quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Memória Portuense de TUNANTE - 1889 e 1890.


TUNANTE - emprego castiço que se vai perdendo na memória.

Em "QVID TVNAE?", a primeira obra a fazer o levantamento da evolução da palavra Tuna - e outras palavras daí derivadas, em dicionários/enciclopédias, verifica-se que palavra "tunante" está claramente ligada à ideia de vadiagem, ociosidade, malandrice, entre outros significados mais ou menos sinónimos. A seguir, transcrevemos, da obra referida[1], o significado que "Tunante" foi apresentando em diversas publicações (não todas), apenas evidenciando a palavra "tunante" (omitindo as outras), para não tornar extensa a exposição.

1739 - Real Academia Española, Diccionario de Autoridades, p. 375:
Tunante. part. act. del verbo tunar. El que tuna, ò anda vagando. Lat. vagus, vel vagam vitam agens. ESTEB. cap. 4. Como hombre mas experimentado, con tono fraternal nos informo en la ceremonia, y puntos de la vida tunante.
1879 - Rafael Bluteau (acresc. António de Moraes Silva), Diccionário da Lingua Portugueza, T. II,        L‑Z, p. 497.
Tunante, f. m. o embusteiro, vagamundo que anda vadiando, e comendo o que póde com enganos, e dolos.
1899 - Real Academia Española, Diccionario de Autoridades, p. 991 (reed. 1914, p. 1017, 2):
Tunante. p. a. de Tunar. Que tuna. Ù.t.c.s. || 2 adj. Pícaro, bribón, taimado. Ù.t.c.s.
1936 – 1960 - Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Editorial Enciclopédia                                            Limitada, Lisboa e Rio de Janeiro, Vol. XXXIII:
TUNANTE, adj. e s. 2 gén. Vadio, ocioso; que anda à tuna: “Andaríamos todos, os da minha ronda e eu,…como tunantes de Goya… rebuçados em longas capas negras, que nos cobririam a cara…”, Ramalho Ortigão, Últimas Farpas, cap. 11, p. 188; “Um bêbado tunante, / Pálido, e escalavrado”, Guerra Junqueiro, A Morte de Dom João, III, 3, p. 165; “Numa tasca beberricámos, pois seria imperdoável que tunantes não prestassem seu preito a Baco”, Aquilino Ribeiro, Uma luz ao Longe, cap. 9, p. 180.
2001 - Academia das Ciências de Lisboa e Fundação Calouste Gulbenkian, Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, Editorial Verbo, II Vol., G‑Z, p. 3652:
Tunante1. Adj. m. e f. (Do cast. tunante) 1. Que anda na malandragem, na vadiagem. ≈ VAGABUNDO. 2. Que engana ou ludibria terceiros. ≈ EMBUSTEIRO, TRAMPOLINEIRO, TRAPACEIRO. 3. Designação da pessoa, em especial do estudante, que faz parte de uma tuna ou agrupamento musical.(…)
Tunante2. s. m. e f. (Do cast. tunante). 1. Pessoa que anda na vadiagem, na ociosidade. ≈ TUNA, VADIO. Pessoa que engana ou ludibria terceiros. ≈ EMBUSTEIRO, MAROTO, TRAPACEIRO. 3. Pessoa, especialmente estudante, que faz parte de uma tuna musical (…).
2003 - Instituto António Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Temas e Debates, Lisboa, T. III, Merr‑Zzz, p. 3606:
Tunante adj. 2g.s.2g (1789 cf. MS) 1 que ou quem anda à tuna, vadiando (diz‑se especialmente de estudante), vagabundo, tunador. 2 p. ext. que ou quem faz trapaças, embusteiro, trampolineiro. 3 HIP que ou quem tem má índole (diz‑se de animal). 5 TAUR (1899) que ou o que já conhece a lide e revela má intenção (diz‑se de touro).

Em Portugal, o termo teve, pelo menos desde o séc. XIX, um sentido claramente pejorativo.
Hoje em dia, já quase caiu em desuso, sendo "agora" reabilitado pelas tunas académicas, mas com outro significado.
Contudo, na região norte (periferia do Porto, nomeadamente) ainda há quem utilize ou se lembre de ser utilizado "tunante", empregando-se para classificar outrem como malandro, maroto, mal-comportado, trapaceiro, vadio ou vagabundo.
Segundo testemunha o meu amigo Eduardo Coelho, era ainda corrente, há algumas décadas, nessa zona do país, alguém se referir a outro (sobretudo garotos) dessa forma:
- Ah, seu tunante! [Ah, seu canalha / seu traste, seu malandro...].

Não deixa de ser curioso que a palavra "canalha", usada para definir alguém como pessoa falsa, que não presta (como criminoso, até); também seja utilizada, como substantivo colectivo, para nos referirmos a um grupo crianças pequenas.
Ex. 
A canalha está a brincar na rua [As crianças estão a brincar....]
ou 
A minha canalha está a dormir [os meus filhos estão a dormir]

Por sua vez, "tunante", tal como "canalha", aqui a ser utilizada para mencionar crianças, mas crianças vagabundas, que andam a vadiar na rua porque fugiram de casa dos pais.

Nota: por vezes também se usa "canalha" como substantivo comum singular para designar uma só criança (mas é mais raro), usualmente do sexo masculino: "Aqui o meu canalha [filho/filhote] gosta de legumes!"

E é isso mesmo que aqui se traz como assunto: o facto de surgir em periódicos, o termo "Tunante" (dando título aos artigos), para relatar precisamente a prisão de jovens que fugiram de casa e deambulavam pelas ruas e foram apanhados (para depois serem entregues, pelas autoridades, aos pais).

Jornal do Porto, XXXI Anno, N.º 218, de 14 de Setembro de 1889, p.1.

Jornal do Porto, XXXI Anno, N.º 231, de 29 de Setembro de 1889, p.2.

 Jornal do Porto, XXXII Anno, N.º 57, de 8 de Março de 1890, p.2.

 Jornal do Porto, XXXII Anno, N.º 48, de 26 de Fevereiro de 1890, p.2.



É um caso assaz curioso, pela forma como um jornal utiliza tal expressão  (e não outra), e que se deve precisamente ao facto do termo ter prevalecido no uso quotidiano do Porto (e sua região), contrariamente a Lisboa, por exemplo, onde não se encontra tal designação para estes casos.

Fica esta curiosidade sobre um termo que tantos conhecem, mas certamente desconheciam a sua história e significado original.





[1] COELHO, Eduardo, SILVA, Jean-Pierre, TAVARES, Ricardo, SOUSA, João Paulo - QVID TUNAE? A Tuna Estudantil em Portugal. Euedito, 2011-12.

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