Isto
de historiar tunas, mesmo que a própria, é um caminho sinuoso, nem sempre
devidamente pavimentado e nem sempre acompanhado de sinalética correcta,
levando, por vezes, a enganos.
Em
2012, surge, na página de Facebook da TUP (Tuna Universitária do Porto), uma
publicação que apresenta uma foto, pretensamente do grupo (a acompanhar um
pequeno texto a situar as origens da Tuna - 1890), mas que, na verdade, correspondia à Tuna da Escola Politécnica de Lisboa em 1903-04 (imagem de um postal ilustrado que se pode encontrar na BNP[1]).
Após
N chamadas de atenção (iniciadas em 2013), foi finalmente eliminada a publicação
no ano passado.
Essa
foto, erradamente identificada como sendo a TUP já fora, em 2001, colocada no
livreto do CD "Concerto de Apresentação da Queima das Fitas de 2000",
acompanhada de um pequeno texto histórico também com erros (fala que datam de
1864 as notícias de agrupamentos do género no Porto, mas sem haver qualquer prova
documental; refere 1891 como ano da deslocação a Salamanca e Madrid, quando foi
no ano anterior, em 1890) .
Zoom à página 8 do livreto do CD "Concerto de Apresentação da Queima das Fitas de 2000". |
Se
é certo que tal imagem jamais poderia provir do arquivo do OUP/TUP, onde foi
encontrada e o que terá levado a pensar tratar-se da TUP? Em que se baseou o
autor do texto do livreto para fazer afirmações tão taxativas?
Nem
sempre é fácil o rigor, quando não se usam as devida cautelas e algum critério de exigência.
Veja-se,
por exemplo, que na Wikipédia se afirma que a TUP é a mais antiga tuna
académica do país, remetendo as suas origens para 1888 e justificando tal com
uma referência bibliográfica (mal feita, diga-se, pois nem menciona a autoria)
para um documento que não suporta sequer tal afirmação.
Página da Wikipédia (Janeiro de 2020). Verifica-se que a fonte mencionada está mal referenciada, apenas constando o título do documento (com link para a página que o apresenta) |
O
documento referenciado foi utilizado no II Congresso Ibero-Americano de Tunas
(Múrcia, 2014), para a palestra subordinada ao tema "As
origens da Tuna em Portugal (Séc. XIX e XX)" e, na página 4, fala em Tuna/Estudantina do Porto, mas não
especificamente em Tuna/Estudantina Académica do Porto.
Há uma grande
diferença, pois estudantinas (tunas) não são (como nunca foram) forçosamente de
cariz estudantil. Nada há, à data, que estabeleça relação entre essa
estudantina portuense em 1888 com a TUP. Aliás, os dados mais recentes deixam
claro que a Tuna/Estudantina Académica do Porto (Portuense) nasce em 1890[2],
fruto da fusão de 3 grupos tuneris pré-existentes (e nem sequer com a designação "tuna" ou "académica").
Seja como for, as origens da TUP datam de 1890, e não antes.
Seja como for, as origens da TUP datam de 1890, e não antes.
Avançar
que é a Tuna[3] mais
antiga poderá ser imprudente, dado que há muitas variáveis a ter em conta - desde
logo a questão da actividade ininterrupta. O que se pode dizer com segurança é
que é das mais antigas, não mais que isso.
No
mesmo artigo da Wikipédia também se avança que a tuna académica feminina mais
antiga do país é a Tuna Feminina do OUP.
Uma
vez mais, convirá procurar um maior rigor, dado que tal afirmação é errónea.
A Tuna Feminina do OUP é, sim, a tuna Universitária mais antiga do país (fundada em 1988), mas recordemos que tunas académicas já as havia nos liceus, colégios e escolas superiores desde o séc. XIX e que parece haver registo de um grupo (mesmo que efémero) feminino académico nos anos 60[4].
A Tuna Feminina do OUP é, sim, a tuna Universitária mais antiga do país (fundada em 1988), mas recordemos que tunas académicas já as havia nos liceus, colégios e escolas superiores desde o séc. XIX e que parece haver registo de um grupo (mesmo que efémero) feminino académico nos anos 60[4].
Uma
linguagem menos rigorosa facilmente induz em erro e o termo "Académico/a" não é, como nunca foi, exclusivo de Universidade.
Use-se
de muitas cautelas antes de se avançarem afirmações absolutas como "a/o
mais antiga/o", sem antes haver preocupação em documentar-se devidamente e
substituir a ânsia de primazias e pedestais por prudência e consulta de
terceiros (pessoas que andem mais por dentro destas coisas da investigação tuneril).
Algumas
falhas, por pequenas que sejam, especialmente se ligadas à imagem
institucional, são pouco condizentes com o contexto de literacia e busca de
rigor científico-histórico expectável no meio universitário.
Tal
evitaria, também a título de exemplo, a publicação de obras com informações que
relevam mais de bazófia que de objectividade (e que não se corrigem com a mesma
facilidade de um Facebook ou quejandos), como afirmar que o FITU é o mais
antigo festival de tunas ininterrupto do mundo (e de que demos nota em artigo
de Março 2019), algo sem fundamentação alguma.
Capa e página 32 do livro FITU "cidade do Porto", 30 Anosde História, 2019. |
O Festival mais antigo
ininterrupto é o Certame de Tunas do
Distrito Universitário de Sevilha, criado em 1970, que vai para a sua 46.ª
edição ininterrupta[5],
seguindo-se outros[6].
Todos
somos passíveis de erros e lapsos.
Procure-se, ainda assim,
tanto quanto possível (em publicações ao grande público, sobretudo), a revisão
e consulta de conteúdos junto de terceiros[7] que tenham algum conhecimento na área, além do imperativo basilar no que à referenciação das fontes diz respeito,
sobretudo quando
se utiliza o trabalho e material de outrém.
Fica
a reflexão.
[1] E
publicada, em 2011-12, na obra QVID
TVNAE?, p. 207.
[2] Com a
designação Estudantina Portuense,
ainda sem a referência "Académica" no nome.
[3] Falamos em Tuna, mas, nessa altura, a designação mais
corrente era "estudantina".
[4] Vd. SILVA, Jean-Pierre - Tuna
Feminina do Liceu de Santarém? Uma imagem a que faltam palavras. Blogue
Além Tunas, artigo de 02-02-2017 e A Grande
Tuna Feminina de Alfredo Mântua - Breve Contributo Documental (1907-1913). CoSaGaPe, Lisboa, 2018, p. 53.
[6] - Certamen de Tunas UPM, que
vai para a sua XXXVII edição (criado em 1983); Certamen Provincial de Tunas de
Málaga, que vai para a sua XXXV edição (criado en 1985); Certamen Nacional de
Tunas de Magisterio (Burgos), que vai para a sua XXXV edição (criado en 1985); Certamen
de Tunas y Estudiantinas de Iquique (Chile), que vai para a sua XXXV edição (criado
em 1985); Certamen de Económicas, que vai para sua XXXIV edição (criado em
1986); Certamen Nacional de Tunas Empresariales, Económicas, Comércio Y Turismo
(Jerez), vai para a sua XXXIV edição (creado en1986).
[7] E critério na escolha de
quem assume certas tarefas.
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