sexta-feira, 2 de maio de 2008

Repertórios/Alinhamentos tunantes

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À hora que redigo estas breves linhas, estou comodamente sentado numa esplanada, bebendo uma bejeca e aproveitando a sobrinha preciosa e a aragem fresca que tornam tão saboroso este fim de tarde.
Esta é uma altura de alguma descompressão, para mim pelo menos, apesar de ainda estarem, algo, distantes as tão desejadas férias.
Agora, como mais tempo, decidi escrever sobre repertórios.

Todos nós estamos plenamente cientes do quão difícil é o definir de um alinhamento musical para um espectáculo, mas acima de tudo o urdir de um repertório que marque uma temporada, ou seja o plano musical estipulado para ser executado ao longo do ano.

Quando a Tuna inicia o seu ano de actividades, convirá desenhar um conjunto de temas a serem executados (já prontos); dessa lista serão, então sim, escolhidos os que melhor se coadunam com a natureza desta ou daquela actuação/espectáculo.
Deste modo, existirão, à partida, dois repertórios: o alargado - que assume as funções de cancioneiro da tuna (conjunto de todos os temas executáveis/sabidos) e o restrito, alinhamento constituído pelos temas eleitos para determinada actuação (que pode variar, conforme a natureza do evento, público, etc.).
A estes dois itens, convirá não esquecer a necessidade de definir o conjunto de temas a serem preparados, com vista à sua inclusão no cancioneiro (constituindo-se possibilidade de serem “convocados”) e posterior execução (quer para palco, quer para serem executados fora deste - como temas lúdicos e de cariz informal).

É certo que, depois, os novos temas podem ser agrupados para constituírem um alinhamento, per si (o que sucede na apresentação de um novo repertório ou, por vezes, na edição de um CD), ou então serem introduzidos gradualmente, a par com temas mais antigos.

Mas se assim é – e nada disse de novo, o que importará reflectir é aquilo que constitui o alinhamento num determinado espectáculo. Se é certo que uma tuna pode possuir vários repertórios pré-definidos, não deixa de importar o questionar da sua lógica e dinâmica temática e musical.

Que critérios assistem à elaboração e definição de um repertório numa tuna e quem define o mesmo?

A questão do repertório vem na sequência da experiência empírica e reflectida do muito que já vi e ouvi, bem como da própria experimentação.

O que melhor convém à tuna, nomeadamente num certame competitivo (e falo deste caso por ser aquele onde se reconhece haver maior cuidado, bem como ser o evento onde mais vezes se podem observar tunas a tocarem um repertório minimamente preparado e definido com tempo)?

Bem sabemos que, e como já salientava o Eduardo Coelho no ENT de Viseu, as regras de uma boa rádio é, num conjunto de 3 músicas, emitir um tema reconhecido, depois um sucesso do momento e, então sim, entremear com uma estreia/inédito.
Se olharmos por esse prisma – que pessoalmente acho apropriado, no que concerne a uma boa gestão da relação e dinâmica tuna/público, então estaremos a falar na necessidade das tunas moderarem na quantidade, por vezes excessiva, de executarem originais a metro.
Por outro lado, tal diz-nos que o lugar dos covers ou sucessos tunantes (que se deixaram de ouvir em palco, infelizmente) deve ocupar 2/3 do nosso repertório, de modo a potenciar o que, depois, a tuna apresenta como seu.

Pessoalmente defendo essa tese, mesmo se ela é, reconhecidamente, desmontável, mediante os mais diversos argumentos (que eu poderia subscrever, já que também sou autor/compositor), daí que não é líquido - nem tal deve ser tido como dogma ou receita infalível.

Mas, mais do que isso, queria abordar a questão do fio condutor, do litmotiv musical que serve de esqueleto ao espectáculo.
Pelo que muito vi, e ouvi, uma grande parte daquilo que as tunas constroem em termos de alinhamento não passa de uma “manta de retalhos”, onde os temas se sucedem sem qualquer relação entre si, sem qualquer gradação temática, cénica ou musical (sem nexo, para ser mais exacto).
O que, por norma, acontece, é que os temas entram no alinhamento à medida que são escolhidos/criados e ensaiados, sendo que são estes que subordinam o repertório e não o contrário: repertório (plano) que estabelece os critérios de escolha das músicas a serem executadas.
Assim, assiste-se a uma cultura do “improviso” e “casualidade”, onde o repertório fica ao sabor da “espontaneidade” (um elemento que acha aquele tema giro e o traz para o grupo – e aí, conforme a sua influência neste, o tema sobre nas prioridades das músicas a serem ensaiadas) ou da inspiração “acidental” (onde se repete o mesmo processo – o peso que cada um tem na tuna ajuda, e muito, a ultrapassar, ou não, as “listas de espera”, quando as há).

Será que a mera qualidade/beleza dos temas, em si, justifica a sua inclusão “desordenada” ou meramente cronológica?
Pessoalmente, julgo que não. O que pode ganhar em diversidade, perde numa certa homogeneidade de sentido e pertinência (mesmo se, como já disse, nem sempre isso é líquido).

A que deve “subordinar-se” o repertório/alinhamento de determinado espectáculo?
A meu ver, há que estabelecer objectivos: o que pretende a tuna transmitir ao público? Que mensagem e em que moldes?

É no traçar de metas que o repertório ganha textura e sentido; e aí existe uma multiplicidade de possibilidades e variantes a explorar: podemos levar o público a fazer uma viagem pela nossa lusofonia, abordar o tema das descobertas, prestar homenagem à Amália Rodrigues, ao fado de Lisboa, à marcha popular ou canção ligeira, à música popular, aos estudos e vida de estudante, ao amor (retratando os vários passos da sua conquista, perda, reencontro, etc.), ……..

