sábado, 16 de novembro de 2024

Praxe, praxismos e Tunas

 Não é de agora. São já muitos os casos repertoriados de problemas resultantes da tentativa de conjugar Tuna e Praxe, onde, na maioria dos casos, as tunas são colocadas numa relação de subordinação ao código de Praxe e organismo de Praxe da instituição a que pertencem ou, então, numa suposta "colaboração" respeitosa.

Está mais que estudado (e aflorado na obra Qvid Tvnae? bem como na emissão Tuna Portugal da PTV) o facto de os protagonistas do ressurgimento das tradições académicas (na década de 1980-90) e das Tunas terem sido quase sempre os mesmos, misturando/inventando à falta de conhecimentos mais alicerçados sobre o assunto.

Os factos têm demonstrado, passados todos estes anos, que, quando as comadres se zangam.... "Aqui del-Rei, que estão a atacar a nossa Tuna!" e, nessa altura, os grupos acordam da letargia da sua ignorância e cegueira, para perceberem que algo não bate certo!

Casos desses têm sido, volta e meia, relatados aqui neste blogue (em 200720082012 e 2020, para só citar estes), no PortugalTunas e na emissão Tunices, no blogue As Minhas Aventuras na Tunolândia (com N artigos a abordar a questão) ou no grupo Tunas&Tunas do Facebook, com as tunas ultrajadas a publicarem longas cartas de protesto e longos comunicados de agravo e indignação (onde a história é sempre a mesma: abuso de poder da Praxe sobre a Tuna).

Eis alguns casos: TeSuna - Tuna Feminina da Escola Superior de Saúde (em 2017 e agora em 2024), Miniatuna do ISAG (2024), Tuna Académica de Ciências da Saúde Norte (em 2016), a Xelb Tuna -Tuna Mista da Escola Superior de Saúde Jean Piaget - Silves (em 2020), Barítuna - Tuna Feminina da Fac. de Direito da UL (em 2015), Tuna Femina da Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto (em 2015), Tuna Musicatta Contractile da Fac. de Desporto da UP (em 2014), TAB - Tuna Académica de Biomédicas do Porto (em 2014), Tuna TS -  Tuna de Tecnologia da Saúde do Porto (em 2013), OUP - Orfeão Universitário do Porto (em 2014), Hinoportuna - Tuna Académica do IPVC (em 2014), Tufes- Tuna Feminina Scalabitana (em 2015), CUCA - Tuna da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (em 2014).

Portanto, perante mais um caso, a primeira coisa que nos vem à cabeça é dizer "Bem feito, ninguém vos manda serem tótós!" ou "Não foi por falta de aviso!". Afinal, há já muito que se tem procurado esclarecer que Praxe e Tunas são aspectos díspares (quer nos sites acima mencionados quer no próprio Notas&Melodias, espaço de referência nacional em matéria de praxe e Tradições Académicas) e, de certa forma, incompatíveis, independentemente de terem, muitas vezes, em comum o uso do traje académico.

Continua, por isso, válido o Manifestvm Tvnae - (Manifesto pela salvaguarda da independência histórica das Tunas/Estudantinas), infelizmente pouco lido e pouco divulgado.

Uma vez mais reiteramos que quem mistura Praxe e Tunas, quem mete tunas nos seus códigos e quem acha que a a sua Tuna deve contas a organismos de Praxe não apenas não entende de Praxe como não percebe nada de Tunas. 

Estaremos sempre do lado das Tunas, de todas as que acordarem do seu longo sono encapsulado, tipo Neo no filme Matrix; e estaremos sempre dispostos a esclarecer, sem demonizar os organismos de Praxe que, grosso modo, costumam ser constituídos por malta porreira e voluntariosa, mas totalmente incompetente e ignorante em matéria de Praxe.

Contrariando tudo quanto é da Praxe e tudo quanto é tradição tuneril, 
ainda há quem exija que os candidatos à tuna tenham de ter sido previamente praxados.


E como a ignorância é a mãe de todos os erros... ainda vamos vendo, em pleno 2024, tunas, como a Sal&Tuna da ESDRM - Escola Superior de Desporto de Rio Maior – Politécnico de Santarém (instituição cujos alunos promovem uma "praxe" conhecida pela sua falta de credibilidade), a promover estas heresias praxeiras, vestindo-se de trupe musical e despindo-se moralmente de Tuna.

Meter Praxe e Tunas (assim como caloiros) no mesmo saco, seja de serapilheira, sarja ou quejandos... dá asneira.  É que "quem não quer ser lobo... não lhe veste a pele", já diz o ditado.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

XXVII Certamen Internacional de Cuarentunas de León

Merece especial destaque este certame tendo em conta a sua dimensão incomum nos tempos que correm.

24 tunas participantes (sendo duas delas mexicanas e outra portuguesa), rondando os cerca de 600 participantes é algo já pouco comum e seria preciso recuar uns anos bem valentes para reencontrar um festival com tantos tunos e tunas.

O circuito de quarentunas, sob alçada da Federación Internacional de Cuarentunas, está de boa saúde e recomenda-se, contando com a participação da Tuna de Veteranos de Viana do Castelo, como representante lusa e grande embaixadora da nossa comunidade.

O evento contará ainda com a apresentação do livro "Ronda la Tuna", de Fernando Castañón Garcia, que constitui o primeiro estudo sobre as tunas e rondallas da província de León.

Aupa Tuna!

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Estudiantina Hispano-Americana (México) em 1898

 No México, a Estudiantina Hispano-Americana desfilando nas ruas da cidade.

Tratar-se-á, com toda a certeza, de um grupo de emigrantes espanhóis que normalmente se agrupavam em "Casinos" (associações).





sexta-feira, 25 de outubro de 2024

20 anos de Além Tunas

 E passaram 20 anos. E foi por esquecimento que este artigo ficou por lavrar.

Começou por se chamar "Tunices" e pretendia ser espaço de partilha pessoal de ideias e experiências sobre a Tuna.


