sábado, 23 de fevereiro de 2019

Purismos tunantes


O purismo exacerbado que se verifica noutras geografias tunantes é, pelo menos do lado de cá da fronteira (cuja tradição tuneril é a mais rica pela diversidade e historicidade), algo risível e...ridículo. 

Uma honesta investigação à génese das tunas não pode, depois, pretender eleger o que lhe agrada e omitir os dados históricos que não lhe convêm.
Mas é precisamente isso que ocorre, com estudiosos cujo trabalho de investigação se reconhece, mas que, depois, truncam e desvirtuam esses mesmos factos, para lhes impor uma visão que não tem por base o mesmo rigor histórico que, supostamente, aplicam no seu labor - antes a sua visão pessoal.

Portanto, há quem diga que "Tuna" só corresponde a grupos universitários e, depois, para os demais grupos, afirme que se devem, quando muito, apelidar de "rondallas" ou, pasme-se, "estudiantinas".

Desde logo esse raciocínio está equivocado e perverte os factos históricos, quando sabemos que Tuna e Estudantina são a mesmíssima coisa, sendo que primeiro surgiram as "estudiantinas" (de estudantes e de não estudantes) e, depois, surge o termo "Tuna", num esforço para distinguir as "estudiantinas" compostas exclusivamente de estudantes das demais. Em momento algum se pode afirmar que foi para distinguir grupos civis de grupos universitários, mas, sim, distinguir apenas grupos civis de grupos estudantis (que podiam ser, ou não, universitários).
É isso que os factos históricos dizem: distinguir estudantinas (Tunas) de estudantes das demais. E estudantes não eram, nem são, apenas e só universitários.



Portanto, afirmar-se que só é "Tuna" um grupo universitário é falso.
Tanto é falso que continuaram a existir quer estudantinas quer tunas a nível popular (civil), assim como de outros graus de ensino (liceus, principalmente) sendo que, em alguns casos, algumas são já instituições centenárias, ou seja com maior legitimidade histórica que qualquer tuna universitária criada seja no tempo do SEU (Sindicato Español Universitário), seja depois disso. E isso é um facto histórico que desagrada aos puristas.

É de uma desonestidade a todos os níveis, essa presunçosa mania de distorcer a história, para caber em concepções pessoais  e pretender impor uma visão apócrifa de Tuna.

Mas ainda mais estranho é pretender que outros grupos não universitários não podem/deviam usar a denominação "Tuna" e que, quando muito, se deveriam chamar de "estudiantinas". Mas o que são "estudiantinas"?

Em rigor, são grupos de estudantes. É esse o significado do termo, que depois passa também a designar as orquestras de estudantes a que mais tarde  se chamará de tunas.
Se, para esses iluminados, só os grupos universitários se podem chamar "Tunas", então significa que os grupos universitários que se designam "estudiantina" não são Tuna?
Ou querem agora vir com a lata de afirmar que os universitários têm o direito de usar ambas as designações, porque moral e historicamente mais legítimos, e todos os demais grupos escolares (ou mesmo civis) não?

É que este raciocínio afunilado e cego quase roça a mesquinhez argumentativa.

E para o leitor compreender o paradoxo desses iluminados, estes, chegam mesmo a pretender que só há tunas a partir do SEU (que é quando, segundo eles, se cristalizam regras e ritos e a tuna ganha como que um formalismo). Ou seja, enchem páginas a afirmar que a Tuna nasce no séc. XIX (e dizem bem), mas depois afirmam que só são tunas as que são universitárias e seguem o modelo estilizado a partir do SEU espanhol (grosso modo, a partir dos anos 1950 em diante).

Ficou confuso o leitor? Natural, pois é contradição em cima de contradição.
É como pretender que só há espanhóis a partir do franquismo ou que só há portugueses depois, por exemplo, da implantação da República.

Discordamos em absoluto dessa visão redutora e que perverte os factos históricos.
Uma coisa é haver tunas ou estudantinas universitárias e outra é haver tunas e estudantinas que o não são.
Para além disso, aplicar conceitos actuais a factos passados, ignorando contexto e factos é um exercício falacioso; tal como seria falacioso afirmar-se que só há tecnologia a partir da revolução industrial ou com a invenção do chip.
Discordamos ainda mais do chauvinismo que pretende elevar o modelo "Tuna del SEU" como paradigma quer para classificar tunas em Espanha quer noutros países, como Portugal.

