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quarta-feira, 3 de junho de 2020

Traje de Caloiro - Quando a Praxe contaminou a Tuna.


Bem sabemos, já é chavão repetido, que, em idos do "boom" das tunas, na década de 80/90 do séc. XX, os protagonistas desse "boom" foram, grosso modo, os mesmos do reabilitar das tradições académicas, daí resultando uma contaminação total entre conceitos praxísticos e conceitos tuneris.

Hoje sabemos o quão caro se pagou, e ainda se vai pagando, em resultado dessa mistura explosiva (que, num primeiro tempo pode ter beneficiado ambos, mas, depois, prejudicou todos, especialmente a Tuna).

Hoje sabemos que Tuna e Praxe são coisas distintas.
Sabemos? Nem todos, infelizmente.
Ainda hoje temos questiúnculas originadas pela colisão dessas duas realidades.

Contudo, se muitos são aqueles que já separaram (q.b.) as águas - e é já comum as pessoas perceberem, mais ou menos, que há uma diferença de âmbito e "jurisdição" - a Tuna portuguesa ainda mantém no seu seio um traço praxístico (e exclusivamente praxístico) que nada tem a ver com tradição tuneril: o traje de caloiros da tuna.
Falo, naturalmente, dos casos em que o traje adoptado pela Tuna é o traje da sua academia (e apenas desses casos).




Sabemos, porque facto documentado, que a nenhum estudante pode ser vedado o uso pelo do traje académico e das suas insígnias pessoais (grelo, fitas...), pois não é da competência de organismos de praxe determinar tal, e muitos menos um direito apenas adquirido pela participação/aprovação em praxes (não é assunto da Praxe, portanto). Dizer ou pensar o contrário é absurdo e revela mera ignorância da Tradição Académica e um conceito de Praxe distorcido.

Mas esse preconceito e equívoco (que leva à parvoíce suprema das cerimónias do "traçar da capa" ou das rotulações de "anti-praxe") fez muito caminho por esse país fora: primeiro de tudo, proibir o uso do traje a quem não foi praxado (chegado à estupidez extrema de pretender proibir a participação em Queimas das Fitas e quejandos) e, em segundo lugar,  proibir o uso do traje aos caloiros (só porque são caloiros).

E é o resultado do 2.º equívoco que contaminou as nossas Tunas.

Ora histórica e tradicionalmente, os caloiros sempre puderam trajar (o uso do traje é aliás um costume que se estende a colégios e liceus desde o séc. XIX), mas, por alguma misteriosa amnésia (que o facto das tradições académicas terem estado suspensas durante toda a década de 1970[1] não desculpa inteiramente), aparece o "boato" (que apressados ignorantes logo grafaram em "códigos praxeiros"[2]) que caloiros não podiam senão trajar a partir da sua 1.ª Queima das Fitas.

E foi fruto desse equívoco, que a mistura de protagonistas elevou a tra(d)ição académica, que as tunas implementarem os trajes de caloiro, na senda desse erro de concepção: que os caloiros não podiam trajar.

Note-se que, em Espanha, os caloiros trajam o traje de tuna, apenas não ostentando a "Beca", a qual só ganham após o período de aprendizagem.

Nunca foi costume nem prática, na centenária tradição tuneril portuguesa que os novatos da tuna não pudessem trajar. Tal como nunca houve praxes de tuna antes da contaminação praxística iniciada a partir da década de 80-90 do séc. XX.

Se tanto se enche a boca na perpetuação da Tradição, no respeito da tradição tuneril, então talvez fosse tempo de rever  praxísitos conceitos erróneos que continuam colados à Tuna, como esse hábito de, em tunas que usam o traje da sua academia, vedar esse mesmo traje só porque são caloiros.

Um traje académico vedado a caloiros nem sequer pode ser considerado traje académico (ver AQUI). Se esse mesmo traje é também usado em Tuna, também aí a Tuna não pode, nem deve, impedir o seu uso. Questão de coerência e de senso.

