Não é de agora que a teoria
de que a Estudiantina Española Fígaro é um "upgrade" da Estudiantina
Española que esteve no Carnaval de Paris, em
Março 1878.
Já tinha partilhado essa
desconfiança em 2015, com Félix Sárraga, mas que acabou por ele preterida, não
sendo abordada no artigo
em que colaborei.
Na altura, achei muito curto
que, após o sucesso da Estudiantina
Española, no Carnaval de Paris de 1878, tenha havido tempo suficiente para,
aproveitando a fama desse périplo pela capital francesa, um grupo ter surgido
do nada e a tempo de criar tudo quanto foi necessário para iniciar, em cerca de
2 meses, uma tournée europeia.
Não passa de conjectura, mas
alguns dados obtidos, permitem, pelo menos, analisar e explorar essa questão.
-------------------
Recordemos:
- A Estudiantina
Española regressa de Paris em finais de
Março.
- Em finais de Maio (ca. 2
meses depois), temos a "Fígaro" em Portugal a dar concertos, daí
seguindo (em Agosto) para Paris, Londres, Áustria, Alemanha, Itália...
-------------------------------------------------
Ora, entre finais de Março e
inícios de Maio, foi preciso arranjar elementos, confeccionar trajes
(copiados/inspirados da Estudiantina Española), elaborar um repertório
(suficientemente vasto) e ter os ensaios necessários.
Depois, era necessário
estabelecer os contactos para firmar contratos com os locais (teatros, salas de
espectáculo) onde iria apresentar-se, definindo alojamento, despesas, receitas
(que a "Fígaro" é um grupo que vai para ganhar dinheiro, como qualquer
outra companhia artística, independentemente de também fazer concertos
caritativos).
Nesse tempo só havia correio
e telegrafia e os promotores necessitavam quase sempre de se deslocar
previamente para falar, aferir condições, assinar documentos. Isso levava
tempo.
Foi possível tudo isso em 2
meses (nem tanto)?
Se foi, há que reconhecer que
faziam melhor do que na actualidade, onde mesmo com Internet, telefone, mails,
etc., dificilmente se consegue organizar a viagem de uma Tuna ao estrangeiro
assim tão expeditamente.
Ainda hoje, formar uma Tuna
de raiz, ter ensaios com repertório
musical exigente (peças instrumentais), ter traje próprio confeccionado, marcar
digressão internacional a vários países, etc., é virtualmente impossível em 2
meses.
Na sua edição de 13
de Abril de 1878[1], o periódico francês "Le Monde
Illustré", apresenta gravura (desenho de M. Vierge a partir de croquis
de M. Urrabieta[2]) de uma serenata feita pelos estudantes de Madrid ao embaixador de França em Madrid, em
reconhecimento do bom acolhimento feito em Paris à Estudiantina (mais adiante votaremos a isso).
Nessa altura, ainda nada se sabe da "Fígaro".
Além disso, ninguém conhecia
a "Fígaro" para a convidar assim de repetente. Teoriza-se que se terá
aproveitado da fama da Estudiantina Española, como que fazendo-se passar por
ela - o que terá facilitado e agilizado as coisas.
É possível que possa ter
havido esse aproveitamento, como é possível que, afinal, se tratasse de uma reconversão do grupo, com novos protagonistas, uma espécie de "trespasse".
E é esta uma teoria
plausível: o tal "upgrade", com mudança de
protagonistas, reajuste ao nome do grupo (e, quiçá - já que estamos no plano das conjecturas, o reaproveitamento dos trajes do primeiro grupo).
Se sabemos que a viagem a Paris e Londres estava a ser programada com antecedência (mais adiante o referiremos), como pode ter sido possível nada se saber? Teriam usado indevidamente o nome da Estudiantina Española ainda ela existia para contratualizar a sua ida ao estrangeiro (Portugal incluído)?