Dir-me-ão, então, que falo de temática. Falo mesmo!
Mas se importa pintar um assunto, uma mensagem – que se pretende transmitir, convirá não esquecer a moldura.
Aí falarei de dinâmica musical.

Um espectáculo que passa pela conhecida “rajada de metralhadora” agasta, cansa e perde. Nenhum tema pode ser igual ao anterior na intensidade, sentimento e forma de abordagem. Não pode ser tudo a metro e tudo de rajada!

A escolha da temática deverá levar em linha de conta, também, esse suporte. Uma sucessão de músicas tristes e “choradas” poderá ter um resultado indesejado, do mesmo modo que temas de deixar a plateia aos pulos, de princípio ao fim, cansará e eclipsará os temas de permeio.
Assim, importa estabelecer uma gradação, ou pelo menos exponenciar momentos, gerindo sentimentos e empatias (com mais ou menos picos).
Importa por o público à escuta, perceber como deixá-lo a sambar nas cadeiras, tal como o por "em sentido", mas tudo de um modo que potencie cada parte, cada tema, para que cada um se constitua único.

Numa visão mais global, haverá que determinar um princípio, meio e fim, onde tal se perceba, num esforço de gestão do espectáculo, do público e, não o esqueçamos, da própria tuna.
A tudo isto, a pertinência dos aspectos cénicos que servem, também, de moldura e são potenciadores do produto musical, ajudando a criar laços entre o palco e as coxias.

A quem cabe definir tudo isso?

Cabe, em primeira instância, à tuna, a qual precisa de estar em consonância e harmonia, a qual precisa de se identificar e gostar daquilo que toca e canta – definindo um tema ou área temática. Depois, ao Magister ou conselho artístico, a quem compete a escolha e preparação dos temas a serem trabalhados, mediante critérios que confiram senso, pertinência e qualidade ao espectáculo, conquanto encontrem, também, eco nos demais tunos (embora, nestas coisas, não se possa deixar tudo ao sabor da democracia, posi cada cabeça sua sentença e para alguma coisa serve quem está indigitado para coordenar os aspectos musicais e artísticos).

Tudo isso é algo que se define no “antes” e nunca no “depois” – e raramente no “durante”.
Planificar, com tempo, é, ainda o método mais seguro de construir bem, ou menos mal!!!!


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Tunas e Carnaval



Após algum tempo de paragem – sempre útil para criar algum distanciamento e maior discernimento, de novo me sento no scriptorium para tecer mais uns quantos considerandos (desde já pedindo desculpa aos leitores deste blogue pela ausência – mais prolongada do que esperado).

Esta quadra carnavalesca, a qual passei na minha bela Viseu, proporcionou-me tempo para algumas reflexões sobre o papel da Tuna portuguesa e a função que a mesma foi assumindo, pelo menos de há 1 século e pico a esta parte.
Ouvi, nestes dias, numa estação televisiva, que os festejos do nosso carnaval ("carne vale": vale comer carne, antes das renúncias quaresmais), em muitos pontos do país, estavam a arrepiar caminho, reabilitando as suas formas mais primitivas e genuinas , em detrimento desta “globalização” que presta vassalagem ao samba carnavalesco do outro lado do charco. Deste modo, cada vez mais são as manifestações do entrudo bem português e as diversas formas da sua vivência – num claro regresso às origens e retoma das nossas tradições e identidade muito nossas.
Se assim é, de facto, e há necessidade de não delapidar o que é nosso (sem que isso impeça os corsos e festejos mais similares ao carnaval carioca), promovendo a nossa cultura ancestral, não posso esquecer o que aprendi sobre Tunas e o seu papel de proa, no passado, como animadoras, participantes e imagem bem presente nas celebrações efusivas destes loucos dias de jocosa parafernália de sons, partidas e brincadeiras várias. Com efeito, são muitas as referências às tunas de mãos dadas com o Carnaval e, para não ir mais longe, citaria a Tuna do OUP, quando, no seu historial refere "Mais tarde, no Carnaval de 1897, realiza nova digressão a Espanha, apresentando-se em Santiago de Compostela..." (in Site do OUP)
Onde estão as nossas tunas, nessa que, historicamente, é a época mais propícia ao desfile, à mostra e promoção do “correr la tuna”?


Nota: Recordemos que muitas tunas, nomeadamente em espanha, se fundaram em época carnalesca, como é o caso da Estudantina/Tuna Compostelana criada no Carnaval de 21 de Fevereiro de 1876 ou a Tuna de Múrcia em 1932. É facto que, antigamente, as tunas surgiam de forma espontânea para responder a certos eventos, como o Carnaval, extinguindo-se/desmobilizando-se de seguida. Mas não são poucas as que, posteriormente á sua criação espontãnea, acabaram por prolongar a sua existência, institucionalizando-se.
Também por cá, há inúmeras referências à Tuna ligada ao carnaval.


Como certamente sabem, as tunas eram, noutros tempos, em ambos os lados da fronteira, presença assídua dos desfiles de carnaval, bem como nas diversas actividades ligadas a esses dias de permissividade (entremezes, representações, sátiras, saraus, representações, bailes e concertos) onde todos os excessos eram tolerados (no caso das tunas, digamos que seriam “mais tolerados” do que o costume), sendo os tunos os timoneiros das pantomínias e demais expressões das celebrações que antecedem a Quaresma.
Uma altura em que se comia e bebia sob os auspícios de muitos comerciantes mecenas (nomeadamente os das tabernas), se largavam uns trocos aos bonacheirões tunos que estendiam a mão (neste caso os chapéus ou capas) para pedir “ajudas de custo” (já que não tenho conhecimento de haver propriamente laivos de mendicidade à boa maneira sopista de outros tempos).