Acabou por ser bem mais que isso e, depois de passar a usar a actual designação, assumiu-se como meio de divulgação de trabalhos de investigação tuneris, a par dos artigos de opinião, notícias, crónicas  e curiosidades, sobre o amplo fenómenos das Tunas (e inúmeras vezes referenciado em trabalhos científicos sobre o tema).
Sem pompa, ficam aqui assinaladas as 2 décadas do blogue, criado em Janeiro de 2004.

sábado, 19 de outubro de 2024

IA (Inteligência Artificial) e a Tuna

 

Estamos ainda longe, de podermos considerar a IA (inteligência Artificial) como uma ferramenta credível para trabalhos académicos.

E porque sabemos que no Ensino Superior são vários os alunos que, ao longo dos anos, fizeram trabalhos, teses e artigos sobre Tunas (de forma mais ou menos indirecta)… e porque certamente continuarão a ser produzidos tais trabalhos é que quisemos, de forma sucinta e sem recorrer a versões profissionais pagas, saber se as ferramentas gratuitas de IA eram uma mais-valia para fazer trabalhos sobre Tunas sem ler ou estudar patavina do assunto.



E porque qualquer trabalho que aborde tunas tem sempre uma contextualização histórica e explicativa das origens é que questionámos 2 serviços dos mais conhecidos.

A pergunta era simples: “Trace a origem e história das Tunas Académicas [recorrendo a fontes credíveis consultáveis online].”


No ChatGPT, quase nada corresponde aos factos históricos. Depois diz que é preciso fazer consultas adicionais, mas não fornece qualquer orientação digna desse nome.

Nesta outra versão do ChatGPT, o resultado é quase idêntico, com excepção das fontes que não pedimos. É uma sucessão de erros e falsidades históricas em que, ainda hoje, muitos caem por militante ignorância e economia de intelecto.

Os resultados foram simplesmente decepcionantes. Salvo o caso do Gemini, que ainda conseguiu ir buscar alguma coisa à Wikipédia (de que parte do texto foi por nós actualizado) e ao site da Estudantina de Castelo Branco (a um texto já antigo, da lavra do Ricardo Tavares) que, ainda assim, estão algo desactualizados, o resto é a pobreza “franciscana” nas fontes. O texto do Gemini é, ainda assim, o melhorizinho dentro do mau que é produzido artificial e incompetentemente, mas nem esse escapa a uma avaliação negativa.


Embora com menos erros, afirmar que a 1.ª tuna académica foi a TAUC (e 1888 é quando nasce a Estudantina de Coimbra) e que só a partir daí nascem as demais é falso. Tunas Académicas já as havia. A TAUC será a primeira tuna de feição universitária (a actual TUP é fundada em 1890, mas ainda não havia Universidade no Porto)

Já antes tínhamos colocado uma pergunta mais simples e genérica, "O que são Tunas?", com os mesmos resultados medíocres e erróneos.


Tendo em conta que a maioria dos livros mais recentes e credíveis estão em “Open Space”, nomeadamente nos livros da Google, no Academia.edu ou no Issu.com (entre outros), não se percebe a “inteligência” desta IA que parece o paradigma da preguiça e ineficiência.

Esqueçam o ChatGPT e quejandos! 

Na hora de fazerem trabalho científicos para a escola/faculdade, esqueçam a inteligência que não seja a inteligência natural, a inteligência humana optimizada pelo estudo e leitura, pelo espírito crítico e empirismo isento.

Lembrem-se: mesmo depois da chegada do aspirador, a vassoura continua por cá e é muito mais utilizada e fiável.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Centenário da Tuna Musical de Santa Marinha (V.N. de Gaia) 1924-2024

Mais uma efeméride em destaque, desta feita com o centenário da Tuna Musical de Santa Marinha (Vila Nova de Gaia).

Outra tuna centenária com actividade ininterrupta a merecer palmas e parabéns!






sábado, 24 de agosto de 2024

Boas-vindas para inglês ver.

 É cíclico que, mal saiam as colocações para o Ensino Superior, as tunas comecem logo a animar as suas páginas de Facebook com boas-vindas aos novos alunos.

É uma forma de dar vida às suas páginas latentes, mesmo se, na prática, é dar tiros de pólvora seca, sejamos honestos.

Acham mesmo que os alunos recém colocados vão ver a página de FB da tuna da sua instituição nesta altura? A maioria nem depois de inscritos!


quarta-feira, 26 de junho de 2024

Centenário da Tuna Musical da Anta (Espinho) 1924-2024

 Merece destaque esta tuna agora centenária. 

Portugal é o país onde mais tunas centenárias existem e onde encontramos os exemplares mais antigos com actividade continuada no mundo, sejam grupos civis ou estudantis (e sejam de liceu ou universitárias). Um museu vivo da arte tunantesca.
Parabéns à Tuna da Anta pelo seu 100º aniversário!



terça-feira, 30 de abril de 2024

Tuna Académica do Liceu Paulo Dias Novais (Angola) - Um disco com 50 anos.

 50 anos tem este disco, de cuja tuna, pertencente ao grupo de teatro do Liceu Paulo Dias Novais (Luanda - Angola), nada se sabe mais, à data.




Este e outros discos (bem como K7, CD e DVD) podem ser consultados no Museu Fonográfico Tuneril (ver  o separador "Albúns).

domingo, 28 de abril de 2024

Aos 25 Anos da Tuna Veterana do Porto

 Dia de festa e de festa rija!

São 25 anos da mais antiga tuna de veteranos em Portugal.

Fundada a 8 de Janeiro de 1999, a Tuna Veterana do Porto surgiu por vontade de antigos tunos integrantes da Tuna Universitária do Porto que integraram o Orfeão Universitário do Porto[1].

Só agora evocamos esta jubilosa efeméride, pois a TVP decidiu assinalar o seu aniversário apenas em Abril, com um espectáculo comemorativo no auditório Horácio Marçal[2].



Recordemos que é a estes jovens cinquentões e sessentões[3] que devemos uma das mais belas páginas da história da Tuna portuguesa contemporânea, já que a eles devemos o ressurgimento das tunas no Porto e o 1.º Festival de Tunas Universitárias em Portugal, quando militavam, na altura, na Tuna Universitária do Porto.

