domingo, 1 de setembro de 2019

Da Estudiantina Española do Carnaval de Paris à Estudiantina Española Fígaro, 1878.


Não é de agora que a teoria de que a Estudiantina Española Fígaro é um "upgrade" da Estudiantina Española que esteve no Carnaval de Paris, em Março 1878.
Já tinha partilhado essa desconfiança em 2015, com Félix Sárraga, mas que acabou por ele preterida, não sendo abordada no artigo em que colaborei.
Na altura, achei muito curto que, após o sucesso da Estudiantina Española, no Carnaval de Paris de 1878, tenha havido tempo suficiente para, aproveitando a fama desse périplo pela capital francesa, um grupo ter surgido do nada e a tempo de criar tudo quanto foi necessário para iniciar, em cerca de 2 meses, uma tournée europeia.
Não passa de conjectura, mas alguns dados obtidos, permitem, pelo menos, analisar e explorar essa questão.


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Recordemos:

- A Estudiantina Española  regressa de Paris em finais de Março.
- Em finais de Maio (ca. 2 meses depois), temos a "Fígaro" em Portugal a dar concertos, daí seguindo (em Agosto) para Paris, Londres, Áustria, Alemanha, Itália...
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Ora, entre finais de Março e inícios de Maio, foi preciso arranjar elementos, confeccionar trajes (copiados/inspirados da Estudiantina Española), elaborar um repertório (suficientemente vasto) e ter os ensaios necessários.

Depois, era necessário estabelecer os contactos para firmar contratos com os locais (teatros, salas de espectáculo) onde iria apresentar-se, definindo alojamento, despesas, receitas (que a "Fígaro" é um grupo que vai para ganhar dinheiro, como qualquer outra companhia artística, independentemente de também fazer concertos caritativos).

Nesse tempo só havia correio e telegrafia e os promotores necessitavam quase sempre de se deslocar previamente para falar, aferir condições, assinar documentos. Isso levava tempo.

Foi possível tudo isso em 2 meses (nem tanto)?

Se foi, há que reconhecer que faziam melhor do que na actualidade, onde mesmo com Internet, telefone, mails, etc., dificilmente se consegue organizar a viagem de uma Tuna ao estrangeiro assim tão expeditamente.
Ainda hoje, formar uma Tuna de raiz,  ter ensaios com repertório musical exigente (peças instrumentais), ter traje próprio confeccionado, marcar digressão internacional a vários países, etc., é virtualmente impossível em 2 meses.

Na sua edição de 13 de Abril de 1878[1], o periódico francês "Le Monde Illustré", apresenta gravura (desenho de M. Vierge a partir de croquis de M. Urrabieta[2]) de uma serenata feita pelos estudantes de Madrid ao embaixador de França em Madrid, em reconhecimento do bom acolhimento feito em Paris à Estudiantina (mais adiante votaremos a isso).
Nessa altura, ainda nada se sabe da "Fígaro".


Além disso, ninguém conhecia a "Fígaro" para a convidar assim de repetente. Teoriza-se que se terá aproveitado da fama da Estudiantina Española, como que fazendo-se passar por ela - o que terá facilitado e agilizado as coisas.
É possível que possa ter havido esse aproveitamento, como é possível que, afinal, se tratasse de uma reconversão do grupo, com novos protagonistas, uma espécie de "trespasse".
E é esta uma teoria plausível: o tal "upgrade", com mudança de protagonistas, reajuste ao nome do grupo (e, quiçá - já que estamos no plano das conjecturas, o reaproveitamento dos trajes do primeiro grupo).
Se sabemos que a viagem a Paris e Londres estava a ser programada com antecedência (mais adiante o referiremos), como pode ter sido possível nada se saber? Teriam usado indevidamente o nome da Estudiantina Española ainda ela existia para contratualizar a sua ida ao estrangeiro (Portugal incluído)? 

