Estudiantina - Quando usado como substantivo, este término designa originalmente um grupo de estudantes (chegando a
também designar as quadrilhas de estudantes cuja actividade era menos
"recomendada" - e que em Portugal se poderiam assemelhar aos arcaicos
"ranchos"/trupes").
Quando
usado como adjetivo, serve para caracterizar algo ligado aos estudantes
("hambre estudiantina" - fome estudantil; "greve
estudiantina" - greve estudantil; "fiesta estudiantina" - festa
estudantil, etc.).
(Comparsas) Estudiantinas - As estudiantinas surgem em Espanha ligadas a festividades, logo nas primeiras
décadas de 1800 (a 1.ª detectada, segundo investigação de Rafael Asencio, é uma estudiantina de San Sebastián del Jueves
- no Carnaval de 1816), mas é sobretudo a partir da década de 1830, quando as denominadas "festas de máscaras" passam a ser novamente
permitidas, sob o reinado da regente Maria Cristina (a qual dá ao Presidentes
de Câmara e Governadores regionais o poder de autorizar esse tipo de
festividades), que este tipo de grupos se dissemina.
Essas
festas, em que as pessoas se mascaravam e desfilavam em alegres arruadas e
cortejos, ocorriam em celebrações periódicas (S. Pedro, S. João, Natal e
Carnaval) ou em eventos especiais (nascimento ou casamento real, inaugurações, etc.).
Nessas
festas participavam e desfilavam comparsas, ou seja grupos mais ou menos
organizados que se caracterizavam pelo seu lado burlesco, pantomineiro,
alegórico (com quadros representativos, a lembrar os momos medievais) e
picaresco (onde a crítica social não faltava, por vezes de forma muito mordaz),
vestindo-se conforme o tema que queriam retratar (padeiros, padres, clérigos,
nobres.... e estudantes).
Ora
foi precisamente aos grupos (comparsas) que saíam a retratar ou caricaturar os estudantes
que se deu o nome de "estudiantinas", porque os seus membros se
vestiam a imitar os estudantes (dentro das possibilidades que cada um tinha de
arranjar uma roupagem que fizesse lembrar os trajes estudantis).
Mais tarde, estas estudiantinas, que não tinham, inicialmente, componente musical (como sucediam com as demais) passam a ser sinónimo de comparsa, deixando as estudiantinas de serem apenas grupos que parodiavam os estudantes.
Em algumas localidades, com
o tempo, (sobretudo quando a actividade servia objectivos caritativos ou era de maior importância), começaram a contratar
bandas para os acompanhar, dando, assim, maior brio e credibilidade ao
peditório. Embora não fosse assim em todo o lado, algumas regiões tinham essa particularidade de contratar bandas, pelo que a "estudiantina", nesses casos, não era um agrupamento musical propriamente dito (algo que também ocorre, amiúde, em alguns casos portugueses).
Normal,
portanto, que no Carnaval (época em que há inversão de papéis: o rico veste-se
de pobre e o pobre de rico), uma das figuras retratadas pelo povo fosse o estudante (classe que gozava de prestígio junto da sociedade).
A partir de determinada altura, as "estudiantinas" são sinónimo de comparsa, imitem ou não o foro estudantil.
Estamos,
pois, perante um fenómeno popular festivo, carnavalesco, daí que seja
lícito (e factual) dizer que as estudiantinas,
como comparsas que eram, nasceram no meio popular.
A transformação desses grupos em orquestras de plectro foi um processo lento, mas
muito influenciado pelo movimento orfeónico que se fazia sentir pela Europa
(além do facto de ficar mais barato aos protagonistas assumirem as despesas de
tocar do que pagar a terceiros) e, sobretudo, por influência da Estudiantina Fígaro.
E os estudantes?
Os
estudantes também saíam à rua, mas raramente vestidos como tal, como é natural,
pois as festas de máscaras eram precisamente o exercício do jogo de inversão
social.