São um património vivo da tradição com quem, rapidamente, entre 2 copos e dois dedos de conversa, somos transportados para as “Ondas do Douro”, para o disco “Acordes, harpejos... tainadas e beijos” (1991), para o 1.º certame ganho por uma tuna lusa em Espanha, para o I Conclave Tvnae[4], para o Cibertunas[5], ou para o inolvidável programa/concurso Efe-Erre-Á (na RTP)… e para tantas histórias que protagonizaram e que polvilham a nossa memória colectiva (pelo menos nós, os mais velhos).

Estes garbosos moços, cuja idade é currículo, continuam a mostrar-nos que “velhos são os trapos” e a encantar-nos com a sua mestria artística, porque quem sabe não esquece e tudo se aprimora ao longo deste anos de maturação, para nos prendar com o deleitoso vintage que é a Tuna Veterana do Porto.


Sou suspeito, bem sei porque tenho lá amigos, mas apenas sublinho o óbvio, o factual, o que salta à vista de todos: estamos perante um grupo que espalha emoção, que nos faz vibrar e que merece que se lhe tire o chapéu por tudo quanto representam e são para os que gostam de tunas, de boas e respeitáveis tunas.

À Tuna Veterana do Porto um grande bem-haja, a minha fraterna estima e  um sentido abraço de parabéns por estes 25 anos a brilhar.

Nota: imagens do artigo actualizadas em Novembro 2024.



[1] Orfeão Universitário do Porto: Agremiação sócio-cultural, centenária, integrada por alunos de todas as faculdades (cursos) da Universidade do Porto. No seu seio acolhe: música Coral (clássica e popular), Etnografia (danças e cantares) e Música de cariz académico (Fado e Tuna).

[2] Na Junta de Freguesia de Paranhos.

[3] Também com trintões e quarentões, naturalmente, que entretanto vão ingressando, depois de deixarem a TUP/OUP.

[4] Bem como o 2.º.

[5] A 2.ª edição contou com 52 Tunas, que se traduziu em cerca de 530 tunos, reunidos num palco gigante na Praia da Madalena.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Estudantina Madrilena em Lisboa - Há 100 anos.

 Efeméride histórica sobre a presença, faz hoje 100 anos, da Estudantina Madrilena em Lisboa.


Ilustração Portuguesa, N.º 942, de 08 de Março de 1924, p. 306.

Ilustração Portuguesa, N.º 942, de 08 de Março de 1924, p. 336.

Ilustração Portuguesa, N.º 942, de 08 de Março de 1924, p. 373.

Ilustração Portuguesa, N.º 942, de 08 de Março de 1924, pp. 374-375.

Arquivo Nacional - PT-TT-EPJS-SF-008-00083_m0001


sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

20 Anos de Tuna de Veteranos em Viana (2003-2023)

  Hoje é dia de falar de uma das mais antigas Tunas de Veteranos/Quarentunas portuguesas, a Tuna de Veteranos de Viana do Castelo, celebrando a efeméride do seu 20.º aniversário.

Há já muito que não escrevia sobre Tunas de Veteranos/Quarentunas, sendo este o meu 3.º artigo sobre o tema, datando o primeiro de 2007. Parece-me que as duas décadas de existências deste grupo justifica-o plenamente. Faço-o apenas agora, depois dos festejos oficiais já realizados, tomando como referência o aniversário da sua primeira actuação (o que, assim, faz festa a dobrar).

Fundada 2003, e com a sua primeira actuação em Fevereiro de 2004, a Tuna de Veteranos de Viana do Castelo reúne antigos tunos de diversas academias (Univ. do Minho, Univ. Fernando Pessoa, Univ. Católica Portuguesa, Fac. Engenharia do Porto, Univ. Lusíada, Univ. Coimbra, Inst. Politécnio de Viana do Castelo…) que quiseram continuar a viver a res tunae mais de acordo com a sua nova situação pessoal e profissional, mais ao ritmo dos seus componentes, numa soma de sinergias e experiência que só a veterania possibilita.



Reconheço que, quando este grupo surgiu, algumas reticências se me colocaram (e mantenho), e sobre isso escrevi em 2009 (e falei, no VI ENT de Castelo Branco), quanto a esta ideia de jovens adultos mal saídos da suas tunas de origem (na altura fora assim), se averbarem o estatuto de “veterano”, sobretudo quando essa designação, no meio tuneril, se quer equivalente a “quarentuna”.  Mas adiante.

Que dizer sobre este garboso conjunto de talentos?

Da minha parte, a firme convicção que estamos perante uma soma de talentos invulgar e a mais activa tuna do género em Portugal. Uma tuna que integra a Federación Internacional de Cuarentunas, bem como o circuito português de tunas deste tipo[1], e tem mostrado uma vitalidade ímpar. Não os conhecendo pessoalmente, é daqueles grupos que parecem adentrar-nos casa adentro e fazer festa connosco, como se fôssemos amigos de longa data. É o que sinto, sempre que os vejo em streaming ou vejo as suas publicações nas redes sociais.

Poderia tratar-se de uma tuna de “vencidos da vida” a “tocar umas coisas”, mas revelam um cuidado, rigor, empenho, jovialidade, alegria e qualidade que são invulgares mesmo em grupos estudantis (estando acima da maioria deles, até). Seria de esperar um grupo mais modesto em termos de aposta musical (arranjos instrumentais e vocais, grau de dificuldade…), tendo em conta que já não andam naquela cega corrida aos prémios, contudo é daqueles grupos que dá enorme gosto ver e ouvir, porque não são mais do mesmo. Até no que concerne à forma como tratam os temas do nossos folclore, mostram que são sérios, não folclorizando nem se desleixando na exigência.

 


Reconheço ser erro meu nunca ter privado de perto com este grupo, mas acredito que haverá maré para tal; um grupo que, mais do que embaixada do Alto Minho, é representante aquilatada da Tuna Portuguesa, do seu legado, da sua idiossincrasia e da sua incomparável e genuína riqueza e diversidade. 

Para já, um enorme bem-haja pelo que têm feito, e continuam a fazer, em prol da comunidade, cultura e fenómeno tuneril português.

 

Parabéns!