Recordo com saudade, nesse âmbito, uma ida da minha Tuna até terras de Cuidad Rodrigo.
Após termos amealhado um pé de meia nas muito recompensadoras Janeiras que cantáramos de porta em porta, rumámos àquela urbe com o único intuito de festejar o carnaval del toro que é lá muito afamado. A convite de ninguém, apenas porque assim nos aprouve, fomos um pouco à sorte procurando diversão e um momento de convívio e festa. Arranjámos um sítio para pernoitar e, depois, foi desfrutar pelas ruas, cantando e tocando, juntando-nos às centenas de foliões que enchiam as ruas.
O facto é que tal não passou desapercebido e, sem o esperarmos, estávamos no salão nobre da cidade, recebidos pelo Alcaide local que nos presenteou com alguns regalos. Daí em diante, passáramos a ser uma das atracções ambulantes dos festejos. Onde fossemos era choverem convites para tocar, comendo e bebendo à borla nos muitos “tascos” que pululam naquelas tão peculiares ruelas.
Regressámos a Viseu cansados, mas satisfeitos por aquela que foi a primeira grande aventura enquanto tuna, e logo à boa maneira tradicional, revestindo aqueles dias da verdadeira espontaneidade tunante e revivendo o que, no passado, fora uma tradição muito apreciada por todos (e reconhecidamente a época estival das tunas por excelência), com claros ganhos para a imagem e promoção da Tuna.

Pelo seu carácter irreverente, folião, extrovertido e popular - através da sua música, do seu modo de estar (pelo contacto com a população), não encontro, para mim, lugar mais adequado, do que a época do Carnaval para a nossa Tuna se mostrar e aproximar da sociedade - que não se resume à que compra bilhete ou senta o “dito” num banco de auditório. Por que razão, então, existe tal omissão e vazio tunante nestes festejos?

A Tuna vive demasiadamente confinada a teatros e auditórios, quando seu lugar é, também, na rua, nas tascas, sob balcões, varandas e janelas, no meio da praça , disputando amizades ao invés de “mendigar”, por vezes belicosamente, taças e medalhas que ficam à mercê do pó - só para obter “pedigree”).
O lugar das tunas é também no contexto beneficente (que é uma das características mais antigas do seu mester).

Voltem as tunas ao Carnaval, deixando-se de alguma “presunção elitista” e "festivalite aguda"! Saiam do salões, auditórios e teatros, que cheiram a mofo, esquecam, por momentos, as competiçõese os profissionalismos excessivos e venham divertir, e divertir-se, venham ser Tunas para o verdadeiro palco: a rua; para o verdadeiro júri: o povo anónimo!!!

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Originais ou covers tunantes?



Por diversas vezes me tenho confrontado com opiniões, por vezes belicamente opostas, entre os que defendem a maior importância, em Tuna, dos originais e aqueles que, pelo contrário, acham que a Tuna, neste particular, não tem maior valia por tocar e reinterpretar temas alheios.

Sendo eu autor/compositor de diversos temas nessa área (editados em 2 CD distintos), certamente que me caberia, que nem luva, defender a supremacia dos originais em detrimento dos covers, arranjos e adaptações de temas provenientes de outras fontes que não tunos. Pois é, mas não assumirei esse papel - porque descabido esse pseudo-purismo, sem qualquer fundamento histórico ou tradição. A Tuna, originalmente, não é produtora, mas reprodutora. Certamente que sempre coexistiram temas próprios e temas recolhidos, contudo dar maior preponderância a uns em detrimento de outros, como bandeira para alegar ser-se mais tuna, carece de bom-senso e sustém algum narcisismo à mistura.
Sobre isto reflectiu, também, o ilustre Eduardo Coelho, na sua intervenção no IV ENT de Viseu, de que extraio o excerto:


“Aproveito para debater outro dos grandes temas desta mesa: Originais ou versões?
Aceitemos a hipótese segundo a qual as tunas tiveram a sua origem nos goliardos italianos.
Que pretendiam esses senhores? Garantir a sua subsistência, uma vez que tinham abandonado a vida eclesiástica: voltar para casa estava fora de questão. Voltar ao convento ou seminário não fazia sentido. Teriam de viver, pois, de esmola.
Resta recordar que muitos dos que seguiam a vida eclesiástica na idade média ou eram segundos e terceiros filhos de nobres e que esperavam obter uma colocação numa paróquia rendosa, ou eram filhos das classes mais humildes que os ofereciam para o serviço da santa madre igreja. Uns e outros sem esperança, pois, de regresso à casa paterna.
Para sacarem a esmola ou o prato de sopa serviam-se dos rudimentos de música e retórica que teriam aprendido no convento ou seminário. Para tanto, manda a lógica que tentassem agradar ao auditório. É mais grato ao auditório ouvir o que conhece do que o que desconhece.
Mandam as boas regras da rádio que a cada grupo de três músicas, uma seja um êxito do momento; outra, um clássico, e poder-se-á então arriscar uma música nova. É sabido que as pessoas mudam de estação se ouvirem duas músicas desconhecidas seguidas.
Se isto é assim no século XXI, com razão podemos depreender que também o fosse em tempos mais antigos.” 

(in http://www.tvpenianos.blogspot.com/, MÚSICA E REPERTÓRIO DAS TUNAS – DE ONDE VEM E PARA ONDE VAI? – IV Encontro Nacional de Tunos - 14 de Outubro de 2006)



Não quero, com isto, desvalorizar os muitos e bons temas originais que foram enriquecendo o cancioneiro tunante nacional; longe de mim. Temos é mais que nos regozijar com o engenho e a arte de muitos poetas e músicos, dos muitos talentos que vão conferindo à tuna o papel de produtora de cultura, e ajudando a cristalizar , e até distinguir, uma tipologia musical muito própria – a que muitos chamam música de tuna, e neste sentido concordaria - dado que nasce e é criado para o uso em, e por, tunas.