Havia
comparsas de estudantes, mas usualmente vestidos com outras temáticas (zuavos,
mosqueteiros, Pierrots....).
Embora já existissem pontualmente, só sensivelmente a partir da década de 1870 os estudantes, com traje, decidem, de forma mais regular, assumir-se como tal nessas comparsas (mas cujo número de grupos é ainda reduzido face aos restantes).
Nessa
época, porém, as Estudiantinas gozavam de
má fama.
Com
efeito, eram muitas as que se formavam sob pretensa ideia de caridade, mas
depois davam outro destino às esmolas (bebida, comida...), além de a população
ficar agastada com os cada vez mais frequentes casos de assédio por parte
desses grupos que pediam de forma demasiado insistente (numa versão grotesca do
"Tric or treat"), importunavam as pessoas e insistiam "ad
nauseam" no "peditório" - e com muitos desses grupos a apresentarem-se falsamente como estudantes, para obterem maior condescendência e convencerem as pessoas a abrirem os cordões à bolsa (o que desagradava a quem era enganado e ainda mais aos estudantes cuja imagem fica em causa).
De comparsas a grupos
musicais / orquestras de plecro
De "Comparsas-Estudiantinas" a "Estudiantinas-orquestra"
A
essa má fama era preciso contrapor uma nova imagem que recuperasse a
credibilidade.
Uma
das formas de o fazer foi transformar esses grupos, deixando de serem meras comparsas de Carnaval, afastando-se desse lado burlesco e pantomineiro e, paulatinamente, deixando de contratar bandas para acompanhar os grupos e encarregando-se os próprios da componente musical.
Surgem,
então, as estudiantinas como
tipologia orquestral, como grupos artísticos/musicais que se davam em concerto (usualmente em sala).
Apostando
em apresentarem-se em concertos e espectáculos em sala, quase sempre para
acudir a razões de ordem caritativa (a favor de pobres, de vítimas de desastres
naturais, de viúvas e órfãos de guerra....), com repertório trabalhado com
qualidade e rigor, as estudiantinas
vão-se transformando e ganhando nova identidade.
O grande salto é dado com a Estudiantina
Española que vai a Paris, no Carnaval de 1878 (com enorme eco na imprensa mundial), logo seguida pela mais
famosa das estudiantinas: a Estudiantina Española Fígaro - um grupo
que aproveita a fama do anterior e, trajado como os estudantes (embora se
tratasse de um grupo civil), inicia um processo de "polinização" mundial
que vai dar novo fôlego ao movimento orfeónico das orquestras de plectro pelo globo
e espalhar a designação "estudiantina" como nomenclatura identificativa
de grupos formados segundo um determinado leque instrumental (e cujo traje passa a ser copiado pelos grupos estudantis).
Nenhum outro grupo, diga-se, gozou de tamanha fama e teve papel mais preponderante na divulgação e promoção deste tipo de agrupamento (deixando na sua esteira dezenas de estudiantinas que, entretanto, se formaram, por sua influência, um pouco por todo o mundo).
O repertório das estudiantinas passa a ser quase esmagadoramente instrumental (embora haja temas cantados), privilegiando peças ao gosto do público da época (grandes obras de compositores clássicos, a par de "aires nacionales" e outras compostas propositadamente pelos respectivos maestros). Para o executar, os grupos passam a eleger instrumentos mais nobres (cordofones plectrados, dedilhados e friccionados, flautas leves...sem esquecer, nos grupos estudantis, a pandeireta). Um fenómeno que se observa em todas as latitudes.
Nessa
década de 1870, os estudantes, sentindo-se apoucados, e querendo distinguir-se
dos grupos civis, decidem associar o termo "Tuna" aos seus grupos, de
modo a identificarem-se como estudiantinas compostas de verdadeiros estudantes.
Recuperam,
portanto, um termo ainda muito presente no imaginário colectivo espanhol, onde
a figura romantizada do estudante pedinte (que vivia a "correr la
tuna") auferia de algum prestígio.
Esse
"correr la tuna", no entanto, não fora nunca um exclusivo dos
estudantes.
