sábado, 24 de julho de 2021

Tunas portuguesas em crescimento, 1907

 Um anúncio, publicado em várias edições jornalísticas, no ano de 1907, por parte de uma casa de comércio que publicita um novo método de música, à venda por 550 réis (0,5 cêntimos actuais), e no qual se refere, logo a abrir, que o n.º de tunas e grupos musicais que se têm formado é extraordinário.

Tal corresponde às investigações que temos levado a cabo. Com efeito, entre finais do séc. XIX (mais ou menos a partir de 1890) e até, grosso modo, à 1.ª guerra mundial (1914), vive-se o que pode ser designado de 1.º "boom" tunante português.


 Vanguarda, X Ano, N.º 3764, de 11 de Maio de 1907, p. 2.

Vanguarda, X Ano, N.º 3825, de 11 de Julho de 1907, p. 3.


sexta-feira, 23 de julho de 2021

Entre Booms Tunantes

Nos, até agora, 4 programas do "Filhos do Boom", da PTV, a pergunta "Consideras o boom de finais dos anos 1980, inícios dos 90 como o mais importante na história tuneril portuguesa (desde o séc. XIX), nomeadamente em termos estudantis?" foi feita a todos os entrevistados.

Obviamente que, para alguns deles, a resposta é tendencialmente afirmativa, pois é a realidade que melhor conhecem.

Mas será mesmo assim? Foi mesmo o mais importante momento da história da tuna estudantil?

Então vejamos:

O designado "boom" de finais de 1980 e até, grosso modo, 1995, pode rapidamente ser visto em números. Estamos a falar de um pouco menos de 300 tunas fundadas entre 1983 e 1995, sendo criadas cerca de mais 120, até ao ano 2000, segundo "Qvot Tvnas" (2019), com muitas delas e extinguirem-se pelo meio (20 até 1995 e 40, de 1995 a 2000).

Estamos a falar de uma época onde o n.º de habitantes em Portugal anda nos 10 milhões de habitantes e o n.º de escolas e universidades, e respectivos alunos, é incomparavelmente maior que há um século e pico. Uma época onde as mulheres já têm pleno acesso à escola, convém recordar. O rácio tem de entrar nas contas, pois são coisas, até certo ponto, mensuráveis.

 


Ora, o 1.º boom tunante em Portugal é algo que ocorre entre meados de 1880 até, sensivelmente, 1916, numa altura em que a população oscila entre os 5 milhões em 1890 e os 6 milhões em 1911, grande parte dela analfabeta e, portanto, sem acesso à escolaridade sequer (reservada quase só rapazes).

Ora, nessa fase, e mesmo depois, há tunas académicas (estudantis, portanto) em todas as capitais de distrito e em algumas cabeças de concelho, sendo um fenómeno que atravessa níveis de ensino (ao contrário do 2.º boom), havendo tunas desde os colégios (a partir dos 11-12 anos), passando pelos seminários, liceus e centros de instrução, até ao Ensino Superior (presente apenas em Coimbra, Lisboa e Porto).

Nessa época, do virar do séc. XIX para o XX, não havia as actuais facilidades de comunicação. As deslocações eram difíceis, o acesso à informação era apenas pelos jornais (para os poucos que saiam ler), não havia rádio nem TV, nem web a difundir tunas, e muito menos discos à venda a impulsionar o fenómeno (e festivais de tunas como temos hoje, nem por sombras). Tudo que havia eram os saraus, récitas e concertos em sala (com actuações mais sazonais do que com a periodicidade da tuna recente). Mas não é menos verdade que também as tunas faziam digressões no território nacional e além fronteiras, com um impacto enorme.

No espaço de poucos anos, desde 1888 e apesar das limitações comunicativas, o n.º de tunas estudantis dispara exponencialmente.

Se falarmos da Tuna como fenómeno geral (alargado à sociedade civil, então a coisa toma proporções inimagináveis: entre fins do séc. XIX e a década de 1960, quase cada povoação portuguesa tinha a sua tuna, por vezes mais que uma. Nas cidades há-as em grande número).

Portanto, o "boom" dos anos 1980-1995 foi realmente o mais marcante da história tuneril portuguesa?