Pede-se, isso sim, é que não fantansiem e ficcionem a tuna para justificar a proeminência histórica dos originais, como traço cultural, próprio de verdadeiras tunas, com origem em tradições seculares.
Volto a citar o meu ilustre amigo Eduardo, no mesmo contexto, prosseguindo a sua exposição, ainda dentro da temática de versões Vs originais:


“Mas – objectarão – não se compare a difusão em massa actual com a falta dela no século XI ou XII. Como é que as pessoas saberiam se esta ou aquela canção são ou não originais? Exactamente por isso mesmo: nada prova que as canções interpretadas pelos bandos de goliardos fossem originais, pelo que a questão de criar quando se pode obter mais facilmente o mesmo resultado — e se calhar com vantagem — é, se não outra coisa, pelo menos uma perda de tempo e esforço. Mais: se eram grupos itinerantes, a tendência é utilizar estratégias que já deram provas dos seus resultados. É sabido que “em equipa que ganha, não se mexe”. Parece-me que, se nada prova esta tese, nada prova a tese contrária: a de que as pessoas prefeririam ouvir inéditos. Não fica, então, provado, por esta via, a questão muito defendida por muitos de que na origem as tunas só tocavam originais. Muito papalvos seriam os nossos avozinhos…
Passemos a outra tese: a de que os goliardos são demasiado afastados no tempo e de que, afinal, a tuna é um fenómeno endémico da Península; em particular, de Espanha. Aqui, duas subteses se perfilam:
A dos “sopistas”, que eram estudantes que tinham por hábito ir engraxar os ricaços a suas casas e acabavam por ficar para jantar, recitando por lá umas versalhadas ou tocando umas músicas. Parece que sim, que este costume era verdadeiro e que os ricos não só não se importavam como até consideravam uma espécie de investimento. Lá diz o D. Quixote que alguns destes miseráveis chegaram a ocupar os mais altos postos da nação e nunca se sabia se se estava a alimentar um futuro secretário ou ministro régio...
A lógica anterior parece poder aplicar-se, com maioria de razão, a este segundo caso. Talvez alguns destes fossem poetas de algum valor e capacidade de improvisação, pelo que poderiam dedicar algum madrigal ou soneto à dona da casa ou a alguma filha casadoira… Contudo, nada fica provado a respeito da preferência por originais face a cópias/versões…
A segunda subtese é a de que os tunos seriam originalmente não uma classe dentro dos estudantes, mas uma subclasse dentro dos mendigos que pululavam por toda a Espanha no chamado Século de Ouro espanhol. Esses tunos seriam grupos de trabalhadores sazonais da faina do atum do mediterrâneo que teriam de arranjar alguma subsistência durante os 8 meses em que a faina não era possível. Da palavra atum derivaria o nome tuna e tuno ou tunante. Este modo de vida errante teria sido adoptado pelos escolares no caminho de e para casa, de e para as aulas, pelo que estes estudantes passaram a ser designados também por tunos.
Tunos passaram a ser também - segundo esta teses - todos os que, como estes, tinham, de vez em quando, de fazer um giro pelas aldeias vizinhas para recolherem alguma esmola porque os livros já estavam no prego: “en el Monte de Piedad”, como diz a “Fonseca”. Ora, este carácter sazonal e espontâneo da tuna primitiva, a dar razão a esta tese, menos ainda favoreceria o aparecimento de originais. Seria muito mais fácil pegar em temas já conhecidos de todos os camaradas e improvisar uma trupe de músicos do que andar agora a compor e a ensaiar originais. Por esta via, também não fica provado que os originais estivessem na essência das tunas. Parece-me até que perante objectivos tão claros e práticos seriam, se não desnecessários, até contraproducentes.
Nem precisaria de ir tão longe para o demonstrar. Já todos passamos pela experiência de nos pedirem para tocar este ou aquele tema
. Já todos passamos pela experiência de dizer “Pá, quem sabe, acompanha: é em dó e fá e tal e coisa. Damos duas voltas ao refrão e toca a andar. Fulano, toca tu viola que eu vou para o contrabaixo”. Ai não, se a gorjeta for choruda ou se os olhos da menina ficarem a brilhar!
Não fica, assim, provado que as composições originais de raiz tivessem sido preferíveis às adaptações de letras de temas conhecidos, com alusões à vida de tuno ou de situações cómicas. Parece-me que muito pelo contrário.” 

(in http://www.tvpenianos.blogspot.com/, MÚSICA E REPERTÓRIO DAS TUNAS – DE ONDE VEM E PARA ONDE VAI? – IV Encontro Nacional de Tunos - 14 de Outubro de 2006)



São conhecidas algumas tunas que foram, e vão, tendo a sorte de ter óptimos compositores, alimentando esse traço, e opção própria, que é produzir quase tudo o que consome, como disso é exemplo a Tuna de Medicina de Coimbra ou o Real Tunel Académico de Viseu, para só citar estes.
Um risco, certamente, mas que não deixa de enriquecer, e muito, o acervo tunante nacional (pelo menos os maiores êxitos – já que outros ficam esquecidos ou desconhecidos da esmagadora maioria) e valorizar os seus autores, poetas e compositores, e respectivas tunas, por certo.

