sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Haja Bom Censvs


Não é de hoje que a comunidade tuneril se questiona, entre outras coisas, sobre a quantificação da sua expressão.
Há já umas boas 2 décadas que era costume vermos, no sites de tunas, listas de existências que podiam ser apenas nacionais (ora divididas por tipologia ora/e também por distritos) e, até, incluir tunas "estrangeiras", tudo bem arrumadinho com sinalética ou bandeiras, conforme o gosto estético dos webmasters de então.
Com o fim da era dos websites, essas listas quase desapareceram, dado que as novas plataformas escolhidas (por serem gratuitas) não possibilitavam a colocação dessas rubricas (e, também, porque, na verdade, se perdeu o interesse nesse ponto, sempre carente de actualizações). Por outro lado, também, o facto de muitas destas listas apresentarem o nome das tunas hiperligadas a sites que, passado uns tempos, ficavam offline, levou muitas tunas a abandonar a ideia de continuar a apresentar listas de tunas (dado o trabalho ingrato de continuamente ter de estar a alterar).

Há alguns anos a esta parte, contudo, alguns sites, nomeadamente fora de Portugal, voltaram a apresentar listagens de tunas, chegando, inclusive, a designar as mesmas de "Censo" ou, mais longe ainda, pretendendo fazer censos tuneris a nível mundial.
 Não deixa de causar estranheza que haja quem pretenda conseguir fazer um censo mundial de tunas "comme il faut". 



Afirmar que se consegue fazer um censo mundial de tunas com rigor, sem ser a partir de censos nacionais validados, é de uma presunção enorme e, sejamos claros, uma falácia a todos os títulos.

É que a simples tarefa de fazer um censo nacional já é um trabalho que leva muito tempo e exige um conhecimento da realidade nacional que só quem está nesse país pode conseguir (e nunca sozinho), quanto mais recensear as tunas a nível mundial (e pior quando feito à revelia  dos próprios nativos).

A nível nacional, fazer um censo que pretenda, por exemplo, apresentar simplesmente, e dentro de um certo período temporal, as tunas  que existiram (quantas existiam no início desse período, quantas se fundaram a partir daí, quantas se extinguiram....até chegar ao n.º de existências activas, ano a ano, até ao que encerra o estudo), onde e quando ... é algo que se averba difícil e exige mais do que apenas listar existências.

Se o método é abrir inscrições para que cada tuna voluntariamente se registe, então a margem de erro é enorme. Enorme porque não se garante que todas as tunas se inscrevem e muito menos se pode assegurar que não sejam inscritas tunas que nem sequer existam (extintas, inactivas ou mesmo inventadas). Imaginem a margem de erro quando se faz isso para tunas de outro país que não o nosso!
Se é coligir o máximo de tunas, pesquisando em diversas fontes, pois é possível obter-se uma lista de existências, mas apenas e só.
É um começo, mas isso não é propriamente um censo, mas um mero levantamento, pois que haverá que distinguir que tunas estão activas ou não, quando e onde, para, então sim, se tratar de um censo de tunas, mesmo que este "apenas" procure saber quantas, em que período e localidade. A margem de erro continua a ser vasta, se não houver mecanismos e  meios apropriados de validação dos dados obtidos.

E se o tratamento de dados pretender saber outras coisas (n.º de elementos, instrumentos, etc...), então estamos a falar numa tarefa quase impossível, porque muitas tunas não possuem um inventário ou registo histórico detalhado para fornecer, para além das muitas que já não existem e de que se perde o rasto com facilidade (isto para não falar daquelas que não possuem pegada digital).

Portanto, se já é uma tarefa hercúlea recensear tunas num determinado período (os últimos 30 ou 40 anos, por exemplo, para não ir mais longe) e no nosso próprio país, e só, por exemplo, para saber a data de fundação e extinção (se caso disso, porque essencial para determinar se está activa ou não), a sua tipologia (masculina, feminina ou mista) e pertença (instituição e cidade)........... quanto mais fazer tudo para um país que não o nosso e, pasme-se,  a nível mundial.
Se já a um português é tarefa árdua  conseguir esse feito para Portugal, porque de enorme complexidade, quanto mais pretender fazé-lo noutros paises onde, por mais infos de que se disponha ou aceda na Net, não se tem um conhecimento empírico e contactos que possibilitem aferir e verificar com rigor o que nos aparece.

É que, caros leitores, é essencial confirmar cada informação recolhida e não fiar-se no que uma lista, um dado publicado ou uma incrição apresentam. É imperativo, portanto, cruzar dados,  de modo a que a validação seja o mais criteriosa possível e o exercício não seja o de nesciamente somar tunas que aparecem e produzir resultados enfermos de rigor.

Listar um conjunto de tunas e produzir conclusões, baseados unicamente na participação voluntária de quem se inscreve, não é um censo, mas uma sondagem. Ora para satisfazer os requisitos de uma sondagem, basta uma amostra - e serve, portanto, a metodologia que tem por base a participação voluntária a pedido de quem promove a recolha de informação.
Contudo, para satisfazer os requisitos de um censo, tal não é aceitável, porque arrasta consigo uma margem de erro demasiado significativa (ainda mais quando não verificados e confirmados os dados e se tudo se resume a somar tunas inscritas, ou pescadas por aí, e nada mais).