Não se pode descartar essa possibilidade, especialmente quando confrontados com o  seguinte artigo, que abaixo apresentamos, de um periódico português que fomos encontrar na Biblioteca Nacional Brasileira:



Repare.se que o artigo refere explicitamente que a "estudantina hespanhola DEU LOGAR á organisação de uma sociedade de 22 professores que formaram em Madrid uma orchestra de bandurras e guitarras (...) o sr. Juan Molina procura contratá-los para os apresentar em Paris e Londres. Se o contrato se podesse effectuar a tempo de poderem vir a Lisboa, era uma excelente acquisição".

Sabemos que a expressão "dar lugar" pode ser lida sob três perspectivas: uma resultando noutra, que uma veio ocupar o lugar da outra ou que uma surge a pretexto (inspirada) na primeira.


Jornal da Noite, 8.º Ano, N.º 2231, de 22 e 23 de Maio de 1878, p.2.

Num jornal brasileiro (com "delay") diz-se que a Estudiantina que vem a Lisboa é a mesma
que esteve em Paris. Golpe publicitário ou estamos perante um grupo sucedâneo?
(O Cruzeiro (RJ), Ano I, 10 de Junho de 1878,  N.º 160, p.2.)


Estranha é a referência ao facto da "Fígaro" ter dado diversos concertos antes de vir para Portugal, já que as investigações até agora conhecidas, a par da nossa pesquisa, mostraram-se infrutíferas quanto a evidências explícitas da "Fígaro" em concertos.  Não se encontram referências nem à "Fígaro" nem ao seu maestro "Dionísio Granados", antes da presença em Portugal (nenhuma notícia de se estar a preparar, de estar em ensaios ou se prever a sua ida ao estrangeiro - algo pouco comum, diga-se). Seriam os tais concertos os dados, afinal, pela Estudiantina Española?

Da nossa investigação[3], sabemos que a Estudiantina Española, regressada de Paris, dá concerto no "Teatro Y Circo del Príncipe Alfonso", em Madrid", a 3 de Abril[4].

Depois surge uma notícia curiosa que refere que a Estudiantina Española que foi a Paris foi dissolvida:

"Se ha dissuelto por completo la estudiantina que estuvo en Paris.
Mejorará el estado sanitario"[5]

A última frase parece evidenciar que o autor da notícia tinha algo contra o grupo. Além disso, a verdade é que não se dissolveu, pois a Estudiantina Española volta a apresentar-se no dia 10 de Abril, no "Teatro de la Opera",  em concerto a favor da Associação Francesa de Socorros[6] e novamente no "Teatro Circo del Príncipe Alfonso" (também apelidado "Circo Rivas") em benefício dos estabelecimentos de caridade de Paris[7].

Estudiantina Española que esteve em Paris.
La Academia, Tomo III, N.º 14, de 15 de Abril de 1878 p.212


Estudiantina Española que esteve em Paris.
La Academia, Tomo III, N.º 16, de 30 de Abril de 1878, p. 253.


Temos igualmente uma notícia interessante que afirma que há uma nova estudiantina (pelos vistos de cariz misto):

"Teatro y circo del Príncipe Alfonso - Compania Arderius. - Universidad libre de enseñanza libre. - Curso de 1878. - En vista del extraordinario cuanto justo éxito obtenido po rla estudiantina española en Paris, la empresa de este teatro, deseosa siempre de colocarse á la altura de las circunstancias, ha contratado otra estudiantina que no duda merecerá de los madrileños la misma acogida que tuvo la otra de los praisienses.
Nota. Para evitar interpretaciones erróneas, esta estudiantina dara serenatas á toda la clase de personas, sin distincion de sexos, edad, ni opinion política.
Catedrático universal de mundologia, don Franscisco Arderius.
Alumnos y alumnas
Nombres y asignaturas: ..."[8]

Passando os olhos pelas lista de componentes, se percebe ser um grupo misto, de cariz  burlesco ("Arderius" aparece na imprensa caracterizado com bufon).