[1] Que inclui a Tuna Veterana do Porto (1999, a mais antiga, em Portugal), a Tuna Veterana da Univ. Portucalense (2008), Quarentuna de Coimbra (2009) e Tuna Veterana de Aveiro (2014?).

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O Ano Tuneril de 2023

Falar de 2023 em termos tunantes é, uma vez mais e grosso modo, “vira o disco e toca o mesmo”, tendo em conta que a esmagadora maioria da actividade registada se resume a festivais e a “dar de comer” às respetivas páginas virtuais.

Ainda assim, houve algumas novidades e efemérides que merecem destaque e constituem, portanto, uma pedrada no “mais do mesmo” a que parece votada  uma comunidade que pouco ou nada aprendeu/aproveitou da experiência da pandemia, tão pouco habituada está a pensar e a  pensar-se em rede[1].

Eis alguns desses momentos:

O grande destaque é necessariamente dado ao 20.º aniversário do PortugalTunas, o qual estreou um novo layout e comemorou essa data, em Fevereiro, com um animado jantar em Braga.

Nesse mês, ainda, uma nota pata a Tuna Mouronhense que lança o seu CD Viva Mouronho.

Em Março, é lançado o livro A Estudiantina Fígaro em Portugal (1878) e no Brasil (1885 e 1888), um obra de investigação, de acesso gratuito, com dezenas de imagens e mais de 100 páginas que nos contam a fundação e estreia da Estudiantina Fígaro em Portugal e as suas visitas, anos mais tarde, ao Brasil.


No final do mês realizaram-se as  JiT’s 23 (III Jornadas  Internacionais de Tunas), em Bragança, iniciativa bem intencionada, mas que, e apesar (este ano) da presença de um ou outro investigador de renome, continuou órfã dos necessários critérios de rigor científico, tema sobre o qual já
aqui falámos perdendo em credibilidade.

Em Junho, estreia-se a Tuna Antiga Vimaranense, durante o II Encontro Ibero-Americano de Tunas Académicas.

Em Setembro, tiveram lugar, em Guimarães, as Jornadas Culturais integradas na II Convenção Mundial TUDI, iniciativa meritória, mais pelo convívio proporcionado do que pelo sumo das tertúlias organizadas.

Em final de Outubro, cumpriram-se 20 anos sobre a realização do I ENT (Encontro Nacional de Tunantes - como era então designado), realizado em Évora, com organização da TAUÉ. Uma iniciativa cuja última edição remonta a 2013 (há 10 anos, portanto), quando teve lugar em Vila Real, e que deixa a preocupante e cada vez mais certeza do alheamento e um certo acomodar à mediocridade da iliteracia tuneril.

Em Novembro, a TUNAFE - Tuna Feminina de Engenharia da Universidade do Porto lança o seu 3.º disco, As Muitas Que Sou.

Em Dezembro, para além das novas entradas no MFT (Museu Fonográfico Tuneril) assinalou-se o 30.º aniversário a TAUA - Tuna Académica da Universidade dos Açores, a qual lançou um livro evocativo da sua história.

Também nesse mês a Estudantina Académica de Castelo Branco lançava, no spotify, o seu albúm “FITU, sendo de registar não existir, infelizmente, uma versão física em CD.

Ainda uma nota à participação de diversas tunas no programa "Estrelas ao Sábado", na RTP1, e que mereceria alguma reflexão, face à medíocre qualidade que por lá se tem visto.

Anda a dança ao sabor de quem toca e a cigarra segue feliz.

Bom ano de 2024!

 



[1] A pouca participação no grupo de FB Tunas&Tunos ou a incapacidade de dar relevo à organização de um novo ENT (Encontro Nacional de Tunos) é disso um sintoma claro.



domingo, 30 de julho de 2023

Falta de rigor em trabalhos académicos, nas Jornadas sobre Tunas.

Voltamos, porque não podia ser de outra forma, a falar da falta de rigor e do facilitismo com que se publicam conteúdos sob a capa de trabalhos científicos.

Já tínhamos alertado para o facto, no ano passado, mas parece que tal reparo foi olimpicamente ignorado, o que que não abona em favor da organização das JiT’s 23 (III Jornadas  Internacionais de Tunas), realizadas entre 24 e 26 de Março passado, e muito menos da Instituição que, de certa forma, as “patrocina”.


Apesar de se reconhecer a enorme vitalidade da tuna organizadora, honra lhe seja feita, parece por demais evidente que não basta convidar alguns entendidos de renome (Rui Marques e José Carlos Belmonte Trujillo à cabeça), para dar chancela de qualidade a um evento, se, em quase tudo o resto, quem intervém pouco ou nada "pesca" do assunto tratado (com o beneplácito do “comité científico”[1]).

Já é possível aceder às apresentações  no Youtube (nomeadamente nas "Comunicações por Poster" AQUI), bem como complementar com o documento de resumos[2], o que permite desde logo ficarmos com a clara ideia da intervenção de alguns painéis, alguns dos quais aqui vamos, sucintamente, analisar (a partir do documento existente na Net e dos vídeos no Youtube), sublinhando a importância das notas de rodapé nessa análise.



1- Começamos pelo painel/poster apelidado de “Adaptação da música tradicional transmontana para o contexto de [das] tunas”.



Começa logo mal ao caracterizar a Tuna como um estilo musical. Além de ser uma heresia científica (devem bradar aos céus os musicólogos e etnomusicólogos), é uma afirmação que não encontra suporte em nenhum estudo.

Tuna é uma tipologia orquestral definida em função dos instrumentos utilizados, pertencendo à grande família das orquestras de plectro.

Não sendo um estilo musical, também não existe “música de Tuna”, mas uma sonoridade própria, decorrente quer do leque instrumental usado quer de uma tradição existente no meio tunante que cultiva mais certos géneros musicais em detrimento de outros (mas sem fronteiras dogmáticas)[3].

Com efeito, e são informações públicas e acessíveis na Web, Tuna é uma tipologia orquestral definida pelo leque dos instrumentos que a compõem, dentro daquilo a que se designam de orquestras de plectro, e não em função da música tocada[4].

Depois, essa afirmação tão incauta de caracterizar as Tunas como grupos que tocam canções populares de inspiração dos cancioneiros regionais, do fado e (mais recentemente) da música contemporânea.