"Correr la tuna" (que significa "correr/andar atrás
de esmola") era algo praticado por todas as frágeis franjas sociais, mas
como o estudante gozava, nessa altura, de protecção (foro académico) e de
prestígio (porque era letrado), emergiu como figura mais destacada desse modo
de vida (sem esquecer os estudantes que, não sendo pobres, professavam esse modo de vida pelo seu lado aventureiro e marginal). Mas fique claro que "tuno" não era sinónimo exclusivo de "estudante", havendo "tunos" que viviam o "correr la tuna" que de estudantes nada tinham.
Nessa
época, essa actividade raramente implicava música. Os estudantes destacavam-se
dos demais por, graças aos seus conhecimentos literários e científicos, mais facilmente entreterem ou enganarem as pessoas com falsas rezas curativas (numa salgalhada de latim macarrónico e palavras noutras línguas que soubessem), com previsões astrológicas,
com algum truque de magia (pelo menos aos olhos do povo ignorante); pessoas essas que, mesmo quando percebiam haver "marosca", tinham para com os estudantes uma
postura mais transigente e compassiva.
Recordemos
que o termo "correr la tuna" (andar à tuna) ou "tunante" era
(e ainda é, em alguns casos) associado, nos dicionários e na imprensa, a
vadiagem, extorsão, má vida, fraude, má índole, charlatão, impostor, etc.
Não
será despiciente recordar que o adjectivo "gatuno", proveniente do
espanhol (e derivado de "gato"), e que também em português significa
larápio/ladrão/malicioso, não deixa de ter uma certa similitude com
"tuno", estando igualmente ligado ao embuste, engano e roubo.
Tuna
não é, pois, um termo da gíria estudantil, ao contrário de
"estudiantina", cujo significado remete directamente para o âmbito
escolar e pertence à família e área vocabular de "estudante".
Quando,
portanto, alguns pretendem que "Tuna" é um exclusivo estudantil,
fazem-no por desconhecimento, pois se há termo que realmente designa um grupo
de estudantes é "estudiantina/estudantina". O termo "Tuna" não pertence ao âmbito estudantil per si.
Tuna - quando o termo começa a
ser adoptado, em Espanha, é-o quase sempre colado ao termo
"Estudiantina", daí termos grupos apelidados de "Estudiantina Tuna Escolar de....", "Tuna Estudiantina da Faculdade
de....", para designar a natureza da estudiantina
em causa.
Em
Espanha, esse processo de transição leva algumas décadas, sendo preciso esperar
praticamente pelo fim da Guerra Civil e instauração do novo regime político
(ditadura de Franco) para que os grupos estudantis (universitários, sobretudo) deixassem cair o termo
"estudiantina". É, aliás, durante a ditadura franquista que as Tunas passam a ter um carácter mais permanente e institucionalizado (muitas das hoje existentes forma fundadas nessa época), ou seja já não são grupos sazonais, mas que desenvolvem uma actividade mais continuada no tempo (a que a organização de certames não é alheia).
Mas
não se pense que os grupos civis se ficaram. Também eles, naturalmente, foram
adoptando (em Espanha como por cá) essa nova designação, registando-se inúmeros grupos populares (ainda hoje)
designados de "Tuna".
Uma das razões para a mudança de designação poderá ser simplesmente por moda, mas acreditamos que também fosse para afastar-se definitivamente da má fama que as comparsas "estudiantinas" gozavam. Os grupos que queria assumir-se como orquestras (restritos a uma actividade artística/musical não resumida a festas de máscaras) teria mais facilidade em se afirmarem como tal, com uma designação que não fizesse lembrar as ditas comparsas carnavalescas.
Esse
mesmo processo de adopção do termo "Tuna" também sucedeu em Portugal, só que muito mais rapidamente. Se, já em
finais do séc. XIX, nascem grupos com essa denominação, a partir de 1900 já não se registam grupos
com a designação "Estudantina" (e todos mudaram ou para
"Tuna" ou assim se passaram a chamar quando foram criados, sobretudo por moda e influência espanhola).