Bem sabemos que, num purismo estrito, estudantinas e tunas remetem para o cariz estudantil (e não apenas universitário). Ninguém no seu perfeito juízo pode pôr em causa isso. 
Mas a verdade é que  essa intenção denominativa (a de atribuir uma designação exclusiva aos grupos estudantis), iniciada ca. 1870, acabou por não surtir o efeito pretendido e que a criação de grupos, com essa designação, por parte da sociedade civil, ocorreu logo de seguida.
Portanto, uma coisa é o que gostaríamos que fosse (ou tivesse sido) e outra é o que de facto aconteceu. E isso não pode ser apagado, porque estamos a falar de mais de 1 século de história.
Além disso, essa coisa do purismo exacerbado parece ignorar as muitas apropriações ao meio civil que o foro estudantil preconizou.

A cegueira e fundamentalismo são tais, que esses mesmos "puristas" chegam ao supremo desplante chauvinista de considerar que as centenárias tunas portuguesas não são Tunas. Sim, leram bem: afirmam, por exemplo, que  a Tuna Académica do Liceu de Évora (fundada em 1902 e até hoje existente) não é tuna, à luz do conceito "hispano-SEU-Tuneril", segundo critérios truncados e erróneos para, assim, poderem legitimar os seus devaneios e reescrever a história conforme lhes apraz.

Bem sabemos que o facto de Portugal possuir a mais longa tradição tuneril ininterrupta, quer para tunas escolares, universitárias ou populares, provoca incómodo nesses puristas de meia tigela. E como esse facto é pedra no sapato que desmonta os seus pés de barro, vai de excluir o caso português, para só considerar que há tunas em Portugal quando (agora pasmem) se começam a parecer com as espanholas (a partir da década de 1980).
Ou seja, a suprema presunção chauvinista de que só há um paradigma tuneril puro e verdadeiro (o hispano-franquista) e que só se considera tuna o que for parecido ou seguir o modelo espanhol "criado" a partir do SEU.
Para azar dos puristas, e usando da mesma medida argumentativa, as tunas mais puras (no sentido de mais perto do modelo secular e original) são portuguesas, são centenárias. Quem, então, se desviou da tradição?

Ah, claro que a tradição também ela se vai renovando e enriquecendo, e é isso mesmo que Portugal pode igualmente apresentar, pois temos tunas segundo o modelo original, tal como temos tunas posteriores e, em tempos mais recentes,  tunas mais similares às actuais tunas espanholas. Não faz de umas, em relação às outras, mais ou menos tunas. E é isso que alguns puristas não conseguem entender - quando por cá foi sempre pacífica a convivência com a história.


Goste-se ou não, estudantinas e tunas são grupos que encontramos, desde o séc. XIX, em vários países pelo mundo fora.
E a concepção generalizada que foi atribuída a esses grupos (por mais imprecisa que estivesse nessa época) é que são apelidados de "Estudiantina" ou "Tuna" em função não dos elementos que compõem esses grupos, mas do leque instrumental que os caracteriza.
É isso que a história comprova documentalmente e é exactamente isso que a musicologia afirma e defende - algo que esses "puristas" querem abafar, menorizar ou mesmo desconsiderar.

O purismo que defende que "Tuna" é uma designação que apenas diz respeito a grupos universitários é uma "visão" de décadas, iniciada a partir do SEU espanhol, no intuito de dar maior visibilidade e "pedigree" a esses grupos (daí também ser nessa época que se inventam as origens medievais, goliardescas e trovadorescas da Tuna - tudo no intuito de conferir um áurea histórica de séculos e uma tradição pura de cariz exclusivamente universitária). E são exactamente os tunos que foram assim formatados que, mesmo perante as evidências históricas (apesar de, há já alguns anos, alguns, um pouco mais sérios, rejeitarem as origens medievais) continuam a ter uma visão classista e discriminatória de Tuna e, assim, a ignorar o que as evidências documentais apresentam (ou truncando-lhes o sentido e pertinência ).

Falar em rigor e metodologia para depois apresentar esse argumentário é decididamente algo paradoxal.
Mas ter a presunção de possuir um qualquer ascendente moral para policiar as tunas, determinando quem é Tuna e quem não é, constitui uma falácia que não se entende.
Uma coisa é distinguir entre tunas académicas e tunas civis. Uma coisa é perceber que tunas académicas não são as estritamente universitárias (só um néscio não percebe que o termo "Académico/a" não é exclusivo de universidade), mas outra é impor dogmaticamente que só umas e não outras são verdadeiras, sendo as demais falsas, apócrifas, de contrafacção.