Uma das questões, ainda assim, que tem sido menos pacífica diz respeito, como não podia deixar de ser, ao peso que tem o possuir, e apresentar, ou não, originais, em certames e festivais. São muitos os que alegam que deve valorizar-se mais a tuna que só apresenta originais e menos a que só apresenta covers. E, daí, irem, amiúde, surgindo prémios para melhor original, para distinguir quem tem a sorte de ter quem componha e, concomitantemente, bem execute. Só não percebo é que peso dar a um instrumental original Vs um instrumental do Mozart. Que peso, que medidas?

Nada mais descabido premiar-se originais quando a tuna não tem, nem nunca teve, a função ou missão de criar temas, mas tão somente expressar uma vivência através dos temas que canta, sejam eles seus, do maestro lá da terra ou do Zé da esquina (que nada sabe de música mas tem um dom do caraças!!!!!).

O ónus e merecimento dos originais vai para seus criadores e não se reveste de qualquer justiça o facto de, num determinado momento da história, esta ou aquela tuna ter a sorte de contar, nas suas fileiras, com óptimos compositores e, mais tarde, deixarem de os ter, para se valorizar, então sim, outra que passou a contar com um ou outro génio musical.
A tuna deixa de ser menos só porque durante 5 ou mais anos não teve quem compusesse para ela, tendo de recorrer à versão?

Há que perceber que a Tuna valoriza o compositor que, por sua vez, valoriza o seu grupo com o seu talento. Estabelece-se uma relação simbiótica de “prestação de serviços” no seio do grupo, onde o autor tem quem toque o que compõe, e a tuna tem quem componha o que toca, nada mais.
Em nada a posse de originais deve servir de medida ou bitola para estabelecer legitimidade ou hierarquia entre tunas, seja dentro, ou fora, de palco.

Por outro lado, algumas tunas esquecem que o público, por mais avisado que seja, desliga a partir de certa altura se não conseguir estabelecer qualquer ligação afectiva com os temas ouvidos. Quero com isto dizer que se um ou outro original cabe bem em palco, não deixa de ser essencial a execução de um ou outro tema recolhido, preferencialmente que o público conheça (e a partir do qual possa, até, estabelecer comparações, ajuizar, tecer considerandos), ao invés de ficara ouvir belos temas que, por não conhecer, dificilmente consegue apreender com total concentração, atenção e gosto.
Como sucede em muitas outras coisas, a nossa capacidade de apreender, perceber e apreciar muitas coisas desconhecidas torna-se tanto mais reduzida quanto maior a exposição a essas novidades. Contudo, se entremeadas com “separadores” com que tenhamos maior afinidade, certamente que nos possibilita recuperar o gosto, quebrar a monotonia, recuperara concentração e atenção.

Até em termos de espectáculo, me parece mais indicado um repertório variado e não exclusivamente original (de que só fixamos 1 ou 2 temas…e, passados uns dias, se retivermos ainda o refrão já vamos com sorte).
Do mesmo modo se trata o CD de tuna. Eu que tenho uma invejável colecção, rapidamente me canso de CD totalmente originais, retendo, quando muito, 1 a 2 temas (normalmente porque o resto nem sempre é tão bom).
Não falo de CD de festivais onde a variedade está assegurada pela heterogeneidade das tunas incluídas, mas poderia citar o bom exemplo dos discos que aliam novidade e originalidade. Novidade pelo modo como recuperam e reinterpretam temas de sempre e, certamente, originalidade pelo criado por seus autores tunantes. O Caso do último CD da E.U.L. é disso exemplo, onde os originais estão à medida, não aborrecem por serem muitos e porque os que há são, de facto, muito bons, alternados com superiores orquestrações e arranjos de covers.

Haja, pois, o bom-senso de não querer colocar ortodoxias onde elas não cabem, nem fazer bandeira de purismos tunantes só porque há quem tenha sido bafejado pela sorte de ter bons compositores no seu grupo e queira, com isso, ser beatificado ou canonizado nos rankings tunantes.
Louvo e elogio a boa produção tunante (não a confundindo com a grande e medíocre quantidade de vulgares composições que enchem CD), a qual é necessária e tem o seu lugar, mas sem lhe estender um tapete vermelho ou rotular com mais quilates do que um bom arranjo ou cover, já que o trabalho para ambos tem o seu mérito e é igualmente difícil.
Ainda diria que poderá oferecer maior trabalho criativo e em termso de urdição musical o cover, quando se pretende algo mais do que a cópia, dado que é preciso adaptar para harmonia vocal ou é preciso adaptar sonoridades e instrumentos aos recursos instrumentais disponíveis na tuna, é preciso repensar totalmente o tema (quase que novamente o"inventar" para caber no modelo Tuna e não ser mera cópia ou reprodução, mas sair mais rico, se possível. – diferente de um tema pensado para tuna, composto à medida da tuna, seus recursos e tipologia.

Covers ou originais?
Pegando na ideia de D. Alves Martins, “…quer-se como o sal na comida: nem muito nem pouco, apenas o necessário!”, ou seja um pouco de ambos.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

V ENT - Lisboa 2007 (Rescaldo)

Algumas Imagens do V ENT de Lisboa


























sábado, 10 de novembro de 2007

Vintage da Tuna Veterana do Porto

Estas breves linhas são para dedicar uma singela homenagem a um grupo muito sui generis. Falo de uma "Quarentuna à portuguesa", falo-vos da mui distinta Tuna Veterana do Porto (TVP), grupo que congrega antigos tunos da T.U.P. (Tuna Universitária do Porto), condição sine qua non para se ingressar nesta irmandade, e, por inerência, ao O.U.P. (Orfeão Universitário do Porto).


A sua fundação está registada nas crónicas tunantes e reza assim:

"Aos 8 de Janeiro do ano da graça do senhor de 1999, 9 convivas tunos reunidos em opíparo repasto em Terras do Sousa, com o Douro a dois passos, sentiram ser mister instituir a antiga, mui nobre, sempre leal e invicta Tuna Veterana do Porto, e se assim o pensaram, melhor o fizeram... tudo devidamente regado e cachimbado".



