domingo, 22 de novembro de 2009

O flagelo da "tunite"



Passadas pouco mais de 2 décadas sobre o ressurgimento do fenómeno tunante, temos vindo a apercebermo-nos, ainda que amiúde, do facto deste fenómeno ter entrado numa certa fase de regressão onde se vai notando o esbater, o abrandar do fôlego e ímpeto, quase eufóricos, que subsidiaram o denominado "boom" da década de 80, e inícios de 90, do século passado.
Com a formatura das primeiras gerações tunantes, e como desgaste provocado pela escassez de sangue novo, as nossas tunas envelheceram rapidamente.

Dizia-se, no último ENT, que a nossa comunidade, contrariamente ao registado no país vizinho (onde o processo de maturação cobriu todos os passos naturais), conseguiu, em 2 décadas, o que outros precisaram em 100 anos de experiência: nascemos, com um fulgor tal fogo de palha, multiplicámo-nos (superando qualquer baby-boom), estabilizámos, estagnámos e, por hora, entrámos na fase do envelhecimento (precoce).
Obviamente que, como referia o Ricardo Tavares, o facto de termos atalhado caminho e ignorado hiatos temporais e experienciais, impediu-nos uma maturação paciente, suportada e verdadeiramente, enraizadora (colmatando a brechas com invenção engenhosa: uma peneira a tapar o sol).
Muitos castelos de arreia vão ruindo, na exacta medida em que foram criados.

Actualmente, parece começar a ser preocupação generalizada o facto de muitas tunas estarem já mais a sobreviverem e tentarem não se extinguirem, do que outra coisa qualquer, ou com uma média de idades já respeitável.
Estamos perante uma "Tunite", sinal dos tempo e, certamente cíclica; algo que a história já demonstrou cabalmente no passado, após o primeiro grande fenómeno tunante em Portugal.

No último ENT, sob o tema das Quarentunas e Tunas de Veteranos, ficou bem patente essa preocupação, a qual levou alguns, menos avisados e ponderados, a misturar conceitos e assuntos. Embora o tema versasse sobre os formatos existentes para os que recuperam a sua velha capa e instrumento, depois de mais, ou menos, longa ausência da vida tunante, muitos foram os que ali quiseram, antes de mais, extrair soluções para evitar a extinção dos seus grupos - coisas distintas, é facto.

Como já dito, o tema das Quarentunas, e equiparados, é demasiado "quente", ainda, para ser alvo de estudo e de fórmulas inequívocas, nomeadamente no seio daqueles que ainda pensam mais com o coração do que com a razão.

Ora, essa questão da durabilidade de projectos, o problema na manutenção das tunas deveria ser encarado com uma maior razoabilidade.

Se a Tuna chega ao fim da linha, pelos mais diversos motivos, há que saber, antes de mais, dar-lhe condigno fim, ao invés de esticar a corda a ponto de criar, nos demais, aquele sentimento de compaixão quando se compara o que foi o grupo e aquilo em que se tornou por teimosia de alguns que, embora bem intencionados, acharam haver elixir da juventude para toda e qualquer ruga ou falência generalizada dos órgãos.

Achei, pessoalmente, incoerente que, no país vizinho, houvesse quem defendesse que as quarentunas de faculdade (nomeadamente as que derivam das tunas de origem) teriam a obrigação moral (pelo menos) de evitar a extinção da tuna de onde eram oriundos, tocando com os mais novos, assegurando, por todos os meios, a sobrevivência.
Obviamente que a história, nomeadamente em Espanha, é rica de exemplos de tunas extintas, e de quarentunos cuja tuna de origem (onde começaram) já há muito não existe. É a lei natural da vida; não vejo por que razão fazer disso um drama, por mais triste que nos possamos sentir (nomeadamente quando falamos de grupos que ajudámos a fundar).
Sei do que falo, pois a minha primeira tuna, a da minha universidade, já há muitos anos que se extinguiu.

Querer, teimosamente, prolongar a vida, só porque sim, parece-me um exercício compreensível (do ponto de vista sentimental), mas pouco certo, quando racionalizado.

Pior, ainda, quando pensamos naqueles que defendem as quarentunas como garante da continuidade das tunas de faculdade, prefigurando uma espécie de aparelho de suporte de vida, onde a tuna é entubada e faz respiração artificial e é alimentada por sonda gástrica e litros de soro.