Um
processo natural de imitação e troca de influências que sempre ocorreu.
Por
esse mundo fora, o processo teve 2 caminhos distintos.
Na
Europa e algumas outras geografias, sobretudo (mas não só) por influência da "Fígaro", e
desde finais do séc. XIX, encontramos milhares de orquestras de plectro
desginadas de estudiantinas.
Vamos, aliás, encontrá-las como categoria instrumental (tipologia orquestral), nos inúmeros concursos internacionais de música, a partir da década de 1880, em que, a par com concursos para fanfarras, filarmónicas, coros, orquestras de câmara, etc., há-os também para "Estudiantinas" (tanto com esse nome como com outros sinónimos: mandolinatas, circolo mandolinístico, orquestra de bandolins, tuna...), com regulamentos muito rígidos quanto à composição instrumental e, assim, definindo o que era e não era Estudiantina (ou seja Tuna). Regulamentos que são transversais em França (onde chega a existir uma Federação Nacional de Estudiantinas e uma União Federal de Estudiantinas Manolinísticas e Guitarristas, inseridas na Federação Musical de França), Itália, Bélgica, Luxemburgo, Suiça, países do Magreb ... e que alicerçam a definição estrita deste tipo de grupos.
Na
América Latina, onde também encontramos estudiantinas (civis e escolares/académicas) desde, pelo menos, a 2.ª metade do séc. XIX (por influência da emigração
espanhola e, mais tarde, pela passagem da "Fígaro"), só a partir, grosso modo, da década de 1960 o termo
"Tuna" começa a ser usado, fruto da influência das visitas de algumas
tunas universitárias espanholas (sobretudo madrilenas) àquele continente. Até lá, usa-se comummente a designação "Estudiantina de la Universidad/de la Faculdad/del Instituto ..." (como ainda hoje as há assim designadas e que são tão tuna quanto as demais).
Essa
chegada e adopção tardia do termo induziu muito gente daquelas latitudes na ideia que
"Tuna" era uma designação exclusiva de grupos universitários.
O
termo "Tuna", portanto, como designativo de grupo artístico (sinónimo
de "estudiantina"), só se disseminou inicialmente (e até à década de
1960) na Península Ibérica.
Nota: em 1914, o termo "Tuna" surge no Dicionário de Autoridade da
Academia Espanhola (p. 1017) como sinónimo de estudiantina (sendo aliás o 2.º signiticado do termo, após o de
"vida holgazana, libre y vagamunda").
Em Portugal
(Vd. documentário "À Descoberta da Tuna Portuguesa")
Se,
em Espanha, fruto das condicionantes políticas e de organização social impostas
pelo regime, se destacam as Tunas de feição escolar (com o tempo,
cada vez mais coladas ao contexto universitário), relegando para uma espécie de
"limbo" as tunas civis, já em Portugal as estudiantinas/tunas não ficam sujeitas a qualquer
"apartheid" social ou político.
Portugal,
aliás, é um caso singular em que quer as primeiras estudantinas são civis (como em Espanha), quer os primeiros grupos a chamar-se "Tuna"
também o são.
Não
significa que haja uma grande distancia temporal, mas as primeiras evidências
encontradas apontam para isso.
Mesmo
sabendo-se que, numa primeira fase (os indícios levam-nos a crer que as primeiras estudantinas civis surgem a partir da 2.ª metade do séc. XIX), eram grupos sazonais, só se tem constância
de estudantinas formadas por estudantes a partir de finais da década de 1870
(de 1878 em diante), embora de cariz efémero.
Quando
o processo começa a consolidar-se, ocorre primeiro em grupos civis e, pouco
depois, no foro escolar - este último a partir de finais da década de 1880, iniciando-se, aí, o 1.º "boom" de Tunas Académicas (muito impulsionado pelas visitas da Tuna Compostelana, em 1888, 1890, 1895, 1901, 1904, 1906; Tuna de Madrid, em 1889 e 1906; Tuna de Salamanca, em 1890, 1907, 1908 e 1909; Tuna de Sevilha, em 1891; Tuna de Zamora em 1892; Tuna de Valhadolid, em 1902 e 1910; Tuna de Valência, em 1905 e Tuna de Córdova, em 1905).