Nada contra a elaboração de listas de tunas, note-se, mas haja algum cuidado na designação, para não induzir em erro ou comprometer quem publica.
Como o dissemos no início, haver listas de tunas é normal e de salutar, mas não passam disso: de listas. Não são levantamentos exaustivos e tratados com o rigor que um censo, por exemplo, exige.
Com efeito, quando confrontados com censos tunantes e com as respectivas listas (quando as há - sim, porque há quem os elabore, mas recuse apresentar mesmo que apenas a lista das tunas - o que por si só "cheira a esturro") a pergunta que se faz, entre outras, é "Estas tunas estão todas activas"? 
Um levantamento estrito de tunas portuguesas produziria mais de 4 centenas delas. Pode-se dizer que há mais de 400 tunas em Portugal? Não, não pode!




Perante um censo de tunas, anunciado como tal, queremos ter a possibilidade de confirmar a veracidade do mesmo (especialmente quando é promovido por alguém que não é uma entidade oficialmente creditada na área), pelo menos confirmar se a nossa tuna consta, se está bem caracterizada (quanto à tipologia), se os dados sobre a mesma (cidade, fundação, extinção...) conferem.
E para isso, meus caros, só com a apresentação pública desses mesmos dados (que não carecem de autorizações legais, porque divulgar o nome de uma tuna, seu ano de fundação e tipologia não é dado sensível, mas público - aqui, na China ou em Marte).

Parece preciosismo, mas a verdade é que há quem depois afirme que no país tal há X tunas e, vai-se a ver e, afinal, esse número está totalmente errado, porque há uma parte delas que já não existe há muito. Ora isso não é um censo, mas um faz de conta dele.
Se o que se pretende é apresentar as tunas existentes num determinado período, há que aplicar filtros, para que estejamos a falar de tunas que efectivamente estão em funcionamento, de modo a diferenciar as que já não estão (quando, onde...).
Para um censo ser um censo a sério, é imperativo que se apresente não apenas o período abarcado, mas todas as nuances ocorridas durante o mesmo (tunas que se fundaram, tunas que deixaram de estar activas ou se extinguiram e as que mantiveram actividade), para se chegar a um número válido para aquele momento. E isso passa, acima de tudo, por apresentar a lista das tunas em causa (nome, ano de fundação, extinção, tipologia e origem).
A isso é que se chama rigor e metodologia, mas, acima de tudo, honestidade intelectual.

É exactamente isso que estranhamos em censos que pretendem quantificar o caso português.
E de nada vale o argumento de que eram os dados disponíveis à época, porque os números dessa época terão de ser sempre os mesmos, se pesquisados 10 ou 100 anos depois (salvo uma margem de erro residual própria a este tipo de estudo).
Um estudo bem feito no ano de 2000 terá forçosamente de revelar os mesmos valores se for feito, sobre o mesmo período, em 2020 (e não haver diferenças significativas que indiciam que alguém andou a fazer contas de "sumir"). 
As 40 tunas activas que existiam nas Galápagos em 1980 (é um mero exemplo), segundo um censo feito em 2012, terão de ser as mesmas 40 activas em 1980, num censo feito em 2050. 
Voltamos a sublinhar: o ónus da prova é a lista de tunas de que o censo trata; uma lista que obrigatoriamente tem de acompanhar a publicação dos dados recenseados.


O que sabemos é que não basta apregoar rigor e metodologia para, na prática, demonstrar a falta disso mesmo.

Não basta dizer que se fez e apresentar uns gráficos e uns números, produzir conclusões e falar-se em índices de crescimento ou decréscimo, quando o leitor não  tem ideia alguma de onde surgiram esses dados, como foram obtidos e tratados.
Se alguém afirmar que a Tuna Y tem 20 elementos, em 1990, e me mostrar a foto desse ano que o atesta (ou outro documento fidedigno), pois eu posso contar quem figura e confirmar.
Se alguém afirmar que a Tuna H, em 1890, tinha 40 elementos, e apresentar artigos de imprensa que o confirmem ou até mesmo um documento autêntico da relação dos nomes desses elementos, posso igualmente conferir.
Mas se alguém afirma que há 500 tunas no Congo e não apresenta as fontes, a lista dessas tunas, que possibilitem a verificação desse dado, então, estamos perante algo que, muito provavelmente, carece de veracidade e, portanto, não tem credibilidade.

Não basta dizer ou afirmar, com pomposa gala, que se fez um grande recenseamento mundial e fazer alarde de grandes feitos censitários que não resistem ao primeiro esgravatar. Egos assentes em pés de barro, cedo o tarde perdem ares.

O termo "censo" é muitas vezes utilizado com o significado prático de "lista de tunas" e não com o sentido científico. Bem o sabemos.
Não é um crime de lesa pátria esse alongamento do sentido "Censo", nem isso mereceu estas linhas.
O que, sim, nos parece forçado, é quem enche o peito com a presunção de fazer censos mundiais, quando nem nacionais consegue fazer, sequer, em condições.

Nada contra quem tem a mania que sabe, se de facto sabe. Com manias podemos nós bem - que todos temos as nossas - mas que o saber seja alicerçado e não construído sobre areia só para polir o espelho de quem cavalga nu por meio mvndi.







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