O fenómeno
das estudantinas/tunas de cariz popular está, como as suas congéneres
estudantis, inserido no amplo fenómeno das orquestras de plectro que se
difundiram por toda a Europa e pelo mundo, a partir do primeiro quartel do séc.
XIX.
São, no
nosso país (pelo menos), o mais importante fenómeno de democratização da música
erudita e do acesso aos instrumentos antes reservados a bolsas mais fartas e a
quem tivesse sustento para estudar música.
A obra de referência sobre tunas populares |
Como refere
J. A. Sardinha (2005), citado em "Qvid Tunae?" (2011), «...estas formações foram porta de entrada de
repertório erudito na tradição oral popular portuguesa.»[1]
Não há como
negar a importância destas orquestras de plectro, de cariz popular, rural e
urbano, cuja existência se conta às centenas por todo o país (não havendo quase
aldeia ou vila que não tivesse a sua, chegando a haver tunas rivais numa mesma
aldeia) e que impulsionaram e representaram um movimento musical ímpar que nem
mesmo o fenómeno das filarmónicas terá suplantado.
E foi desse
processo de aculturação que se desenvolve aquilo a que se acabará por chamar de
"música popular" (tantas vezes, por ignorância, colocado no campo
oposto à música dita "erudita" ou "clássica"):
"Durante esse processo, estes
agrupamentos foram‑se metamorfoseando em, cruzando com, influenciando e sendo
influenciadas por grupos congéneres, como as tocatas dos ranchos folclóricos,
acolhendo no seu seio instrumentos estranhos ao modelo original, nomeadamente
as violas de arame[2],
cavaquinhos e guitarras portuguesas, e, bem assim, toda uma panóplia de
instrumentos de percussão regional – sarroncas, púcaros, bombos, tarolas,
tamboris, castanholas, adufes, reco‑recos, triângulos, etc.
Por outro lado, os bandolins
começaram a aparecer nas tocatas ao lado dos instrumentos tradicionais. A este
fenómeno de entrecruzamento não é alheio o facto de quase sempre os executantes
da tocata darem uma mãozinha à tuna, e vice‑versa. Assim, tanto o repertório
tradicional passou para as tunas como o contrário: os corridinhos começam a ser
tocados como «chotiças»[3]; as
chulas, como valsas; aparecem os «viras‑valseados», as contradanças e os
«balancés», as quadrilhas, os dobrados (pasodobles) e toda uma série de ritmos
«novos», que rapidamente ganham foro de «tradicionais» sendo incorporados no
fundo musical dito «popular». " [4]
Aqui se
deixam algumas imagens e fotos de tunas de cariz popular rural e urbano de
finais do séc. XIX e inícios do XX (sem repetir as que já publicadas no artigo
dedicado a pré-existências
populares).
Bilhete Postal - Tuna Comercial de Lisboa, 1903-04 Publicado na Ilustração Portuguesa Is25, p. 13, de 25 de Abril de 1904 e citado em Qvid Tvnae?, p. 208 |
Tuna Travanquense, fundada em finais do séc. XIX, aqui em 1909 (Publicado por João Duarte no blogue travancacomhistoria.blogspot.pt) |
Bilhete Postal - Tuna Comercial de Lisboa, ed. 1911 Foto publicada também no jornal O Século, de 14 de Outubro de 1906, p. 12, e em QVID TVNAE?, p. 209 |
Estudantina Nicolino Milano (disfarçados de tunos espanhóis) no Carnaval de Lisboa, Ilustração Portugueza, 1ª Ano, Nº 71, de 13 de Março de 1905, p. 294 (Hemeroteca Municipal de Lisboa). B |
Grupo Manuel Passos Freitas, Funchal (Madeira), 1918. (Acervo do Museu de Etnologia de Lisboa) |
Grupo musical de amadores apresenta em Cuba, Alentejo, uma tuna masculina de inspiração estudantil. (Ilustração Portuguesa n.º 698, de Julho de 1919, p. 15) |
Postal Ilustrado Nº 17- Serenata Thomarense, junto à porta do Convento de Cristo (Collecção da Havaneza de Thomar, ca. 1905) |
Tuna Amadores de Música Passos de Freitas, Illustração Portugueza, II Série, Nº 678, de 17 Fevereiro de 1919, p. 138 (Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