No dia 25 de Abril, temos a Estudiantina Española a dar concerto no Teatro Príncipe Alfonso"[9], assim como no dia 26[10] e no dia 30 (a favor dos náufragos da costa cantábrica)[11].

Sabemos que nessa altura, havia 7 estudiantinas em Madrid[12] (as quais se reuniram para concerto em favor das vítimas de um naufrágio ocorrido na Costa da Cantábria - já mencionado):

- Estudiantina intitulada Tuna de San Carlos;
- Antigua Tuna de Sán Carlos;
- La Simpática;
- Mefistófeles;
- Estudiantina Española;
- la Tuna escolar
- El Carnaval español.

Não há, como se pode ver, até esta altura (e já estamos no último dia de Abril), qualquer referência à existência de uma Estudiantina Fígaro. Parece, no mínimo, estranho, tendo em conta que o artigo português refere explicitamente que a "Fígaro" tinha já dado vários concertos, considerados grandes triunfos.
Dar-se-ia o caso da "Fígaro" ser um projecto organizado em segredo e que só se deu a conhecer quando partiu para Portugal? Pode ser que sim, mas parece pouco plausível que nenhuma notícia se encontre anteriormente sobre ela.

No dia 5 de Maio a Estudiantina Española está em Arranjuez, a dar concerto para a família real[13].
Sabemos, entretanto, mais 2 nomes de membros da Estudiantina Española que esteve em Paris (além de Zabaleta e Castañeda), e são eles os senhores Clemente Ibarguren e Eugenio Urranduraga[14].



La Correspondencia de España, Ano XXIX, N.º 7443, de 09 de Maio de 1878, p.2.


Em publicação de 15 de Maio, surge informação que adianta que foi dissolvida a Estudiantina que foi a Paris, e onde se afirma que o concerto dado á família real em Arranjuez, marcou a última aparição do grupo[15].
Em 16 de Junho (já a "Fígaro" estava a actuar há quase 1 mês em Portugal), é recebida, pelo Rei, uma comissão da "disuelta estudiantina Española"[16].

A primeira notícia que encontrámos da "Fígaro", em periódicos espanhóis, data de 21 de Junho, referente à sua passagem pelo Porto[17].


Não deixa de ser confuso.
Não podemos garantir a pés juntos que uma coisa deu na outra, mas dizer o contrário também carece de provas mais concludentes.
É estranho que, até à aparição da "Fígaro" em Portugal, pouco o nada se saiba dela antes e que possibilite traçar uma linha cronológica inequívoca.
Sabe-se que terá sido inicialmente contratada para ir a Paris e Londres (em Agosto), mas que se terá conseguido que antes passasse por Lisboa (onde esteve de Maio a fins de Julho)[18].
Portanto, a teoria de que a Estudiantina Española, que foi ao Carnaval de Paris possa, de alguma forma, ter evoluído para a "Fígaro" não é, de todo, descabida.
Faltam dados para esclarecer tacitamente todo este "mistério" que recai sobre esta fase "anónima" da "Fígaro, antes do seu primeiro concerto em Portugal, a 27 de Maio de 1878.


Fica aberta a questão para futuras linhas de investigação.





[2] Seria membro da Estudiantina? É muito provável.
[3] Que delimitámos entre a chegada da Estudiantina Española do Carnaval de Paris e a chegada da "Fígaro" a Lisboa.
[14] Boletin de Loterias y de Toros, Ano XXVIII, N.º 1420, de 13 de Maio de 1878, p.2 ; El Globo, Ano IV, N.º 943, de 13 de Maio de 1878, p.4 e que se pode contrastar com MARTÍN SÁRRAGA, Félix O. - Crónica del viaje de la Estudiantina Española al Carnaval de París de 1878 según la prensa de la época. Tvnae Mvndi, Artículos de Investigación. Vol. 2., 2016, pp. 5-55.
[18] Diário de Notícias (Lisboa), 14.º Ano, Nº 4414, de 27 de Maio de 1878, p.1.






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