Em
Portugal, as primeiras Tunas são, portanto, populares.
Mais
tarde, surgem os grupos escolares (alguns de natureza universitária - embora em menor número),
sobretudo no meio liceal.
Esse
fenómeno escolar atravessa todo o século XX, sendo que, a partir de 1945 (depois de extinta a TAL - Tuna Académica de Lisboa), só 2
tunas universitárias subsistem (a TAUC -Tuna Académica da Universidade de Coimbra e a TUP - Tuna Universitária do Porto) no meio do contingente de tunas de liceu.
O
fenómeno tuneril português é, pois, maioritariamente composto de grupos civis e
grupos escolares não universitários (de colégios e de liceus).
Só
a partir de meados da década de 1980 é que as tunas universitárias emergem em força (e se inicia o
considerado 2.º "boom" de tunas académicas), num contexto em que as
tunas de liceu quase desaparecem (subsistindo a TALE - Tuna Académica do Liceu de Évora) e as tunas populares
acabam por ficar muito reduzidas (já depois de terem sofrido uma enorme
diminuição na década de 1960, fruto, entre outras coisas, da emigração e da guerra
colonial).
O lugar das Mulheres
Desde
o início que as estudiantinas
aparecem formadas também com mulheres, e também com crianças.
Sendo
grupos não sujeitos a regras rígidas (até porque de cariz festivo e
carnavalesco e, por isso, propícios a troca de papéis), é normal que
encontremos nesses grupos mulheres, homens e crianças, ora misturados ora
organizados distintamente.
Mesmo
depois, com a evolução para grupos artísticos, vamos encontrar estudiantinas
formadas de modo misto ou, então, só por mulheres ou só por jovens/crianças.
Desde
o séc. XIX que há estudiantinas/tunas de mulheres.
O
que não há ainda são Tunas Universitárias femininas, em razão apenas do facto
de o n.º de mulheres na Universidade só mais tardiamente ser expressivo e poder
alimentar a criação de grupos exclusivamente femininos. O que vamos ver aparecendo, nomeadamente em Espanha, a partir sobretudo da década de 1940, são Tunas masculinas em que começam a aparecer algumas mulheres pelo meio (mistas, portanto), para, alguns anos depois (década de 1950 em diante), surgirem os primeiros grupos universitários exclusivamente femininos.
Tunas ou Estudantinas escolares e/ou universitárias com mulheres são,
há pelo menos um século, uma realidade, portanto tão legítima quanto os grupos
apenas compostos por homens.
RESUMINDO
- Tudo
começa em Espanha, com as Comparsas das festas de máscaras (sem cariz musical), sobretudo no Carnaval.
Algumas dessas comparsas,
por caricaturarem os estudantes, passam a designar-se Estudiantinas.
- Aos
poucos, essas estudiantinas
transformam-se em grupos artísticos e abandonam o seu carácter carnavalesco.
- O
modelo é sobretudo disseminado por um grupo civil vestido de estudantes: a Estudiantina Española Fígaro, que
servirá de referência quer na indumentária quer no repertório e tipologia
instrumental.
- Os
estudantes, a partir de 1870, querem distinguir as suas estudantinas e repescam
um termo não estudantil para as designar: Tuna.
Estamos
pois perante estudiantinas de
estudantes, mas com uma nova designação adicional. Trata-se, contudo, da mesma tipologia.
- Apesar
da intenção em distinguir esses grupos estudantis, o termo é também apropriado
pelos grupos civis (um processo com maior penetração em Portugal).