Não se pode descartar essa
possibilidade, especialmente quando confrontados com o seguinte artigo, que abaixo apresentamos, de um periódico português
que fomos encontrar na Biblioteca Nacional Brasileira:
Repare.se que o artigo refere
explicitamente que a "estudantina hespanhola DEU LOGAR á
organisação de uma sociedade de 22 professores que formaram em Madrid uma
orchestra de bandurras e guitarras (...) o sr. Juan Molina procura contratá-los
para os apresentar em Paris e Londres. Se o contrato se podesse effectuar a
tempo de poderem vir a Lisboa, era uma excelente acquisição".
Sabemos que a expressão
"dar lugar" pode ser lida sob três perspectivas: uma resultando noutra, que uma veio ocupar o lugar da outra ou que uma surge a pretexto (inspirada) na primeira.
Jornal da Noite, 8.º Ano, N.º 2231, de 22 e 23 de Maio de 1878, p.2. |
Num jornal brasileiro (com "delay") diz-se que a Estudiantina que vem a Lisboa é a mesma que esteve em Paris. Golpe publicitário ou estamos perante um grupo sucedâneo? (O Cruzeiro (RJ), Ano I, 10 de Junho de 1878, N.º 160, p.2.) |
Estranha é a referência ao facto da "Fígaro" ter dado diversos concertos antes de vir para
Portugal, já que as investigações até agora conhecidas, a par da nossa pesquisa, mostraram-se infrutíferas quanto a evidências explícitas da "Fígaro" em concertos. Não se encontram referências nem à "Fígaro" nem ao seu maestro "Dionísio Granados", antes da presença em Portugal (nenhuma notícia de se estar a preparar, de estar em ensaios ou se prever a sua ida ao estrangeiro - algo pouco comum, diga-se). Seriam os tais concertos os dados, afinal, pela Estudiantina Española?
Da nossa investigação[3],
sabemos que a Estudiantina Española,
regressada de Paris, dá concerto no "Teatro Y Circo del Príncipe
Alfonso", em Madrid", a 3 de Abril[4].
Depois surge uma notícia curiosa que refere
que a Estudiantina Española que foi a
Paris foi dissolvida:
"Se ha dissuelto por completo la
estudiantina que estuvo en Paris.
A última frase parece evidenciar que o
autor da notícia tinha algo contra o grupo. Além disso, a verdade é que não se dissolveu, pois a Estudiantina Española volta a
apresentar-se no dia 10 de Abril, no "Teatro de la Opera", em concerto a favor da Associação Francesa de
Socorros[6]
e novamente no "Teatro Circo del Príncipe Alfonso" (também apelidado
"Circo Rivas") em benefício dos estabelecimentos de caridade de Paris[7].
Estudiantina Española que esteve em Paris. La Academia, Tomo III, N.º 14, de 15 de Abril de 1878 p.212 |
Estudiantina Española que esteve em Paris. La Academia, Tomo III, N.º 16, de 30 de Abril de 1878, p. 253. |
Temos igualmente uma notícia interessante que afirma que há uma nova estudiantina (pelos vistos de cariz misto):
"Teatro y circo del Príncipe
Alfonso - Compania Arderius. - Universidad libre de enseñanza libre. - Curso
de 1878. - En vista del extraordinario cuanto justo éxito obtenido po rla
estudiantina española en Paris, la empresa de este teatro, deseosa siempre de
colocarse á la altura de las circunstancias, ha contratado otra estudiantina
que no duda merecerá de los madrileños la misma acogida que tuvo la otra de los
praisienses.
Nota. Para evitar interpretaciones
erróneas, esta estudiantina dara serenatas á toda la clase de personas, sin
distincion de sexos, edad, ni opinion política.
Catedrático universal de mundologia, don
Franscisco Arderius.
Alumnos y alumnas
Nombres y asignaturas: ..."[8]
Passando os olhos pelas lista de
componentes, se percebe ser um grupo misto, de cariz burlesco ("Arderius" aparece na imprensa caracterizado com bufon).
No dia 25 de Abril, temos a Estudiantina Española a dar concerto no
Teatro Príncipe Alfonso"[9],
assim como no dia 26[10]
e no dia 30 (a favor dos náufragos da costa cantábrica)[11].