É uma afirmação redutora e que evidencia aquilo a que se chama “falar de cor”. É que nem sequer balizam a cronologia a que se reportam.

A Tuna/Estudantina, desde o séc. XIX, toca o que está na moda, sendo que durante bem um século, é a música erudita (música clássica, excertos de ópera...), polkas, habaneras, mazurcas, jotas, “aires populares”... e composições próprias, que são o centro do repertório, numa configuração quase exclusivamente instrumental[5]

Na nossa época tuneril contemporânea, há música popular de cancioneiros regionais? Há, especialmente nas Tunas populares, mas muito menos presentes nas Tunas académicas. Há fado? Há, mas também em proporções limitadas (com mais enfoque em algumas, poucas, Tunas, como a TUIST, no virar do séc. XX para o XXI). Há música contemporânea? Há, mas conviria precisar exactamente de que se está a falar.

O que foi omitido foi o grande mergulho na denominada música ligeira portuguesa, a par da importação de temas latino-americanos[6].

Não basta citar a obra QVID TVNAE na bibliografia, quando é para tecer considerações que a própria obra não permite (ou não foi lida ou não foi devidamente compreendida), pelo que sugerimos a (re)leitura das páginas 249-259 e 301-306.

Depois apenas algumas inconsistências, quando se refere que se pode adaptar uma música sobre a vida no campo e colocá-la a versar sobre a experiência de estudar numa universidade, dando como exemplo o “Sempre Bragança” e “Coração de Estudante”, apresentados como originais da RaussTuna. Se é uma adaptação, como pode ser dado como sendo um tema original?

Por fim, afirma-se que uma das formas de preservar e divulgar a música tradicional transmontana pode passar por introduzir novos elementos e estilos, mantendo a sua essência original. Ora não se percebe esta confusão, pois se são introduzidos novos elementos e estilos, como é que isso é preservar um tema tradicional? Não é preciso ser musicólogo para perceber a incoerência do que é afirmado.

 

2- O painel/poster seguinte é denominado de “As Tunas Portuguesas e Sul Americanas: aspetos culturais diferenciadores”.

Aqui não se percebe a afirmação de incluir o Canadá como um dos países com maior tradição tuneril, pois, na verdade, e sobretudo em termos escolares, não possui tradição alguma[7].

Aliás, também é de questionar a inserção do Peru na lista (com quase nenhuma tradição, face a muitas outras de esse continente), em detrimento, por exemplo, da Colômbia. Mas lá está, quando se fala de cor e daquilo que não se domina….

Mas o que é verdadeiramente inaudito é a pretensão do título do painel, pois pegar em 2 tunas (uma portuguesa e outra do Peru), pode até ser interessante para estabelecer diferenças e similitudes entre essas duas, mas nunca para passar a ideia que serve para estabelecer aspectos culturais diferenciadores entre tunas portuguesas e tunas sul-americanas. O título do painel é, pois, enganador, e nem mesmo no conteúdo específico cumpre, já que, até na realidade peruana, há aspectos que nem sequer foram referidos[8]. Não é, aliás, a primeira vez que, neste tipo de jornadas, são apresentados painéis a procurar caracterizar a Tuna como fenómeno, partindo apenas do exemplo de uma tuna (e sempre a da casa, note-se).

Para quem pretende que um evento deste tipo se revista de cariz académico-científico, deixa muito a desejar a falta de rigor dos intervenientes deste tipo de painéis e a “metodologia científica” utilizada, sendo que não passa despercebida a ausência de bibliografia e fontes credíveis.

Afinal existia um júri e um "comité científico" para quê?

 3- O painel seguinte tem por título “Tuna Porquê? A origem do nome Tuna!”.

 

É uma salganhada completa.

Nota-se uma tentativa de resumir o que está na obra QVID TVNAE (pp. 65-84), mas lacónica ao não conseguir explicar que há teorias totalmente descabidas e que apenas uma tem suporte filológico, linguístico e histórico (Thune mas sem explicar o fio condutor para chegar a Tuna). Chega, até, a citar mal Bluteau, no seu Vocabulario Portuguez e Latino, pois nesse dicionário não existe nenhum termo “correr la tuna”, mas apenas “Tuna” (com o significado de andar à tuna, andar manganeando, manganear, tonante)[9]. Aliás, não apenas faz erradamente essa referência como cita esse dicionário, na bibliografia, de forma incompleta (o que deixa claramente perceber que não foi lido, apesar de se incluir para parecer bonito)[10].

Algo bem feito começaria desde logo por tentar explicar que o termo Tuna é repescado em finais do séc. XIX, para denominar as estudiantinas compostas exclusivamente por estudantes (algo que, como sabemos, acabou por não resultar e ser igualmente adoptado pelas estudantinas civis).

Teria sido pertinente explicar que o termo Tuna não é do foro exclusivamente escolar e que a sua escolha teve como intuito não apenas distinguir estudantinas escolares das demais, como colar à Tuna um pedigree de qualidades romanceadas, essas sim, ligadas ao “correr la tuna” (correr atrás de esmola), de forma a vincar ainda mais a diferença dos grupos estudantis (que, na verdade, em nada se assemelhavam, no modus vivendi/procendi, aos que “corriam a tuna”).

As Tunas não têm origem nem filiação histórica na palavra Tuna nem no “correr la tuna”, mas nas estudiantinas[11]. Pegaram numa designação que ainda povoava o imaginário popular (onde a figura do estudante, pelo seu prestígio e foro próprio, assomava acima dos demais pícaros e desgraçados que andavam à cata de esmola), para "re-baptizar as suas estudiantinas.

A busca desenfreada por procurar tunas, como grupos musicais, na literatura de antanho, partiu da premissa errada de que havia de factos tunas antes do século XIX, no fundo como quem procura encontrar um automóvel no séc. XIII, considerando válido encontrar-se carroças puxada por bois como antepassado de uma viatura movida autonomamente (a vapor, primeiro, e com motor a combustão, depois). 