Grupo para-académico-revivalista, nas palavras dos mesmos, ele não é nada menos que o feliz reencontro da nata tunante e académica dos que, em determinada altura das suas vidas, tiveram em comum a aventura orfeonista no consagrado OUP.


Contando uma boa quarentena de elementos (salvo erro), tem sido como que um farol que, no tempo, encerra em si toda a mística e património de uma idade, uma geração e um tempo únicos na academia e cultura portuense. Carregam, de forma tangível, um acervo e espólio vivencial que é exemplo para as actuais gerações.



Integra a Associação dos Antigos Orfeonistas da Universidade do Porto e tem espalhado a sua arte nos corações do aficionados.


Encontramos, nas suas fileira, muitos dos "cozinheiros" que, em 1987, nos serviram o I FITU cidade do Porto, hoje com mais de vinte edições (o mais antigo certame/festival de tunas em Portugal), bem como consagrados compositores, poetas e académicos que marcaram gerações e cuja obra perdura no imaginário colectivo, elegendo, a título de exemplo, o tema "Ondas do Douro", para ilustrar esse legado.


A TVP executa um repertório que assenta em muitos êxitos da TUP, uns mais antigos que outros, com um virtuosismo de excelência, como é de esperar de um grupo que reúne um conjunto de castas nobres, todas elas premiadas inúmeras vezes.


A Tuna Veterana do Porto é a magia do passado que se balança em prolepse, igrejos avós que vão deixando o perfume do seu talento e exemplo, como que impulsionando os mais novos a feitos iguais, ou ainda mais gloriosos.


Esta "cambada de resistentes", este recrutamento de "reumáticos" é a mostra que ser Tuno não tem idade, antes pelo contrário. Chegados a esta fase, estes alegres comparsas e companheiros de viagens, vivem agora a maturidade tunante, a verdadeira noção plena de ser-se Tuno, sem pressões competitivas ou outras prioridades do que folgar, conviver e fazer da música a genuina expressão dessa condição.


Nunca tive o privilégio de estar na presença do grupo, mas tenho o prazer e a honra de conhecer um ou outro dos seus ilustres componentes, com especial destaque para o Dr. Eduardo Coelho (que com o Maestro António Sérgio Ferreira, dirige artisticamente o grupo), um mestre, um amigo e companheiro de viagem.


A Tuna Veterana do Porto é, sem qualquer sombra de dúvida, um vintage de excelência, um daqueles néctares que fazem parte daquela reserva preciosa que só abrimos em raras e criteriosas ocasiões festivas.

Endereço os meus votos de continuação de muitos sucessos e o meu reconhecimento por tudo quanto deram, e continuam a dar, ao negro magistério.


Valete Goliardus!






domingo, 21 de outubro de 2007

Festivais de Tunas (I)

Há muito para dizer sobre este tema, até porque assumidamente o cerne, quase exclusivo, do negro mester para a maioria do elenco tunante nacional.
Por esse motivo, espartilho o tema, a que irei dando continuidade.
Se olharmos ao vocábulo "Festival", o mesmo remete para um evento festivo, de festa, o que, por si mesmo, já diz muito.
Pergunto-me, agora, se existe, de facto, um ambiente festivo no festival, ou se tal não é um mero acidente pontual ou um mero "preceito diplomático".
Com a preocupação em fazer boa figura (por certo que sim, desde que tal não se torne obssessivo), verifica-se uma falta de espontaneidade e, até, de uma certa naturalidade, a que não podemos esquecer de misturar uma concorrência e competitividade nem sempre saudáveis (isto quando não são fraticidas).
Há excepções, muitas até, mas importa olhar o que está menos bem, quam sabe no utópico desejo de melhorar alguma coisa.

Pode-se, até, disfarçar muita coisa nos eventos tidos como "menores", ou seja os que antecedem a subida ao palco: desfile pelas ruas, passeios, serenatas, almoços e jantares convívio.
Pode-se, até, disfarçar depois, apesar de alguns amargos de boca, com um simulacro de "fair-play", mas temos tido demasiados exemplos que mostram haver uma certa falta de compreensão do que deveria ser um Festival (pelo menos olhando à sua génese, ou influência, histórica dos Jogos Florais da medieval idade), relativizando a sua importância.
Depois, é ver, a posteriori, em portais, sites e afins (ou nas conversas de "corte e costura"), o proliferar de malidicências, acusações, troca de "mimos".......... um pouco com o futebol, os árbitros, as faltas, os dirigentes, os compadrios, etc.

Nos dias que correm, o certame e os prémios parecem ser a única fonte para atestar da qualidade de uma tuna. Tuna que se preze tem de ter currículo e esse currículo só é válido com prémios em festivais ou certames de tunas. Encontros e outros tipos de eventos (com excepção feita, eventualmente, aos que ocorrem fora do país - porque no currículo importa toda a qualquer passagem da fronteira), raramente são tidos como ilustrativos da qualidade e prestígio de uma tuna.

Não menorizo a importância dos galardões, mas temo que o pensamento actual seja a sua sequiosa busca e obtenção cega, como único meio de "se sentir gente" ou atestar que o grupo é, de facto, uma tuna, uma "grande" tuna.
Contas feitas, parece que ganhar prémios em festivais é a actual forma de substituir o baptismo e apadrinhamento tunante, a actual forma de reconhecimento inter-pares (servindo o convite para o certame como "pré-inscrição na Ordem"), única forma de entrar directamente ou nas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões.

