arranjo de peças para vozes, no trabalho de simbiose entre orquestração e harmonização vocal.
Não vou esconder a minha costela coral, mas menos escondo que o que mais gosto de ouvir, nem é propriamente uma missa Pro Defuntis, um Te Deum de Bruckner ou um Requiem de Mozart que mexem comigo (pois são composições criadas já a pensar no aspecto da harmonia vocal). O que, de facto, me surpreende e me prende, são as harmonizações de temas comuns, mais ou menos conhecidos, cuja harmonização feita sobre estes lhes veste uma roupagem diferente e permite um novo olhar sobre o tema, uma nova abordagem, uma recriação que, por vezes, até os torna.............melhores.

Harmonizar não é simples, pelo menos quando se quer algo de qualidade, com 4 vozes (pelo menos – mas isso seria já um passo), que não passe por decalcar a ideia de acorde. Mas se todas as composições, contassem, já, com uma primeira abordagem, mesmo que simples, a 3 vozes, criando um hábito, uma exigência mínima em termos vocais, muito evoluiria a produção musical das tunas, mais rico ficaria o seu espólio, mais ricos ficaríamos todos, mais ganharia o público.

Não sou um “expert” na matéria, apenas um curioso, mas sei por experiencia própria que, quando um tema é urdido com um primeiro enfoque na harmonia vocal, tal implica alterações instrumentais, nomeadamente nos acordes que uma viola executa, para só escolher um instrumento mais “simples”. Aquilo que, usualmente se cantava e tocava, numa determinada passagem, com 2 acordes, passa a necessitar, muitas vezes, do recurso a mais acordes (para acompanhar esse trecho. Já o contrário (que é o que mais se verifica) não sucede, dado que os acordes (e continuo a ter por exemplo os acordes) pré-determinados limitam o resto, pelo que, muitas vezes, as linhas melódicas têm, imperativamente, de se encontrarem na mesma nota (sob pena de destoar).
Tomei como exemplo uma viola e seus acordes. Mas basta generalizar a instrumentos de solo e verificar que, quando têm de executar sobre uma harmonização vocal já definida, isso implica outra ginástica e, por norma, uma busca de algo mais complexo (pelo menos no jogo de articulação entre os vários instrumentos e, destes, com as vozes), mais trabalhado e pensado (para não se reduzirem a decalcarem as vozes, por exemplo).

Nada obsta continuarem a existir peças instrumentais e temas a cappella, pois isso enriquece e cria diversidade, mas um dos caminhos que vislumbro, para a Tuna se expandir musicalmente, é um mais sério trabalho vocal a par com os instrumentos (algo que é já uma hábito mais comum nas tunas do país vizinho, pro exemplo.

Quando as vozes de uma tuna se exigirem a qualidade de um coro, se olharem como instrumento primordial (que exige, fundamentalmente, afinação), rivalizando em qualidade com os instrumentos, teremos tunas mais completas, com instrumentos a acompanharem as vozes, ao invés delas correrem correm “atrás do prejuízo” ou fazerem figuração secundária (quando não são meras figurantes).

(Texto de 2007)