Os
anos vividos trazem certamente um olhar diferente sobre as coisas.
Aliás,
o distanciamento que o tempo, e por vezes a própria vida, facultam, trazem-nos,
por outro lado, aquilo a que se chama de olhar isento.
Muitos
de nós viveram, porque próprio da idade e contexto, a febre da premiação e a
ilusão de que um currículo repleto de prémios em certames conferiam ascendente
e eram, de certa forma, a afirmação cabal da maioridade artística da nossa
Tuna.
Não
há como fugir a isso: acreditámos que muita da legitimidade inter-pares se
alcançava pela ostentação de uma lista de certames ganhos; uma espécie de
"pedigree" (ou, em casos mais raros, uma legitimação para "mijar
fora do penico").
É
óbvio que há um conjunto de certames nacionais que se afiguram como uma espécie
de "Grand Slam", dada a sua historicidade, e que ter ganho um deles,
ou todos, coloca o grupo como que num "Walk of Fame" tuneril.
Não
podemos negar a importância, embora relativa, que vencer prémios em festivais
de tunas (nomeadamente em alguns) confere, pelo menos a curto prazo.
Também
não se pode minorar, de todo, que foi a competição que levou muitas das nossas
Tunas a melhorarem e isso ter contribuído para alcançar, tantas vezes,
patamares de excelência e.....outras tantas vezes, patrocinar deturpações e
desvios da tradição tuneril (há que o dizer e reconhecer sem pejo algum).
Mas,
a médio e longo prazo, todas essas vitórias, todas essas taças, campeonatos,
derbys são efectivamente lembrados? Servem que propósito para lá do fim imediato em si próprio?
Vanitas vanitatum.
A
Tuna é bem mais do que isso e o seu prestígio, aquilo que, aliás, a ela nos agarra, está bem para lá disso, mesmo se, no quotidiano do empírico strictu, a
premiação seja o motor que alimenta e agrega.
Com
o tempo, vamos inexoravelmente elegendo outros cernes e o que parecia essência
passa para segundo plano (quando não é mesmo obliterado).
Se
perguntarmos, muito honestamente, a qualquer tuno, para elencar, assim de
repente (sem consultar a net) as tunas vencedoras de um FITU, de um TUIST,
FESTUNA, Tágides, CELTA, Bracara Augusta, Canto da Sereia, Oppidana, Lethes,
Bocage ou FITUA, entre outros, é muito provável que a coisa fique muito curta.
Lembrar-se-á certamente daquele(s) em que participou ou assistiu e um ou outro
mais, assim avulso. Poderá, certamente, também lembrar-se de alguns prémios
nesses certames, especialmente os da sua tuna - caso tenha participado e ele
tenha estado.
E
retenho a última parte da frase anterior "ele tenha estado".
Sejamos
honestos: salvo as tunas ainda na infância, a larga maioria dos muitos prémios
ganhos pela própria tuna também se vão diluindo na memória dos próprios
membros. Se os viveram, é menor o índice de falhas de memória (mas que acabará
por falhar também). Se fazem parte da Tuna em altura posterior, é mais que
provável que pouco mais saibam do que aquilo que qualquer um pode ler nos
historiais publicados (na verdade, duvido, até, que alguém ande a ler a lista
de prémios publicadas, seja de que tuna for).
Isto
para dizer o quê?
Simplesmente
para constatar um facto: os prémios, o longo currículo (que hoje já não caberia
nos libretos que antigamente os certames editavam), acabam por ser mais para
consumo interno do que algo a que as demais Tunas prestem atenção (e o público
em geral, então, passa totalmente ao lado, diga-se).
Na
verdade, salvo o arquivista, o tipo "nerd" que adora decorar a
história da Tuna ou aqueles que, como alguns procuraram desastradamente fazer
em tempos, patrocinam um suposto "Ranking ATP de Tunas", ninguém quer
saber.
Na
verdade, a galeria da fama, que muitas das tunas orgulhosa, e merecidamente,
ostentam nas suas sedes, acaba por ser mais um tipo de rito interno para elevar
a auto-estima e impressionar os novatos.
Olhar
para a história gloriosa das conquistas e apelar ao sentido de compromisso e
dever de dar continuidade ao legado, é a principal função das vitrines que
narram prémios, histórias......memórias que deixarão contudo de ser conhecidas,
quando os protagonistas deixarem de as contar.