Já alguém (alguém esse que não é nada mais, nada menos, que o ilustríssimo João Paulo Sousa) sugeriu, há uns 2 anos (mais coisa, menos coisa), no portal de tunas, Portugaltunas, um ano sabático de festivais.
É óbvio que tal é impossível por sabermos que uma larga fatia das nossas tunas, sem esse "incentivo" ruiriam em poucos meses.
Qual "correr la tuna", qual quê!
A nossa actual comunidade, grosso modo, faz do mester tunante um desporto competitivo, um campeonato dividido em ligas, uma actividade exercida para arrecadar prémios. Tudo o mais serve de capa e disfarçe.
Aí enconramos um dos problemas actuais: muitos não sabem, realmente, o que é uma tuna, ou que é ser tuno.

Não sou contra o certame ou festival, sou sim contra o facto de lhes ser conferido um peso e importância que nem sempre se coadunam com o "correr la tuna", com o "ser tuno", principalmente quando tudo o mais passa a assumir carácter de pontualidade, excepção ou mero fingimento, principalmente quando o tuno se torna "mercenário" preso à ambição de medalhar-se, quando o tuno (e a tuna) pauta a sua actividade pelo calendário festivaleiro, quando se confunde a Tuna com o Festival (ou seja o traseiro com as calças).

O Festival é um evento importante e tem demonstrado ser uma forma louvável de subir o patamar de exigência e qualidade musical, mas tem levado a Tuna a convergir os seus esforços quase exclusivamente para esse item, o que torna redutora a imagem da tuna, que é muito mais do que um grupo musical a soldo do palco e de troféus.


domingo, 2 de setembro de 2007

Ser Tuno

Este meu “considerando” é sobre o SER Tuno, muitas vezes confundido com o PARECER-se com tal, fruto da formação, ou falta dela, adquirido no seio da tuna.
Nos dias que correm, e daquilo que alguns anos neste mester me vão trazendo de experiência, tenho-me apercebido de algumas incidências que, me parece, poderão estar no rol de causas para alguns equívocos – equívocos esses que, incorrendo no processo “bola de neve” se vão traduzindo em explícitos largamente debatidos como parte dos problemas que vive a nossa comunidade tunante.

Passa pois a reflexão por perguntar qual o papel da Tuna como meio de formação do indivíduo e, neste caso, que formação municia ela para formar tunos.
O que tenho registado, de tudo quanto vi e ouvi, de tudo o que presencio ou me é relatado nos vários contactos que vou tendo com inúmeros tunos amigos, é que a nossa tuna, grosso modo não forma Tunos (salvo as devidas excepções que existem para contradizer, e bem, esta reflexão), já que se encurtam processos e atalham caminhos sob pressão do mercado, sob imperativos “comerciais”. Assim, o “step by step” comum à ascensão hierárquica no grupo é, não poucas vezes, escamoteado em favor de argumentos de natureza…… musical.


A Tuna, muitas vezes condicionada pelo mercado competitivo em que se transformou o mester tunante, relega para segundo plano (quando não relega de todo) os aspectos mais relacionados com a conduta e o modo de ser e estar, em favor das aptidões musicais do indivíduo, certamente essenciais num grupo musical, mas não exclusivas para a condição de tuno.
Vão-se fazendo simulacros de praxis, de critérios de ascensão hierárquica, onde, em muitos casos, basta apenas ser razoável, vá….. “sofrível”, e bom compincha na farra, para esperar os galões de tuno por uso capião.


Já vi de tudo: novatos ou virtuoso executante com conduta imprópria a quem tudo de eufemisa por ser uma promessa musical (ou simplesmente porque não há quem faça valer e viva qualquer código de conduta), bem como grupos onde a postura é ponto de honra e se exerce real penalização para com quem prevarica e põe em causa os valores do grupo, da tuna, por melhor que se seja como músico.


Nos dias que correm, a praxe exerce-se mais para marcar posição e como sinal de trânsito, para manter o status da veterania como fim em si mesmo, ou meramente como prática repetida (às vezes sem a devida reflexão do seu porquê) porque habitual e tradicional na relação entre caloiro e veterano – herança das aprendizagens (por vezes mal filtradas) da condição de doutor na praxe.
Não admira, pois, que assistamos, em demasia, a condutas reprováveis ou censuráveis do ponto de vista da ética tunante e, acima de tudo, no que respeita ao civismo e boa educação que qualquer tuno, como cidadão, deveria praticar. E se ninguém pode dar o que não tem, cabe à Tuna contribuir para colmatar essas falhas, ao invés de as consentir como excepção.
O desrespeito para com os mais velhos, a falta de consideração tida para com a tradição (por mais que ela seja, ainda, recente - quando comparada com o país vizinho), o desdém com que são olhados os legados transmitidos (quando o são), o neo-tunantismo e invenções de ¾ de mês são provas mais que suficientes para sustentar estes argumentos.
Se as recentes gerações não trazem de casa alguns fundamentos basilares, no que respeita a valores e educação, há que não menorizar o papel da tuna, ou a falta dele, na formação dos indivíduos que acolhe.

Chega-se à tuna sem conhecer o seu funcionamento, sem conhecer a sua história (alguns, nem anos depois conhecem a história da tuna em que se inserem), sem perceber, de facto ,o que é ser tuno, porque lhes é dado esse título bem antes de o encarnarem realmente.
A tuna não exige senão o cumprimento de critérios mínimos, exigências que mais fazem parecer os padrões de rigor escolar impostos pelo Ministério da Educação (não admira, depois, que até pareça haver sucesso, mesmo que isso esconda uma cada vez maior iliteracia).
O novato chega, trazido pela mão de um amigo, ou “intimado” pelo veterano lá da faculdade, abancando nos ensaios, vendo, ouvindo e criando hábito, convivendo, fazendo amigos, sendo…compincha. Depois lá traz o seu instrumento e começa a aprender as músicas e, mais coisa menos coisa, passado 1 ano, se estiver minimamente apto e não tiver criado qualquer contencioso (nomeadamente com as altas esferas mandantes – daí convir ter, também, bons padrinhos, tal mostrando que é astuto e sabe mexer-se na política interna), torna-se tuno.
Assim, neste nosso recanto, é-se tuno, normalmente no prazo de 1 ano, quando não se o é antes.