Tuna Associação de Empregados Comércio de Santarém, Illustração Portuguesa, II Série, Nº 414, de 26 Janeiro de 1914, p.127 (Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
Tuna Cartaxerse (Cartaxo), Illustração Portugueza, II Série, Nº 600, de 20 Agosto de 1917, p. 159 (Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
Tuna da Associação dos Caixeiros Leirienses, Ilustração Portugueza, 2ª série, Nº 907, de 07 Julho de 1923, p.12 (Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
Tuna de Alfaiates, durante a 1ª guerra mundial, ca. 1918 (In hblogue valadodosfradesfotos.blogspot) publicado em QVID TVNAE?, p. 241 |
Tuna de Aradas (Aveiro), ca. 1910 (Acervo de David Paiva Martins) |
Tuna de Bandolins da Casa do Povo da Camacha 1947 (In site bandolins-madeira.net) publicado em QVID TVNAE?, p. 242 |
Tuna de bandolins do Laranjal, Santo António do Funchal (Madeira), 1938 (Photographia – Museu Vicentes, in bandolins-madeira.net) |
Tuna de Benfica do Ribatejo, 1915 (in blogue benficadoribatejo.blogspot.pt) |
Tuna de Benfica do Ribatejo, ca 1920 (in blogue benficadoribatejo.blogspot.pt) |
Tuna de Empregados do Comércio de Beja, 1906 (Jornal O Século, 10 de Dezembro, p.5 - Arquivo Nacional Torre do Tombo) publicado em QVID TVNAE?, p. 240 |
Tuna Peroselo (Penafiel), ca. 1910 |
Tuna de Redondo, 1903 (Coleção particular Luís Mocho) |
Tuna do Atheneu Commercial de Lisboa, Ilustração Portugueza, II Ano, Nº 85, de 19 de Junho de 1905, p.523 (Hemeroteca Municipal de Lisboa). |
Tuna do Club Ginástico Portuguez do Rio de Janeiro, Illustração Portuguesa, II Série, Nº 429, de 11 Maio de 1914, p.598 (Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
Tuna dos Caixeiros de Guimarães, c. 1900 (Recolha de Manuel Soares) |
Tuna Empregados Comércio Penamacor (ca. 1919) |
Tuna Empregados de Comércio de Loanda, Illustração Portuguesa, II Série, Nº 445, de 31 Agosto de 1914, p.269 (Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
Tuna Louletana, Illustração Portuguesa, II Série, Nº 388, de 28 Julho de 1913, p.127 (Hemeroteca Municipal de Lisboa) |
Tuna Riomaiorense (Rio Maior), ca. 1920 (Fernando Duarte in "História de Rio Maior") |
Tuna Orfeão de Silvalde (São Tiago de Silvalde - Aveiro), ca. 1920 |
Troupe Freitas Gazul, 1893 (Revista - O António Maria Vol. IX, de 23Fevereiro) publicado em QVID TVNAE?, p. 205 |
Troupe Gounod, 1894 (O António Maria, 28 Dezembro, p.174) publicado em QVID TVNAE?, p. 205 |
Tuna do Ateneu Comercial, 1905, Someiro, Revista Occidente, Vol. 28, nº 960, p. 189 (Hemeroteca Municipal de Lisboa). publicado em QVID TVNAE?, p. 209 |
Tuna do Atheneu Comercial de Lisboa, 1906 (Brasil-Portugal - Lisboa - A. 8, vol. 8, nº 190, 16 Dez., p. 344) publicado em QVID TVNAE?, p. 210 |
Tuna Orquestra da União dos Empregados de Comércio do Porto, ca. 1912 (O Tripeiro nº 6, Ano XI de Outubro 1955 p. 172). |
Tuna Orquestra da União dos Empregados do Comércio do Porto, 1912 Illustração Portugueza Nº 330, 17 Junho, p. 785 (Hemeroteca Municipal de Lisboa) publicado em QVID TVNAE?, p. 226 |
Tuna de senhoras, 1907, com cliché de P. Marinho (Brasil-Portugal. - Lisboa. - A. 9, vol. 9, nº 194, 16 Fev., p. 28-29) publicado em QVID TVNAE?, p. 211 |
Investigação pessoal, 2016
[1] José Alberto Sardinha, em
entrevista a João Pedro Oliveira, DN
(12 de Setembro de 2005).
[2] Nas suas múltiplas designações
regionais: braguesas, amarantinas, campaniças, toeiras, beiroas, bandurras, da
terra, etc.
[3] Corruptela popular de schottische (escocesa).
[4] COELHO, Eduardo, SILVA, Jean-Pierre, TAVARES,
Ricardo, SOUSA João Paulo - QVID TVNAE?
A Tuna estudantil em Portugal - Euedito, 2011, pp.301-302.
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