Se o enfoque for excessivamente colocado na ideia de que servem para recompensar o esforço dos tunos nos ensaios, é capaz de ser, por outro lado, um edificar em terra argilosa.
Se o enfoque for excessivamente colocado na ideia de que servem para recompensar o esforço dos tunos nos ensaios, é capaz de ser, por outro lado, um edificar em terra argilosa.
Se
perguntarmos aos tunos deste século, quem venceu a primeira edição competitiva
do FITU, do Bracara, do CELTA, do FITA, do FITUV ...
Isto
para dizer que a Tuna não vale pelo número de taças a ganhar pó nas vitrines.
Certamente que uma tuna normalmente vencedora ao longo de muitos anos, em
diversos certames, tem menor probabilidade de cair no esquecimento, mas há
muitas mais coisas que concorrem para dar nome, dar fama e preservar a memória.
Ninguém
certamente tem ideia alguma da longa lista de prémios da EUC, mas certamente
que a conhecem pelos seus temas[1].
E a
par de temas que se tornam intemporais[2],
a organização do único concurso de Tunas em Portugal, como é o caso da TUP[3]
(OUP)[4],
ou ainda a "Mulher Gorda", que a EUL transformou num hit nacional.
Uma
Tuna Académica de Évora, que organizou o primeiro ENT (Encontro Nacional de
Tunantes), ou a Templária, que acolheu o primeiro jantar do PortugalTunas, ou,
ainda, o CD duplo do II e III TUIST.
Na
verdade, quando se olha a Tuna portuguesa sob o ponto de vista de factos
históricos notáveis, a larga maioria não será certamente preenchida com
vitórias e premiações em certames.
Quem
estudar as tunas do "boom" daqui a 100 anos, não irá certamente
elencar os prémios.
O
que será deixado a perdurar?
As
fontes mais resistentes serão as fornecidas pela imprensa (pelso periódicos[5]),
por libretos, por documentos, fotos impressas[6],
por livros (memórias, crónicas, estudos, foto-biografias[7]...),
pela discografia editada... Duvido muito que seja a Net o repositório
intemporal (tanto assim é que a aventura de elaborar o "Qvot Tvnas"
demonstrou precisamente que o que se mete na Net tende a desaparecer em poucos
anos).
O
que coloca, então, a Tuna no memorial granítico do tempo?
Certamente
que um pouco de tudo, mas especialmente o que conseguir ficar impresso[8],
o que sobreviver à carne[9].
Não será, estou certo, a parte do currículo relativo a prémios.
Esta
longa reflexão vai na linha do que tenho defendido há vários anos, na exacta
medida em que vamos, com o tempo, ganhando uma certa equidistância das coisas:
há uma "festivalite" instalada que tem marcado de maneira quase
ominipresente, a vivência do negro mester.
Se
ela é própria em determinado momento da vida (e tem o seu espaço e as suas
virtudes), deixá-la fluir depois disso tira-nos a possibilidade de ver para lá
desse curto e ilusório horizonte.
Importa
olhar a Tuna não como uma equipa competitiva cujo fito é amealhar taças. Isso,
como é facto, não é senão glória passageira e efémera.
O
que deixaremos de nós, depois de nós?
[1] Os seus dois
primeiros discos são, na verdade, o seu maior legado intemporal.
[2] Como o
"Ondas do Douro" da TUP ou "Barco de Aveiro" da TUA, entre
outros.
[3] Que
também pode ser lembrada pro ter sido a primeira a vencer um certame em
Espanha.
[4] Assim
como a tuna que o venceu: TAULP.
[5] Que os
fundos, bibliotecas e hemerotecas preservam.
[6]
Publicadas em revistas, livros, jornais ou simplesmente guardadas em álbuns.
[7] Algumas
tunas possuem já algum material publicado.
[8] O que se
conseguir, de algum modo, preservar (e manter público) digitalmente por
décadas.
[9] Recorda-me
isto uma passagem do filme "Tróia", em que a mãe de Aquiles lhe diz
que se ele não partir para a guerra, terá descendência e, quando morrer, será
lembrado pelos filhos e pelos netos, mas depois dos bisnetos cairá no
esquecimento. Mas que se partir, morrerá, mas será lembrado para a eternidade
(porque será narrado nas crónicas, nos contos, nos romances, nos livros de
história).
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