O que se passou, sobretudo por influência do regime franquista, em Espanha, foi a imposição de uma narrativa brasonada, para conferir antiguidade a uma das formas culturais (a par com o folclore) que a ditadura queria que servisse de propaganda pró-regime (e quanto mais antiga, mais respeitável). A ideia dos tunos em peditórios de rua (o “parche”) ou cultivando ideias romanceadas da hidalga e romântica Espanha de capa e espada, favoreceu a criação de mitos, como os dos 8 séculos de tradição[12].

 

 4- O painel/poster que se segue apresenta-se com o título “A Importância e imagem das tunas na comunidade do IPB”.

 


Sobre o tema em si, nada temos a apontar, pois é uma realidade que certamente quem tratou do tema conhece bem melhor que nós.

O que aqui se aponta é apenas o descarado plágio à obra QVID TVNAE (p.84).

Não basta colocar a obra na bibliografia, quando o que temos pela frente é uma transcrição directa, sem começar, por exemplo, “segundo/de acordo com QVID TVUNAE….” ou algo do género, e colocando o excerto entre aspas (como mandam as mais elementares regras).

Estamos a falar de alunos universitários, caneco! É uma falha que nem a alunos mais pequenos se admite, quanto mais a quem cursa o ensino superior.

Onde estava o dito júri, o "comité científico" ou a organização, ao permitirem a publicação nestes termos?

 

5- Segue-se o painel/poster chamado “A Integração das tunas no tecido institucional e socia das regiões”.


 Um tema pertinente onde quem assina este painel começa por afirmar que a integração das Tunas nas regiões e localidades tem sido um processo gradual. Ainda neste tema (e cujas partes em análise estão a laranja), traçam por objectivo o de enumerar alguns desafios que se colocam a essa integração, pegando numa tuna, a RaussTuna, como exemplo para demonstrar que os resultados obtidos permitem concluir que as Tunas têm adquirido maior conhecimento e aceitação a nível social e se regista um aumento do interesse da população pelas tradições e cultura portuguesas.

Uma vez mais, estamos aqui perante algo inconsistente. Então, pega-se numa tuna e generaliza-se o seu contexto ao resto do país? Nem que pegassem numa tuna com 30 anos conseguiriam essa transposição, quanto mais!

Mais uma vez o erro já apontado no passado: pretender caracterizar a Tuna a partir de um exemplo local.

Nenhum académico no seu juízo perfeito, nem qualquer pessoa com dois pingos de senso, pode dar crédito e este tipo de metodologia primária e conclusões enviesadas daí decorrentes.

A economia intelectual dá nisto.

Que se queira tirar conclusões de um estudo local, para caracterizar um objecto concreto de esse mesmo contexto geográfico, muito bem. Que se tenha a presunção de dar a conhecer a Tuna portuguesa a partir de um exemplo apenas, num universo actual de cerca de 300 tunas académicas e quase uma centena de civis[13]…… a sério, isto só a brincar!

Já agora, até mesmo as conclusões são altamente questionáveis sobre a dita aceitação das Tunas. Quem viveu e conheceu o fenómeno, e o tem acompanhado, diria até o contrário, face ao que foi a preponderância social da Tuna nos ano 90 do séc. XX[14] (para não falar no 1.º boom de tunas do virar do séc. XIX para o XX), mas que foi perdendo nos anos seguintes.

O outro ponto em questão, assinalado a vermelho, prende-se com esta afirmação de que as Tunas surgiram como grupos de estudantes universitários que se reuniram para tocar música tradicional portuguesa e outros originais das mesmas.

Bem… a primeira coisa que nos merece perguntar é como é que, sendo quase todos (senão todos) os palestrantes (autores destes painéis que aqui analisamos) elementos da mesma academia tunante, surgem definições tão díspares sobre o que é uma Tuna e quais as suas origens históricas? O "comité científico" estava a dormir, ao aceitar formulações científicas diferentes, sobre algo que não é passível de tal, num mesmo evento em que, supostamente, deve analisar com rigor o que dele vai ser publicado?

Com que então as Tunas surgiram como grupos de estudantes universitários!?

Não, isso é absolutamente falso!

Desde logo, tudo começa nas estudiantinas, um dos vários tipos de comparsas que se constituíam para as festas de máscaras, e apenas no foro civil (só mais tarde os estudantes aderem)[15]. Depois, nem sequer eram exclusivamente universitários (como nunca foram – nem sequer quando passam essas estudantinas a chamar-se de Tuna). Em Portugal, as primeiras Estudantinas e as primeiras Tunas nem sequer são universitárias, nem sequer escolares.

E quando aparecem não é a tocar música tradicional portuguesa (nem sequer as tunas populares).

A única coisa que se "safa" na frase é a parte em que se fala em originais feitas pelas próprias (neste caso pelos maestros das mesmas, havia que precisar).

Lamentável que este tipo de afirmações apareça ainda em trabalhos académicos (só isso levaria qualquer professor a dar zero sem ler o resto), sobretudo quando, no ano passado, nessas mesmas jornadas foi, por nós, apresentada uma comunicação sobre o tema[16].

Parece que, de umas jornadas para outras (ou dentro da mesma), é aceitável que uns defendam cientificamente que a terra é redonda e, depois, outras defendam que é plana, e outros, ainda, que é semi-redonda, com igual "laissez faire, laissez passer".

Para um evento que se propõe a ser "científico", algo ficou pelo caminho.

 

 6- O painel/poster seguinte versa sobre “Música Tunae: o que a caracteriza

 

Tal como referimos no painel n.º 3, não existe música de Tuna. Existe sim, sonoridade própria à Tuna, em função do leque que a define enquanto orquestra de plectro[17].

Mas o que se torna grave é a afirmação de que se pode estabelecer relação entre a música de Tuna e a música folclórica que se originou nas Universidades de Salamanca e Alcalá de Henares.

Qualquer musicólogo ou etnomusicólogo ficaria com suores frios só de ler esta heresia.

Música folclórica com origem na Universidade?

Sabem os autores desta barbaridade que se há figura ausente do folclore e etnografia é precisamente a figura do estudante?[18]

Não, meus caros, não apenas não há relação nenhuma com o repertório usado pelas estudantinas/tunas de antanho como não assenta no folclore, e muito menos em suposta música feita em universidades.

