Na sequência do Projecto
de Resolução n.º 124/XIII/1ª, enviámos aos deputados subscritores a
seguinte tomada de posição:
Exm.ºs Senhores Deputados João Torres, Diogo Leão, Ivan Gonçalves e
Pedro Delgado Alves:
Os autores da obra «Qvid Tvnae? – A Tuna Estudantil em Portugal», tendo
sido citados no Projecto de Resolução n.º 124/XIII/1.ª, desejando contribuir de
forma construtiva para que o debate em torno da Praxe Académica seja feito com
a urgência e profundidade que se impõem, mas com o esclarecimento e a
objectividade necessárias, gostariam de partilhar com V. Ex.ªs as seguintes
reflexões:
1. A obra citada por V. Ex.ªs incide sobre um fenómeno cultural que nada
deve à Praxe Académica. A partir dos anos 80 do séc. XX, o fenómeno das tunas
acompanha de perto a (re)implantação da Praxe, sendo frequentemente
protagonizado por actores que se situavam em ambas as esferas (tunas e praxe
académica). Esta circunstância, reforçada por um elemento comum, o traje
académico (académico, não praxístico), contribuiu para cimentar a ideia errada,
inclusivamente nos próprios, de que os fenómenos são indissociáveis, o que não
corresponde, de todo, à realidade histórica comprovável. Uma das razões que nos
levaram à investigação condensada em «Qvid Tvnae?» foi, justamente, a
desmistificação deste erro.
2. Fomos, nos nossos tempos de estudantes, praxistas activos e actuantes
nos estabelecimentos de ensino que frequentámos, grosso modo entre os anos de
1985-1995, tendo contribuído, em maior ou menor medida, para o restabelecimento
das Tradições Académicas nas nossas instituições.
3. A Praxe Académica constitui, como V. Ex.ªs acertadamente referem no
projecto de resolução, um sistema informal de regulação das relações sociais
entre estudantes de uma mesma academia, desenvolvido na academia de Coimbra e
cristalizado no Código da Praxe da Academia de Coimbra, de 1957, que serviu de
paradigma à difusão/implementação a todo e em todo o país daquilo a que se
chama actualmente e abusivamente “Praxe” – na maior parte dos casos, com total
desconhecimento e desvirtuamento dos fundamentos da mesma.
4. Frequentemente, assiste-se a uma confusão perigosa entre “tradições
académicas” e “praxe académica”. Esta representa apenas uma parte daquelas, que
englobam um conjunto de práticas e cerimónias que vão muito para além da
simples interacção entre “doutores” e “caloiros” – o gozo ao caloiro:
referimo-nos, p. ex., a serenatas e a todo um conjunto de iniciativas
lúdico-culturais de comemoração do fim de curso/ano lectivo, como a queima das
fitas. De forma abusiva, alguns conjuntos de indivíduos têm procurado fomentar
essa confusão, rotulando indevidamente de “praxe” o conjunto das práticas
tradicionais, numa tentativa de colocarem sob a sua esfera de influência todo e
qualquer acto que se pratique usando o traje académico; não é só histórica e
culturalmente errado: é, repetimos, abusivo e perigoso.
5. É igualmente errada e redutora a confusão que geralmente se faz entre
“praxe” e “gozo ao caloiro”. Se a praxe é apenas uma parte das tradições
académicas, o gozo ao caloiro é uma parte menor da praxe, se bem que a que tem
maior visibilidade e ampliação no meio social.
6. Temo-nos manifestado de forma pública e veemente, assumindo uma
postura fortemente crítica e pedagógica em blogues, conferências e nas redes
sociais, contra o estado deplorável a que a praxe e a tradição académicas
chegaram, fruto de uma subordinação destas ao gozo ao caloiro, por ignorância
dos próprios promotores e “responsáveis”, e onde campeiam invenções a
bel-prazer, desmandos, prepotência e ganância de conjuntos de indivíduos que,
usando das “prerrogativas” que se lhes são conferidas no contexto ínfimo do
gozo ao caloiro, exercem, em nome da praxe, verdadeira coacção física e
psicológica (quando não praticam crimes) sobre os colegas do 1.º ano (mas não
só), a coberto de uma noção completamente distorcida de “integração”,
promovendo a estigmatização dos que (sendo ou não “caloiros”) não pactuam com
este estado de coisas, dos que questionam, dos que se insurgem, dos que não se
intimidam nem se deixam intimidar. O número de vozes críticas é cada vez maior.
7. Somos a favor da Praxe Académica assente nos princípios e valores
democráticos e meritocráticos que lhe subjazem, conscientes de que a própria
Praxe foi evoluindo sempre no mesmo sentido da civilização: cada vez menos
violenta e humilhante, cada vez mais acolhedora e integradora, promotora de
espírito de independência, e não castradora da vontade individual. Somos por
uma Praxe que, para ser levada a sério, só pode ser levada a brincar.
Repudiamos, como a maioria dos praxistas, todas as formas de violência física,
de coacção psicológica ou de extorsão económica.
8. Deploramos que tenha sido necessário chegar-se ao ponto de a
Assembleia da República ter de se pronunciar sobre estas matérias, mas
compreendemos e apoiamos todas as iniciativas políticas que visem pôr cobro a
práticas inaceitáveis e conjugações de interesses que gravitam em torno da
Praxe Académica e que distorcem os valores e princípios que enformam as
Tradições Académicas reduzindo-as à sua expressão menos interessante e mais
dispensável: as praxes.
Cordialmente, apresentamos os mais respeitosos cumprimentos.
Eduardo Coelho, Jean-Pierre Silva, João Paulo Sousa e Ricardo Tavares.
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