No ENT, foi notória aquela pergunta, a jeitos que de revolta e mágoa, traduzida num "E agora, para onde vou, o que faço?". Bem sabemos que, a determinada altura, uns quantos se afastam e ficam uns resistentes a querer, a toda a força, obrigar o carro a andar só porque ainda tem rodas e carroçaria.
Entendendo o que irá na alma de muitos desses tunos, não podemos deixar de dizer: "Parte para outra!".

É nesse âmbito que se inserem, por exemplo, as tunas de veteranos/quarentunas, quando uns quantos, depois de afastados de um contexto próprio que já passou (seja por extinção, seja por qualquer outra razão que tenha ditado o afastamento), recriam o mester, juntamente com outros em situação igual ou parecida (antigos tunos que já não militam, há muito, nas tunas de origem), mas já em moldes mais adequados a uma situação muito própria, em moldes mais adaptados aos tunos (e não o contrário, onde eram os tunos adaptados ao molde Tuna).
Haja, contudo, o discernimento para se perceber que tunas de veteranos ou quarentunas não são prolongamentos ou "franchisings", antes um modelo diferente, em contexto, também ele diferente, e não necessariamente agrupando apenas tunos provindos do mesmo grupo de origem. Estas tunas "vintage" não ocupam lugar de ninguém senão o seu, tal como o avó não ocupa o lugar de filho ou de pai.
As tunas de veteranos/quarentunas não são, também, upgrades para subsituir, antes um lugar de partilha saudosa e reavivar de memórias, ao ritmo de quem nelas milita.
Mas se a situação não se coaduna com a ideia de veteranos, há sempre a possibilidade de ingresso noutra tuna, de criação de uma nova (mesmo que com menos elementos), ou adopção de projectos paralelos, ao jeito dos Sabandeños ou Gofiones, de que os "Lusíadas" são um exemplo português por excelência.

Assim, por mais que custe (e reconheço o facto), quando é chegada a hora, haja o bom-senso de dizer: chegou a hora, acabou!
Extinguiu-se a nossa querida tuna, que tanto nos deu, a quem tanto demos....... paciência, é a vida!
Que fiquem, antes de mais, as imagens de uma tuna que sai pela porta grande, do que uma longa doença terminal que cria mais dor, empalidece a imagem e reputação, cria cisões e, acima de tudo, leva a cuidados "paliativos" escusados (porque doentes terminais são isso mesmo) e a um gasto de cinergias que teriam melhor emprego em projectos alternativos ou noutros formatos tunantes.
Cuidados paliativos em Tuna são esconder ao corpo os problemas levando-o a utopias e ilusões que agravam, mais do que ajudam a tomar decisões, que mesmo dolorosas, são necessárias. desligar a máquina.

Haverá uma idade para tudo, e um fim para tudo. "Nada se perde, tudo se transforma", dizia Lavoisier. A cada um compete saber quando.
O facto das Quarentunas terem estabelecidos os 40 anos como idade mínima (pois poderiam ser cinquentunas, por exemplo), e as tunas de veteranos outra fórmula qualquer, não é imposição que faça bitola (poderá, um dia, sê-lo, quiçá - mas ainda é cedo para essa discussão), até porque é uma determinação para o próprio grupo, e não uma reforma automática que obrigue, seja quem for, a reformar-se chegando a esta ou aquela idade, a este ou aquele patamar.

No ENT de Castelo Branco, esperavam, alguns, medidas miraculosas e soluções de largo espectro para o evitar das mortes anunciadas, elixires de juventude para projectos moribundos ou em conjectura de dificuldades de recrutamento e renovação.
Não as há. Cada qual, na sua realidade e contexto, deve procurar solucionar o melhor que puder e souber. E quando não for possível, será, provavelmente, porque não há mesmo como, restando dar espaço ao curso natural das coisas.

Umas vezes operam-se milagres, novas gerações salvam a coisa e ressuscitam o projecto, outras chegam ao fim da linha, e nada a fazer.

O tempo em que as tunas encantavam, a euforia de há uns anos já passou, tendendo o fenómeno a estabilizar, embora isso também se faça à custa da chamada selecção natural, à custa da extinção de muitos grupo (e nascimento de outros, porventura), de reajustes, de mudança.
O tempo dirá de sua justiça.

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