Se falarmos no âmbito estritamente universitário, claramente que sim. No espaço de menos de 2 décadas (1980-1995-2000) o n.º é impressionante, mas gozou de um contexto favorável (o dobro da população, liberalização do ensino universitário e n.º de instituições, mulher emancipada, escolaridade obrigatória até ao 6.º ano, melhores condições económicas....). Mas, por outro lado, note-se que em outros graus de ensino (colégios/liceus) nem uma mão cheia de tunas surgiram.

E é precisamente olhando ao rácio N.º de estudantes/escolas do 1.º boom Vs esse mesmo n.º do 2.º, que será, no mínimo, questionável pretender que 1980-1995 (ou até 2000) foi mais importante dentro da história da tuna estudantil portuguesa.

Repare-se que, em 1910,  temos pouco mais de 95 mil alunos (distribuídos por todos os graus de ensino), contra cerca de 2,4 milhões em 1996 (segundo ALVES, Luís Alberto Marques - História da educação, uma introdução. FLUP, 2012 e os dados da Pordata). Em termos de proporção e de contexto, pondo em perspectiva os dados, alguma prudência deve assistir a afirmações cabais.

Foi  realmente mais importante o 2.º boom? 

Não estou certo que o tenha sido, mas é de reconhecer que foi, sem dúvida igualmente importante, e especialmente importante para nós que vivemos isso como protagonistas (o que influenciará muitos que também o foram).

 

sábado, 17 de julho de 2021

O Real Tunel no Boom tuneril viseense

A propósito da excelente entrevista desta 5.ª feira passada, feita a João Paulo Sousa (EUC e Infantuna de Viseu) por Ricardo Tavares, na emissão da PTV "Filhos do Boom", alguns considerandos suscitados pelo tema do "boom" tuneril em Viseu, nos anos 90.

O ano em que, em Viseu, as Tunas se apresentam formalmente é 1992, na Semana Académica de Viseu, mais precisamente na noite de Tunas, realizada no Parque da Cidade, e nela se apresentando a Infantuna, a Tuna da UCP e a Polituna do IPV.

Mas as tunas não se criaram nesse dia, pelo que seja natural que a formação e os primeiros ensaios (e alguma outra apresentação informal) sejam anteriores, daí que seja ainda em finais de 1991 que alguns projectos tenham começado a dar os primeiros passos.

Isto para introduzir a questão das primeiras tunas, ainda em 1991.



Uma das tunas ainda não mencionada é o
Real Tunel Académico - Tuna Universitária de Viseu e que o João Paulo, e bem, refere como sendo, na altura, um grupo não assumidamente Tuna, mas antes um Grupo de Rondas/Serenatas.

Ora e porquê?

O Real Tunel surge em resultado do contacto estreito de vários elementos, pertencentes às várias instituições de Ensino Superior da cidade (IPV, UCP, nesta fase) que tinham em comum as primeiras reuniões para a formação da PESV (Pastoral do Ensino Superior de Viseu)[1], dinamizadas pelo saudoso Pe. Ilídio Leandro (mais tarde Bispo de Viseu), ainda nas instalações do Seminário Maior (transferindo-se, depois, para a antiga Casa dos Retiros, na Rua 5 de Outubro).

Ora, no final de uma dessas reuniões, os então estudantes da Esc. Superior de Educação, Luís Viegas e Paulo Pereira (membros da Polituna) convidam alguns de nós[2] a ir até ao Bóquinhas (Rua Escura), onde, entre conversas animadas, aparece uma guitarra (e se soltam as vozes). O Bóquinhas fora descoberto pelo Luís Viegas que logo lá levou o Paulo Pereira. Não era, portanto, um local frequentado e da preferência estudantil (algo que só começaria com os fundadores do Real Tunel).

Foi dessa amizade forjada a propósito da fundação da PESV e das respectivas reuniões, que foram tendo lugar nesse final de ano de 1991, que se tornou hábito regular fechar esses dias (eram usualmente quartas[3]) no Bóquinhas.

Nessa altura, já se desenhavam embrionariamente as tunas das respectivas escolas e, portanto, a animação musical no Bóquinhas fazia-se, a par com outros temas diversos, sobretudo à conta de "canções tunantes" (sobretudo à conta dos temas popularizados pela EUC no seu 1.º disco, "Estudantina Passa").