Sabemos que nessa altura, havia 7
estudiantinas em Madrid[12]
(as quais se reuniram para concerto em favor das vítimas de um naufrágio
ocorrido na Costa da Cantábria - já mencionado):
- Estudiantina
intitulada Tuna de San Carlos;
-
Antigua Tuna de Sán Carlos;
-
La Simpática;
- Mefistófeles;
- Estudiantina Española;
-
la Tuna escolar
-
El Carnaval español.
Não há, como se pode ver, até esta
altura (e já estamos no último dia de Abril), qualquer referência à
existência de uma Estudiantina Fígaro.
Parece, no mínimo, estranho, tendo em conta que o artigo português refere
explicitamente que a "Fígaro" tinha já dado vários concertos,
considerados grandes triunfos.
Dar-se-ia o caso da "Fígaro"
ser um projecto organizado em segredo e que só se deu a conhecer quando partiu
para Portugal? Pode ser que sim, mas parece pouco plausível que nenhuma notícia
se encontre anteriormente sobre ela.
No dia 5 de Maio a Estudiantina Española
está em Arranjuez, a dar concerto para a família real[13].
Sabemos, entretanto, mais 2 nomes de
membros da Estudiantina Española que esteve em Paris (além de Zabaleta e
Castañeda), e são eles os senhores Clemente
Ibarguren e Eugenio Urranduraga[14].
La Correspondencia de España, Ano XXIX, N.º 7443, de 09 de Maio de 1878, p.2. |
Em publicação de 15 de Maio, surge informação
que adianta que foi dissolvida a Estudiantina
que foi a Paris, e onde se afirma que o concerto dado á família real em
Arranjuez, marcou a última aparição do grupo[15].
Em 16 de Junho (já a "Fígaro"
estava a actuar há quase 1 mês em Portugal), é recebida, pelo Rei, uma comissão
da "disuelta estudiantina Española"[16].
A primeira notícia que encontrámos da "Fígaro", em periódicos espanhóis, data de 21 de Junho, referente à sua passagem
pelo Porto[17].
Não deixa de ser confuso.
Não podemos garantir a pés juntos que
uma coisa deu na outra, mas dizer o contrário também carece de provas mais
concludentes.
É estranho que, até à aparição da
"Fígaro" em Portugal, pouco o nada se saiba dela antes e que
possibilite traçar uma linha cronológica inequívoca.
Sabe-se que terá sido inicialmente
contratada para ir a Paris e Londres (em Agosto), mas que se terá conseguido
que antes passasse por Lisboa (onde esteve de Maio a fins de Julho)[18].
Portanto, a teoria de que a Estudiantina
Española, que foi ao Carnaval de Paris possa, de alguma forma, ter evoluído
para a "Fígaro" não é, de todo, descabida.
Faltam dados para esclarecer tacitamente
todo este "mistério" que recai sobre esta fase "anónima" da "Fígaro, antes do seu primeiro concerto em Portugal, a 27 de Maio de 1878.
Fica aberta a questão para futuras
linhas de investigação.
[2] Seria
membro da Estudiantina? É muito
provável.
[3] Que delimitámos
entre a chegada da Estudiantina Española
do Carnaval de Paris e a chegada da "Fígaro" a Lisboa.
[14] Boletin de Loterias y de Toros, Ano XXVIII, N.º 1420,
de 13 de Maio de 1878, p.2 ; El
Globo, Ano IV, N.º 943, de 13 de Maio de 1878,
p.4 e que se pode contrastar com MARTÍN SÁRRAGA, Félix O. - Crónica del viaje de la Estudiantina Española al Carnaval de París de 1878 según la prensa de la época. Tvnae Mvndi, Artículos de Investigación. Vol. 2., 2016, pp. 5-55.
[18] Diário de Notícias (Lisboa), 14.º Ano, Nº
4414, de 27 de Maio de 1878, p.1.
Sem comentários:
Enviar um comentário