Fica a curiosidade em saber de onde vem a referência a Alcalá de Henares, quando as primeiras estudantinas/tunas a surgir em Espanha nem sequer aí se encontram.

Portanto, afirmar que as músicas têm por base progressões de acordes utilizados no folclore tradicional é uma aberração absoluta.

Do mesmo modo que pretender que há ligação a “vilancicos” é mesmo de quem fala sem saber, sem nenhum suporte que o corrobore (com efeito, é mais um painel sem qualquer referência a fontes bibliográficas).

Dizer que o estilo evoluiu para reflectir a cultura e tradições únicas dos estudantes universitários é outra “broma” sem nexo, até face o que se conhece do repertório executado ao longo de mais de um século; e nem mesmo na actualidade se pode fazer tão peremptória afirmação, já que mesmo os temas cuja letra versa a vida estudantil (que aparecem sobretudo a partir dos anos 1960, em Espanha, e dos anos 1980, em Portugal), não são maioritários e não possuem nenhum estilo musical próprio (são marchas, valsas…).

Outra falácia é afirmar-se que as tonalidades mais usadas nas Tunas são Dó, Ré e Lam. Foram estudados e analisados todos os temas tocados pelas Tunas, desde há mais de um século (ou mesmo só nos últimos 40 anos), para se chegar a tão catedrática certeza? Obviamente que não! Pode até ser verdade (pelo menos desde o “boom” do séc. XX, a nível universitário), mas carece de prova. O “penso que” e o “achismo” não podem caber num trabalho académico e muito menos pegar numa pequena amostra para generalizar (pecado recorrente nas comunicações por painel, em todas as edições destas jornadas).

Estranha-se a alusão a baladas de despedida como correntes no repertório das Tunas, o que não corresponde, de todo, aos factos.

Muita verborreia, mas nenhuma substância, com a complacência do júri e do "comité científico".

 

7- Vamos ao último painel/poster em análise, sob  o título de “Das arruadas pelas vielas até aos grandes palcos”.

 


Começa mal, muito mal.

Com que propriedade os autores afirmam que o conceito de Tuna evoluiu ao longo das décadas? Com base em quê, com que suporte bibliográfico ou fontes credíveis? Nenhuma, está visto, até porque nem sequer apresenta qualquer referência bibliográfica.

Continuamos, portanto, na lógica do “acho que”. Espera-se que sejam mais prudentes e rigorosos quando subscreverem trabalhos para as cadeiras que cursam, porque duvido que qualquer docente aceitasse tal.

Dizem os autores deste painel que o conceito de Tuna evoluiu e se fixou, nos anos 1980, como um grupo musical composto por estudantes universitários.

Desde logo, nem mesmo os dicionários correntes sustêm tal afirmação e, depois, bem gostaríamos de saber como chegaram a essa definição. É que nem sequer explicam a diferença entre definição e conceito.

Nada há, portanto, que suporte documentalmente a ideia de que conceito de Tuna/Estudantina mudou. 

O que houve, sabemos, foi uma apreensão diferenciada do que era uma Tuna, em função das narrativas franquistas que defendiam Tuna como grupo de cariz iniciático, composto de varões universitários (noção que ainda alguns ignaros defendem em Espanha). O que houve, por exemplo, em muitos países da América latina, onde o termo Tuna só chega nos anos 1960(antes só havia estudiantinas), por via de Tunas espanholas, foi a ideia que esse termo era exclusivo de universitários homens, pelo que todos os demais grupos deviam ter outra designação (contágio da narrativa promovida fortemente no tempo do S.E.U.).

Significa isso que o significado musicológico de Tuna se alterou? Não.

Como os autores não explicam isso de “evolução do conceito”… ficamos em águas de bacalhau.

Depois, essa coisa genial de afirmar que a pesquisa feita em periódicos e arquivos permitiu identificar dezenas de tunas fundadas entre finais do séc. XIX e meados do séc. XX. Pesquisa feita por quem? Não foram certamente os autores do painel! E como não foram, seria de esperar mais honestidade intelectual, introduzindo nota de rodapé com as respectivas referências bibliográficas.

Uma vez mais, nem sequer bibliografia apresentam.

É fácil parecer grande aos ombros de outrem!

E temos novamente de fazer vincado reparo ao plágio!

É que, desta vez, nem sequer a obra plagiada aparece referida na bibliografia (inexistente neste painel), ou seja o QVID TVNAE (pp. 273-274).

Partes extraídas tal qual, sem aspas, sem remeter para o original de onde se copiou, sendo o resto um “dizer por outras palavras” aquilo que consta de essa obra.

Em estudantes universitários é simplesmente inadmissível, passível, até, de queixa criminal por usurpação de direitos de autor.

Sim, porque ao não referir a fonte devidamente, é como se o conteúdo fosse da lavra dos autores deste painel! Autores que, depois, têm a distincta lata de fazer afirmações destas, e passamos a citar: “As tunas documentadas neste estudo…” e  Na verdade, e como no decorrer desta investigação será desenvolvido…”.

Mas qual investigação? Plagiar e aproveitar-se do trabalho alheio para reivindicar autoria? Isso é não apenas ridículo como vergonhoso!

Onde estava a organização, o júri e o "comité científico" na hora de verificar algo tão óbvio?


Haveria mais a dissecar, mas ficamo-nos por aqui.

 

Conclusão

 

Ver um documento destes produzido por quem pretende realizar Jornadas sobre Tuna, revestidas de carácter científico-académico e, ainda por cima, abrigado no site de uma instituição de Ensino Superior, deveria fazer corar de vergonha qualquer um. E se o que consta do documento é já uma escolha dos melhores painéis/posters ..... nem queremos imaginar o que ficou de fora.

Já tínhamos feito um leve reparo no ano passado, mas parece que ou foi ignorado ou não chegou ao conhecimento (o que é estranho, pois foi até partilhado no grupo de FB “Tunos e Tunas[19]).

Fica esta chamada de atenção mais veemente, de modo a que a organização possa rectificar a metodologia e primar para que os trabalhos se revistam de rigor e sejam, antecipadamente, filtrados por quem tenha dois pingos de competência e conhecimento do assunto. Ter um grupos de jurados e um "comité científico" a apreciar estas comunicações, para depois sair isto... é algo simplesmente inconcebível.