Portanto, se os puristas querem defender o que é genuíno na Tuna Universitária, então que se dediquem apenas a isso e se deixem de tratar daquilo que não é de cariz universitário, respeitando-o e não se achando donos do mundo tvnae, vestindo o inquisidor papel de "Torquemadas de pacovia", de index em riste, ditando e determinando do alto da cátedra de barro.

É que esses tiques ditatoriais chegam depois aos tiques da censura e perseguição, como se pode ver nesta página (abaixo apresentamos imagem da mesma), criada especialmente para a "caça às bruxas" e onde se incita à delação. Parece termos recuado aos tempos da "limpieza de la sangre".
E nem vamos aqui apresentar as desconsiderações que esses "puristas" fazem acerca da Tuna Portuguesa, para não se promover uma escusada inimizade fratricida entre "hermanos", só por causa de uns quantos que se acham reis e senhores da res tvnae a nível mundial e vivem ainda num "franqueirismo bolorento".


Puristas que chegam a criar sites com o intuito único de fazer "caça às bruxas" ou ajustar contas pessoais



Se a tradição tuneril não nasceu por cá (embora surja quase de seguida), a verdade é que a nossa longa tradição (a mais longa em termos de actividade continuada) tem muito a ensinar a esses fundamentalistas.
Tem,  porque foi sempre um fenómeno  que conviveu pacificamente com as suas várias expressões. O que historicamente sempre importou foi diferenciar as tipologias; as tunas/estudantinas académicas (de estudantes) das demais, para isso bastando a designação "Académica", "universitária", "escolar" ou "de liceu".
Sempre foi aceite (são mais de 100 anos de evidência histórica), como noutros países sucedia (e sucede ainda), que "Tuna/Estudantina" era historicamente uma designação de um grupo em função do leque instrumental que o caracterizava.
Nunca houve necessidade de cercear ou constranger outros grupos pelo uso da denominação "Tuna/Estudantina" ou procurar impedir ou desconsiderar tunas/estudantinas não académicas. Para nós bastava, como basta, essa simples distinção.
A preocupação natural dos grupos académicos era que fossem académicos; que os grupos denominados de "universitários" o fossem e que qualquer grupo ostentando a designação "Tuna/Estudantina" possuísse as características históricas desse tipo de agrupamento: o leque instrumental, desde logo.

Não foi preciso arranjar escusas sobre ritos iniciáticos ou quejandos para servir de marca distintiva, porque, afinal, em Portugal, e desde o séc. XIX e até à década de 1980 (tal como em Espanha até 1950), tunas e estudantinas académicas não se definiam pelos ritos (quase inexistentes), como passou a suceder, quando contaminadas pela Praxe ou pelos ritos importados do país vizinho (ritos esses que nasceram poucas décadas antes - a partir dos anos 1950 - e não como tradições seculares como eram "vendidos", ou por cá, romanticamente, interpretados).
Não são os ritos iniciáticos de definem uma tuna estudantil ou universitária. Se os estudantes decidirem não os ter é opção que não condiciona que sejam tuna (como sucedia nas tunas de antanho). Se os estudantes universitários de hoje prescindirem de ter hierarquia e nomes pomposos, não quiserem ser apadrinhados (como tantas aliás não o são), fazer geminações ou baptismos de tuna, preferindo, por exemplo, uma organização mais pragmática (como uma qualquer orquestra onde apenas imperam critérios musicais), isso não significa que a sua tuna universitária seja menos tuna.

Não são os ritos que definem uma tuna como tal. Aliás, desconhece-se alguma cartilha que seja seguida à risca por todas as tunas eleitas como tal pelos "puristas". Todas as tunas procedem ao mesmo baptismo (devidamente regulamentado nas fórmulas e procedimentos, como sucede num baptismo católico)? Todas seguem rigorosa e escrupulosamente os mesmos critérios hierárquicos e o mesmo modus faciendi?
Pode haver uma ideia de algo que é comum e parecido, mas a verdade é que há tantas nuances como tunas.
O que é que, contudo, todas as tunas possuem que historicamente as identifica desde a génese? Os instrumentos que lhes são próprios. E, no caso das tunas académicas, o traje e pandeireta (instrumento iconográfico das tunas estudantis).

Vai já bem longa esta reflexão crítica. Agradece-se, desde já, aos leitores que chegaram aqui ainda acordados, até porque alguns poderão sentir-se algo fora do contexto, mas fique o leitor ciente de uma coisa: sabemos distinguir entre opiniões pessoais e evidências históricas e nunca subordinaremos as segundas em função das primeiras.






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