![]() |
Um breve artigo suscitado pela leitura de um regulamento de certame a realizar brevemente e a que tivemos acesso.
Fixámo-nos num excerto específico que nos causou apreensão.
Fique claro que cada qual é livre de definir as regras do
evento que organiza, mas do mesmo modo também se sujeita ao escrutínio de quem
o lê.
Neste caso, são mais dúvidas e perguntas retóricas.
Comecemos, pois, pelo início.
Onde é que está provado
e documentado que a Serenata é a expressão máxima de uma Tuna
Universitária? Na verdade, releva mais da narrativa ficcionada do “boom” de
finais do século passado (o XX), e de uma mimetização importada de Coimbra
(sobretudo das Serenatas de feição fadista (Serenatas Monumentais).
Depois, perguntar qual o sentido de desvalorizar um grupo que usa e abusa de instrumentos que não são próprios à Tuna ao invés de simplesmente dar zero. É que entra-se claramente no domínio do “acho que”, pois a desvalorização quantifica-se como? No código da estrada, a infração por pisar um traço contínuo é igual quer se pise ao de leve, parte, todo ou mesmo se passe o mesmo. Haja pois, coerência e verticalidade para assumir-se uma de duas opções: seguir a tradição quanto à instrumentação ou borrifar-se olimpicamente para a mesma. Encher a boca de "tradiçao tuneril" para depois fechar os olhos àquilo que a a infringe objectiva e dolosamente é qu enão!
Como hoje em dia quase ninguém quer saber de tradição para
nada e só fica bem falar-se nisso para inglês ver ou para constar de
regulamentos….. estamos conversados.
E nem de propósito a questão da "tradição".
Alguém pode explicar o que é isso de "respeitar o traje
envergado no cumprimento da tradição tunante"? Qual tradição?
É que com a diversidade de trajes académicos existentes[1], a par com trajes próprio que algumas tunas possuem…. fica difícil saber o que a tradição tunante diz sobre Traje. É que não existe nada escrito nem definido sequer. Uma coisa é cada tuna respeitar a etiqueta académica (vulgo Praxe) quanto ao uso do traje (seja a definida pela instituição a que pertence seja a definida pela própria tuna quando o traje é próprio) e outra é supostamente haver uma qualquer norma oral/escrita sobre o tema que possa ser transversal a todos os trajes existentes.
Se querem tradição tuneril quanto a traje.... então voltem as tunas todas a usar o Traje Nacional e haverá um ponto comum a partir do qual se poderá encetar uma amena conversa e, até, desmascarar a multitude de regas sem fundamento histórico nenhum que enchem códigozecos de praxe de norte a sul do país (e que nem para limpar o rabo servem)!
Também se desconhece a associação entre originalidade e “Tradição
Tuneril”, nem se percebe sequer o que isso quer dizer. Há graus ou limites à originalidade
para caberem ou não na Tradição Tuneril? Se sim, quais? Onde é que é próprio da
dita “tradição tuneril” e onde é que ultrapassa esse suposto âmbito? Ou afinal
é só uma maneira bonita de embelezar o texto e no fundo acabar por ser como os jurados acharem?
Também não se percebe muito bem a questão da “correta distribuição da Tuna em palco” como característica inata à Tuna Universitária. O que é uma incorrecta distribuição, no entender deste regulamento? É que as tunas que vão a esse festival deveria saber para poder ajustar-se. Mas afinal….é coisa dúbia! Recordemos que há uns anos, uma tuna foi desclassificada (off the record) por ter "ousado" tocar com a primeira fila sentada. Ao que parece, no entendimento dos jurados de então, era uma distribuição/colocação incorrecta e contra a tradição (quando afinal nem era - e sobre o tema pode ler-se AQUI). Se, de repente, tocarem todos sentados, como foi norma, por cá, até á década de 1980? E se, por exemplo, decidirem dispor-se sem ser em filas? Creio que o leitor percebeu já o quão dúbia se torna a questão.
Como dúbia é a questão do cuidado visual. Isso traduz-se em
quê exactamente? Se é para dizer que devem estar todos uniformemente trajados,
que não devem apresentar-se de forma andrajosa, desrespeitosa… então sejam
claros e explicitem-no, ao invés de remeter para o destinatário o dever de intuir o que significa,
pois o que é lícito e normal para uns pode não ser para outros. E, uma vez mais, como
se ajuíza isso? Pelos vistos….conforme cada jurado “achar”.
Haja maior cuidado na adopção de regulamentos escritos há muitos anos [e que deveriam merecer reflexão e actualização antes de ser adaptados - eventualmente com ajuda do(s) autor(es)], procurando que essas normas sejam claras para quem participa, sem espaço para demasiada subjetividade, como a que acaba por se criar quando se fala em conceitos como “Tradição Tuneril” sem que os próprios saibam bem em que consiste ou explicitem objectivamente o que entendem por isso.
É que, se há 30 anos, havia uma certa uniformidade quanto ao entendimento daquilo que cabia na res tvnae (sabia-se, grosso modo o que era próprio à Tuna e à sua "tradição" e respeitavam-se limites consuetudinários), mesmo que com (muitas) imprecisões históricas, daí para cá a coisa tendeu a esfarelar-se e diluir-se num "no man's land" onde as coisas se fazem a "olhómetro" e os regulamentos são quase sempre ignorados (sobretudo por serem demasiado extensos e, em muitos casos, dúbios).
Fica o reparo.
[1] Nem
vamos aqui voltar a referir o erro crasso de todos os trajes académicos
inventados nos anos 90.