Cedo ganharam fama essas quartas à noite, animadas pela rapaziada, tornando-se o local num espaço de concerto, com pessoas que, pela reduzida dimensão da taberna, ficavam à porta, na rua, a ouvir (e que motivou algumas visitas da PSP que, ali chegada, não apenas não intervinha como ficava a ouvir também[4]).

A propósito do Bóquinhas, não é de esquecer que, apesar de tudo ter começado com 5 estudantes de instituições diferenciadas, o primeiro grande fluxo estudantil começou com os alunos da UCP (quase únicos nos primeiros anos), dado que, com a entrada de novos elementos no Real Tunel (por volta de 1993), a larga maioria era de essa instituição e, a reboque da Praxe (na qual também estavam envolvidos), levava os caloiros a  visitar aquele local (a par do bar do Orfeão de Viseu, na Rua Direita), a par de outros colegas praxistas. O grande afluxo de estudantes de outras instituições ao Bóquinhas dá-se a partir de 1998 em diante, passando a ser igualmente ponto de romagem das tunas locais e de fora da cidade.

Pontualmente, durante os seus primeiros anos, o grupo ia até ao adro da Sé, tocava nas iniciativas da PESV ou se entretinha a fazer umas serenatas, quando a ocasião se apresentava.

Mas por que razão não se assumiram logo como Tuna?

Há razões para tal e de fácil entendimento.

Esse reduzido grupo, na altura, estava ligado aos projectos de constituição das respectivas tunas das suas instituições de ensino, e não concebia sequer ser possível a criação de algo mais sério que não tivesse precisamente o apoio logístico da estrutura institucional (fosse a reitoria fosse a associação de estudantes). Um grupo formal, composto por gente de escolas diferentes era, implicitamente, algo que se via como impossível sem apoios e sem experiência. Por outro lado, era um statvs Qvo que agradava a todos: um grupo informal, de certa forma clandestino, que ia sendo alimentado pela experiência que os membros traziam das tunas que estavam a tentar formar nas suas instituições.

O grupo nunca se auto-intitulou de "Grupo de Serenatas" ou quejandos[5]. Quase desde logo se adoptou a designação "Tunel", numa fusão entre Tonel (por causa de dois pipos que existiam no Bóquinhas) e  Tuna. Um nome sugerido pelo Luís Viegas e que explica que, para os próprios, o que faziam era num formato Tuna, embora sem pretensões de carimbo formal.

O "Tunel" (designação usada até 1993-94[6]), também se traduzia num espaço onde se experienciava o grupo como exclusivamente masculino -  algo que não sucedia nem na Polituna nem na Tuna da UCP (que eram grupos mistos), e, por isso, sendo mais ao gosto dos seus elementos, mais de acordo com a noção romântica do varão que canta serenatas à mulher[7].

Mas o Tunel teve mulheres, desenganem-se!

Embora tenha sido pontual, o grupo contou com uma menina da Sup. de Educação, a Teresa (o apelido foi-se), exímia cantadora de fados e que também fazia parte da Polituna e, um pouco mais tarde (no ano de 93, salvo erro), com duas meninas da Tuna da UCP que tocavam bandolim (a Carla e a Nanda - ambas de Torredeita) que deram uma perna em algumas ocasiões: num sarau de Natal da PESV,  numa actuação em Santiago de Besteiros, numas jornadas PESV (um programa cultural que ocorreu (nas Termas de São Pedro do Sul, com presença dos Cantares de manhouce) e numa actuação em Fataunços.

Foram casos muito pontuais, mas existiram.

Portanto, quando se pensa na génese do "boom tuneril" em Viseu, claro está que se recordam as tunas que estavam oficialmente formadas, mas não é menos verdade que o Real Tunel existia e que os seus primeiros passos foram dados ainda antes da apresentação formal da Tuna da UCP e da Polituna, impulsionadas, também, pela notícia da criação da Infantuna e pela prevista noite de tunas que se iria realizar em Maio de esse ano - e na qual queriam participar).