Uma tuna que se diz "académica" (estudantil, portanto, seja ela universitária ou liceal) é porque é composta de alunos, de estudantes (ou antigos estudantes), cuja indumentária é o traje (porque isso assim os identifica - a eles e à tuna).
Se não faz sentido que o traje do estudante seja negado a caloiros por patetices praxísticas sem fundamento algum, muito menos numa tuna.

É certo que a Tuna se rege pelos seus próprios regulamentos e faz como entende melhor, mas será sempre hipócrita não reconhecer que esse "costume"  - de não permitir aos caloiros da tuna usarem traje (e falo, uma vez mais, sublinho, das tunas que adoptam o traje da sua academia) é motivado por uma falsa tradição tuneril (por  influência assente em pressupostos históricos "ilegais").

A existência de traje de caloiro da Tuna resulta da equivocada influência da "Praxe" (neste caso, de um erro crasso que nem sequer é Praxe nem tem fundamento histórico ou tradicional algum) e, há que o dizer, não tem sentido algum, constituindo um paradoxo.

A Tuna já se foi livrando de muitos mitos (origens no séc. XII ou XVI, Sopistas, tocar sentada.....), mas continua a perpetuar um erro.
Um erro que qualquer pessoa mais informada e sensata reconhece como aberração praxística: proibir o uso do traje a caloiros ou a quem não foi praxado (porque "o traje é estudantil e não praxístico" como se responde sumariamente, e bem).
Se, e muito bem, se diz que o traje é estudantil/académico e não praxístico (contrariando os ditames inconsistentes de tantas "comixões de prache"), vale precisamente em tuna também: o traje é estudantil e não tunante.


O uso do traje académico (em vigor na instituição e que é o mesmo que a tuna adopta) é, portanto, um direito primário e basilar do estudante. Cercear esse direito só porque entra na tuna (que se diz académica) é um absurdo; e não é melhor a tuna que o faz do que a comissão praxista que se critica por fazer o mesmo.


Fica para reflexão.




[1] Em virtude dos acontecimentos ocorridos em 1969, e que levaram ao denominado "Luto Académico".
[2] Copiando o de Coimbra (ou nele se inspirando), mas esquecendo-se que esse código (de 1957) nunca proibiu caloiros de trajar (como ainda hoje não proíbe).

sábado, 11 de março de 2017

O Traje Académico nas Tunas - Reflectir sobre a tra(i)dição.

O traje académico não serve para identificar praxistas, tunos, aficionados do clube, partidos políticos, opções sexuais e quejandos.
Ele existe e foi criado, como tal, para identificar o foro académico, a condição de estudante, portanto. Nem mais, nem menos. E sublinho: nem mais.
Assim, faria todo o sentido que as tunas que o usam não lhe anexassem quaisquer invenções ou o travestissem com gravatas, meias e lencinhos às cores, colheres nas gravatas, barretes ou batas brancas, entre outros, para além da quantidade de decorações natalícias, nas lapelas, que o carnavalizam.


O traje académico não é um traje de tuna, per si. É, historicamente o traje que associamos às tunas (grosso modo) portuguesas, porque, sendo constituídas por estudantes, estes, usavam o uniforme corporativo que assim os identificava: como alunos (e não como tunos). Não precisavam de vaidosos artificialismos para dar nas vistas e se diferenciarem a todo o custo de outras tunas. Respeitavam algo que, para muitos, parece ser apenas uma coisa gira da boca para fora: tradição.

E o mesmo se passava com os orfeões académicos, por exemplo.
Havia, contudo, uma única diferença: muitos usavam, no braço, umas fitas da cor dos seus estudos (nada a ver com tunas, mas com a tradição estudantil).