- Em
Espanha, por força do controlo estatal da ditadura franquista da vida
académica, e não só, e com vista a exportar uma ideia de Espanha hidalga e
secular, as Tunas são apresentadas como expoente de uma centenária tradição
universitária, relegando todas as demais a meras "estudiantinas" (é nessa altura que se
consolida e cristaliza uma narrativa ficcionada e romantizada da Tuna como algo
proveniente da idade média, exclusiva da Universidade e de varões, com vista a
conferir uma centenária "história" brasonada à mesma).
- Pelo
mundo fora, a partir de finais do séc. XIX alicerça-se o conceito e significado
de "estudiantina" como designativo de orquestra de plectro.
- Na
América Latina (hispano-americana, sobretudo), onde há
"estudiantinas" desde as primeiras décadas do séc. XIX, o termo "Tuna" só se começa a
implementar na década de 1960, após a visita de várias tunas universitárias
espanholas (dando a ideia errónea de ser uma tipologia diferente de
"estudiantina" e, portanto, exclusiva de grupo universitário).
- Na
prática, uma Tuna é uma estudantina, e em nada dela diferindo senão (em teoria)
pelos membros que a formam (e que poderão usar um traje mais identificativo
dessa natureza). Não são pois os ritos que definem uma tuna ou estudantina, nem praxis interna que dá chancela tunante.
Ambas as designações remetem para uma tipologia orquestral que é rigorosamente a mesma.
- Em
Portugal, nunca houve atritos ou tentativas de expurgar os grupos populares ou
não universitários, sendo que ninguém se arrogou detentor da designação
"Tuna".
Por
essa mesma razão é que os grupos compostos por estudantes (chamem-se eles "Estudantina"
ou "Tuna") adendam a essa designação os termos "Académica",
"Universitária", "da Faculdade...", etc., bastando isso para
distinguir a natureza do grupo (a par do traje).
São, aliás, portuguesas as Tunas mais antigas com actividade ininterrupta, quase
todas elas civis (embora também apresentando as mais antigas Tunas escolares e
as mais antigas Tunas de cariz universitário).
-
As Tunas / Estudantinas compostas por mulheres (mas também as mistas) são tão
legítimas, histórica e socialmente, quanto as apenas formadas por varões, tendo mais de 1 século de existência.
REFERÊNCIAS:
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COELHO, Eduardo, SILVA, Jean-Pierre, TAVARES, Ricardo, SOUSA, João Paulo - QVID TUNAE? A Tuna Estudantil em Portugal. CoSaGaPe, 2011-12.
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MARTÍNEZ DEL RIO, Roberto; ASENCIO, Rafael [et al.] – Tradiciones en la antigua Universidad: Estudiantes, matraquistas y tunos. Alicante: Ediciones Universidad de Alicante, 2004.
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SARDINHA, José Alberto - Tunas do Marão. Tradisom, 2005
SÁRRAGA, Félix O. Martin - Mitos y evidencia histórica sobre las Tunas y Estudiantinas. TVNAE MVNDI, Cauces Editores. Lima, Perú, 2016.
--------------------------------------- - Las Tunas españolas anteriores a las del S.E.U. no tuvieron actividad continuada demostrada en el tiempo. Tvnae Mvndi, (Artigo de 2016).
SILVA, Jean-Pierre - A França das Estudiantinas - Francofonia de um fenómeno nos séc. XIX e XX. CoSaGaPe, Lisboa, 2019.
----------------------- - Al Descubrimiento de la Tuna Portuguesa (1.ª Parte). Conferência (vídeo no Youtube) promovida pela Asssociação Tunos Decanos de Iberoamerica, Agosto de 2020.
TRUJILLO, José Carlos Belmonte - Evolución organológica y de repertorio en la Estudiantina o Tuna en España desde el fin de la Guerra Civil española. La influencia de 'uda y vuelta' entre España y Latinoamérica - Tese de Doutoramento na Universidade da Extremadura, 2015.
YCARDO, José Mateo e GONZÁLEZ, Rafael Asencio - História Completa de las Tunas y Estudiantinas de Cataluña, Siglos XIX y XX . 2020.