A Polituna, já agora, surge precisamente pelo desafio que o João Paulo Sousa lançara em Viseu, quando ali actuara com a Estudantina de Coimbra, para que se criasse, também em Viseu, uma tuna. Criada com o apoio do Dr. Antas de Barros (então presidente do IPV), que subsidiou os trajes (que chegaram a ser ponderados como futuro traje académico), estrearam-se na na própria escola (ESEV), depois actuando em Lamego e Caparrosa e, finalmente, apresentando-se oficialmente à cidade na noite de tunas da Semana Académica de 1992. A tuna extinguiu-se, depois, em ca. 1993.

Voltando ao Real Tunel, o facto de a data escolhida ter sido 27 de Novembro de 1991, foi porque, quando se quis perceber em que dia tinha sido efectivamente criado o grupo, a única informação existente constava de uma agenda minha de 1991, na qual estava apontada "Reunião PESV + Bóquinhas".

À falta de melhor memória, e porque era algo informal (não havia actas ou quaisquer documentos), foi retida essa data como a da fundação, a qual até antecede a data escolhida pela Infantuna para a assinalar a 1.ª reunião que levou à sua formação.

Portanto, se, por um lado, é facto que a génese do Real Tunel Académico - Tuna Universitária de Viseu, é anterior a qualquer outra formação tuneril, não é menos verdade que, formalmente, é posterior às demais citadas, já que o 1.º espectáculo público, onde se apresenta assumidamente como grupo Tuna, data de 1992-93.

Recordo, a propósito da Infantuna, que uma parte dos seus membros fundadores, eram alunos meus contemporâneos na UCP de Viseu, chegando dois deles a fazer parte da comissão que tinha por missão dar corpo ao projecto da formação da Tuna da UCP, quando a Associação Académica fez disso uma prioridade, vendo que o processo estava a "engonhar" (razão pela qual a própria Tuna teria na sua designação "Tuna da AAV da UCP").

Nessa época, essa malta tocava no bar, muitas vezes a par com os que efectivamente estavam no grupo fundador da Tuna da UCP, numa alegre e partilhada camaradagem. Desses Infantunos, alunos da UCP de essa altura, destaco sobretudo o Paulo Calote, o Albuquerque, o Carlos Bispo e o José António.

Pouco mais tarde, surgirá a Profituna.

Nos anos seguintes, surgirá o projecto TunaDão (1993-1994) - que não passa da fase de ensaios (e cujos componentes, parte deles, passa para o Real Tunel)[8], a Electrotuna (1996-1998), a Tuna do Piaget (1997-2005) e, finalmente, a TUNADÃO (1998).

Foi assim, em pinceladas muito largas, o "boom tuneril" viseense e o lugar que o Real Tunel ocupou, e ocupa, no mesmo.

 



[1] Existe uma página de FB que lhe é dedicada.

[2] Eu, o João Almas (UCP) e o Nandy (Esc. Sup. Tecnologia).

[3] Esse dia passou a ser, durante anos, o dia (noite) obrigatório para se estar no Bóquinhas, embora muitos passassem lá os demais também.

[4] O dono da taberna, o Sr. Raúl, muitas vezes recorda esses episódios, sublinhando que quem se queixava inicialmente do barulho e chamava a polícia acabou por, depois, também se tornar fã.

[5] Foi sempre uma forma de, olhando para trás, se referir o grupo dessa altura como algo que, embora na prática fosse uma Tuna, não se assumia oficialmente face aos demais (já que, nessa altura e durante largos anos, era inconcebível fazer parte de 2 tunas de uma mesma cidade). Era um grupo que fazia rondas e serenatas (como qualquer tuna) mas só não se apresentava em espectáculos/eventos oficiais nem em festivais.

[6] Passa a Tunel Académico de Viseu e, finalmente, a Real Tunel Académico de Viseu / Real Tunel Académico - Tuna Universitária de Viseu.

[7] E note-se que, nos anos posteriores, vários elementos da Tuna da UCP e Polituna se foram juntando ao grupo, porventura por esse mesmo motivo também.

[8] Um projecto fortemente apoiado pelo Presidente do Instituto Politécnico, com cedência de sala e subvenção para compra de instrumentos e para o qual fui convidado como ensaiador, desempenhando a tarefa até se concluir que não estavam reunidos os meios humanos para continuar. Os elementos mais capazes acabaram, depois, por rumar ao Real Tunel, por convite que eu e o Nandy  lhes fizemos. É nessa altura que o Real Tunel ganha, também com a chegada de outros elementos da UCP, um novo fôlego.