Retirar todos os documentos produzidos pela JiT, e alojados no site do IPB, deveria ser o primeiro passo, pois não abona a favor de quem produziu e quem aceitou tal.

Só assim se credibilizam jornadas sobre Tunas e quem nelas participa[20].

Aqui se deixa o link para bibliografia de referência sobre Tunas, de modo a que os futuros intervenientes de painéis, possam, com tempo, preparar-se.




[1] Não basta alinhar professores doutorados que, no que concerne ao âmbito tunante, nem primária têm ou que não exercem verdadeiramente filtro às comunicações. Do mesmo modo, ser licenciado, mestrado ou doutorado em áreas alheias ao tema Tuna não pode servir de CV a apresentar como palestrante. Ou tem obra que credibilize ou a apresentação de tal CV não serve para coisa nenhuma.

[2] e cujo programa se pode ver AQUI.

[3] O tema foi debatido no IV ENT de Viseu, em 2006, por Eduardo Coelho (Tuna Universitária do Porto – Antigo Magister), António Vicente (Estudantina Univ. de Coimbra – Fundador), Mário Fernandes (Tuna Instituto Superior Técnico de Lisboa) e Pedro M. Santos (Estudantina Univ. de Lisboa).

[4] SILVA, Jean-Pierre - A França das Estudiantinas - Francofonia de um fenómeno nos séc. XIX e XX. CoSaGaPe, Lisboa, 2019, p. 29-71 / TRUJILLO, José Carlos Belmonte - Los Sones de la Estudiantina. Cáceres, 2022.

[5] MARCELINO, Héctor Valle - Evolución del repertorio de las Estudiantinas gaditanas. Tvnae Mvndi, 2016;  Los Discos de Tuna de los años 30. Legajos de Tuna N.º 2, Diciembre 2017. / SÁRRAGA, Félix O - Géneros musicales interpretados por las Estudiantinas y Tunas (siglo XIX a 1958). Tvnae Mvndi, 2017 / ALCALÁ, José Emilio Oliva – Los primeiros vinilos de Tuna. Legajos de Tuna N.º 1, Junio 2017 / TRUJILLO, José Carlos Belmonte - Evolución organológica y de repertorio en la Estudiantina o Tuna en España desde el fin de la Guerra Civil española. La influencia de 'uda y vuelta' entre España y Latinoamérica - Tese de Doutoramento na Universidade da Extremadura, 2015 / RENDÓN MARIN, Hector – De liras a cuerdas. Una historia social de la música através de las estudiantinas, 1940 1980. Medellín: Universidad Nacional de Colombia, 2009 / ASENCIO GONZÁLEZ, Rafael - Las Estudiantinas del Antiguo Carnaval Alicantino - Origen, contenido lírico y actividad benéfica (1860-1936). Cátedra Arzobispo Loazes, Universidad de Alicante, 2013 / MARQUES, Rui Filipe Duarte - TUNAS EM PORTUGAL, ESPAÇOS DE CONSTRUÇÃO, NEGOCIAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DA MÚSICA. Um estudo sobre a Tuna Souselense. Universidade de Aveiro, 2019 / SARDINHA, José Alberto - Tunas do Marão. Tradisom, 2005 / SILVA, Jean-Pierre - A Estudiantina Fígaro em Portugal (1878) e no Brasil (1885 e 1888). CoSaGaPe, Lisboa, 2023, pp. 113-116; A França das Estudiantinas - Francofonia de um fenómeno nos séc. XIX e XX. CoSaGaPe, Lisboa, 2019, pp. 72-82

[6] Uma visita ao MFT (Museu Fonográfico Tuneril) ajudaria, desde logo, a perceber o tipo de repertório das nossas Tunas Académicas, desde os anos 1960 em diante.

[7] Tem uma Tuna, a Luso-Can Tuna, fundada em 1998, e nada mais.

[8] Tal como pegar numa tuna portuguesa não serve como paradigma das tunas portuguesas, o mesmo se passa com utilizar um tuna peruana, na ingénua ideia de que  as tunas do Peru são todas iguais.

[10] E do mesmo modo omite a referência bibliográfica completa a Felipe Pedrell (1897), não indicando, igualmente, página ou edição.

[12] A mero título de exemplo, temos o caso de supostos dados que suportariam a tese da fundação da Tuna Universitária del Colegio Mayor San Bartolomé no séc. XIII, ou seja no século anterior à própria fundação desse mesmo colégio, provando-se como é fácil desmascarar mentiras, quando se quer trabalho rigoroso de investigação. Convida-se a ler: SÁRRAGA, Félix O. Martin - Mitos y evidencia histórica sobre las Tunas y Estudiantinas. TVNAE MVNDI, Cauces Editores. Lima, Perú, 2016.

[13] SILVA, Jean-Pierre - Quantas Tunas há em Portugal? Além Tunas, 2023.

[14] TAVARES, Ricardo - TUNA PORTUGAL 12 - O Efe-Erre-A e TUNA PORTUGAL 13 - A Tuna Estudantil, a Praxe e o Boom dos anos 80/90 do Séc.XX e  PortugalTunas TV, 2020.

[15] GONZÁLEZ, Rafael Asencio – El Origen de las Tunas y Estudiantinas – I Parte e II Parte ,2020 / SILVA, Jean-Pierre - De Estudiantinas a Tunas - origem, evolução e conceito. Além Tunas, 2021.

[16] SILVA, Jean-Pierre - À Descoberta da Tuna Portuguesa. AHT, 2022.

[17] Obviamente que falamos de cordofones plectrados, dedilhados e friccionados, a par de flautas leves e pandeireta. Só mais tarde, a partir, sensivelmente, de meados do séc. XX, entram em cena o bombo (e outras percussões ligeiras) e o acordeão, por influência dos grupos populares.

[18] Vd. Blogue Notas&Melodias.

[19] Post de 02 de Agosto de 2022.

[20] Declaração de interesses: participei nas II Jornadas (igualmente fraquinhas) e fui convidado para estas, de 2023; convite de declinei amavelmente.