A Tuna tem toda a liberdade de criar um traje que a identifique como tal; um traje único que traduza a sua actividade e, sobretudo (neste caso de tunas estudantis), a sua natureza académica (o espanhóis têm um que é apenas para tunas - e que nunca foi traje académico).
Se a tuna opta pelo traje académico, deveria respeitá-lo tal como ele é.

E, nesse sentido, cito as palavras do ilustre amigo e investigador tunante, Eduardo Coelho:


" O traje é académico - não praxístico nem tunístico.
Se uma Tuna optar por se apresentar de capa e batina [ou traje equivalente, acrescentamos nós], deve respeitá-la integralmente na sua forma e convenções de uso.
Admito, porém, que, dada a especificidade da actividade, possa haver pontuais excepções - como seja o caso das pandeiretas ou o pousar das capas no chão à frente da tuna.

Tuno não é grau na hierarquia da praxe, de forma que alegar a condição de tuno para se usar o traje de uma forma excepcional fora da estrita actividade tuneril é o mesmo que invocar a condição de bêbado ou chulo. Não vale a ponta de um corno.

E mesmo que seja esteticamente mais interessante encher a a lapela de pins (o que é altamente discutível), nenhuma convenção de uso da capa e batina remotamente autoriza tal coisa.

Organize-se internamente a tuna como quiser, com os seus graus, ritos e hierarquia que bem entender. Escolha livremente o seu repertório. Aceite ou rejeite quem lhe apeteça por critérios que só a ela dizem respeito e sem dar satisfações a rigorosamente ninguém.
Mas respeite o património que é de todos. Em defesa deste, todos têm o direito - e diria mais, o dever de intervir, exigindo o respeito que a tradição merece, seja caloiro ou dux-veteranorum, ou até mesmo ex-academista.

Não. A tuna não tem o direito de fazer TUDO o que lhe der na real veneta. E muitas das confusões vêm de a tuna também se querer meter em terrenos que não são os seus, arrogando-se direitos que não tem, invocando o estatuto de tuno - que não é de praxe - para justificar toda a estupidez que passe pela cabeça de alguns iluminados.

Sim, porque lâmpadas fundidas há em todos os lados."[1]


Portanto, que me desculpem as tunas e os tunos amigos pela frontalidade, mas, as coisas são como são.
O princípio estapafúrdio dos regimes de excepção que alguns códigos de Praxe contemplam não fazem sentido algum; isto para além de não ter qualquer nexo meter tunas num código de Praxe (isto para não falar nas tunas que assim consentem).

Sob esse prisma, cada grupo e actividade diferente poderia alegar direito de alterar o traje da sua academia, para melhor identificar os seus membros e actividade; os do teatro, do grupo desportivo (e conforme cada desporto), clube de jornalismo, xadrez, tertúlia literária, grupo de rock, de fados, orquestras diversas......

Não, o traje académico deve ser apenas aquilo que é: traje que identifica o estudante. E de traje, o estudante pode fazer muitas coisas, desenvolver N actividades, sem precisar de alterar o uniforme.



Dura Praxis Sed Praxis tem precisamente esse sentido (pervertido e espezinhado pelos organismos de Praxe que permitem todas aquelas excepções ao seu uso, nomeadamente pelas tunas - quando, como acima dissemos, as tunas nem sequer têm de constar dos códigos nem a eles estarem sujeitas), ou seja a lei (a Praxe) é igual para todos; dura porque não permite desigualdades e benefícios a uns em detrimento de outros. A lei é para todos e a todos trata, ou deveria tratar, por igual.
Portanto, quem quer usar traje académico, deveria usá-lo segundo as regras que regem os demais estudantes.

No casos em que se trata do traje nacional (vulgo "capa e batina"), deixa-me consternado e triste ver como algumas tunas tratam, com leviandade e despropósito, esse património histórico que a todos diz respeito, porque a todos nós pertence.




[1] In Tunos&Tunos (grupo do FB),post de 29 Novembro de 2016