Mas é assim, sempre assim foi. Qual é o problema?

Bem, o problema põe-se, se quisermos ser um pouco mais “miudinhos” e fazer mais umas malhas de tricot, não no prazo em si, mas no hábito desse prazo. Parece que se ascende por tempo de serviço, mais do que por mérito, dado que é da praxe ser-se caloiro apenas no primeiro ano em que se integra algo, porque depois ascende-se hierarquicamente só porque passou esse prazo.
Mérito haverá algum (em muitos casos, todo), por certo, mas questiono-me se ele coloca a componente que tenho vindo a falar no mesmo plano de exigência que a componente musical aliada à “compinchinche”, daí que julgo que não se ambiciona a excelência, havendo, isso sim, um quedar-se pelo tunal-porreirismo que nos caracteriza.
Consequentemente, podemos separar o Tuno em duas acepções díspares: a daquele que assim é denominado porque faz parte de uma Tuna e aquele que o é, de facto, na mesma, sendo que a tuna resulta da soma de Tunos e não é apenas um dístico que serve para justificar muitos dos epifenómenos que por aí pululam.

Não falo de cátedra, porque passei pelo mesmíssimo processo, pese embora com as devidas excepções que me permitem, desculpem a falta de modéstia, dizer que comigo, e não só, foi diferente.
Fiz-me tuno num contexto e tempo onde ainda se não fazia sentir a competitividade resultante da festivalite, daí que havia muito mais tempo para estar com os meus pares para além dos ensaios e actuações, para conversar, aprender, viver o mester na sua forma mais próxima do “correr la tuna”.
Tal não sucede assim, ou tanto assim, na actualidade, e desde há uns anos largos a esta parte.
O novato que chega à tuna pouco mais contacto tem, do contexto tunante, do que o dos ensaios e da preenchida agenda de actuações, daí que tudo o que ele é se evidencia apenas nesses dois “locus vivendi”.
Difícil é, pois, avaliar, conhecer uma pessoa e formá-la quando o tempo se esgota em compromissos essencialmente musicais.
Assim, basta acompanhar o barco, não cair borda fora que, chegando ao ancoradouro, ao porto, se ainda estiver no convés, passa a ser marujo de pleno direito, conquanto tenha feito algumas faxinas e puxado um cabos ou subido uma vez à gávea para fazer turno de vigia.

Quando iniciei este mester, não tive a sorte de ter grandes referências, porque em árida terra tunante me encontrava, porque tudo se estava semeando, porque, à falta das actuais tecnologias que nos revestem de aldeia global, me vi forçado de autodidatismo. Mas nunca perdi a oportunidade de inquirir, procurar, pesquisar e informar-me do como se fazia, porquê, por quem, como, quando…….. para ter a certeza de que o que fazia, o que fazíamos na altura, estava de acordo com o praticado pelas tunas de referência (que não apenas as portuguesas). Copiava dos outros? Certamente que sim, dos que eram credenciados e serviam de exemplo, o que nem era propriamente copiar, mas tão só comungar da mesma tradição, optar por observar as mesmas regras do jogo, o que nunca impediu a originalidade ou identidade própria, mas nunca às custas do “inventismo” gratuito como hoje se vê.
Afinal, Tuna não era criação original cá do burgo e tinha critérios e padrões minimamente definidos, daí que o chavão “à terra onde fores ter, faz como vires fazer” fazia todo o sentido se, também nós, queríamos ser tuna, sermos tunos.
Nem sempre se acertou, mas sempre houve a vontade de aprender com quem sabia mais, colher ensinamentos e fazer jus ao legado que se ia recebendo por parte de quem era Tuno.

Hoje, o que assisto, é a uma sobranceria a toda a prova, de quem acha não ter a receber lições de ninguém, de quem acha que quem cá está há mais tempo virou obsoleto e “démodé”, passando por cima de toda a folha e fazendo vista grossa a tudo quanto possa por em causa o seu umbigo e barriga real.

Para se ser médico, professor, engenheiro….. há que estudar, fazer percurso, aprender, não apenas na base da prática, mas também da teoria. Para se ingressar num curso superior, conta-se com uma formação e pré-requisitos anteriores.
Na tuna, conta-se, essencialmente, com as competências musicais (trazidas e/ou desenvolvidas). Para se ser tuno não é preciso nada mais o que “andar na coisa”, tocar os mínimos, ser bom conviva e o resto……….
Bem, o resto deixa-se ao bom senso do “aleas jatca est” esperando que o tempo opere e se nos substitua; esperando que os vindouros apreendam por osmose o que é ser tuno; ficando-se por copiar procedimentos, mesmo que, durante muito tempo, os não entenda.

Aqui reside o ponto de intervenção.
A Tuna deve privilegiar a formação integral dos seus elementos e não ser mero somatório de executantes musicais que tiveram em comum uma formação universitária, não pode a tuna ser mero acidente matemático de “universitário trajado+músico/instrumento = Tuno”. A Tuna tem o dever e o insubstituível papel de formar tunos conhecedores e esclarecidos, cuja conduta dignifique a comunidade em que se insere, cujos elementos não sejam meros tocadores de ocasião, resumidos a compromissos de palco.
Existe uma cultura tunante por descobrir, por legar, nomeadamente fora de palco, fora da rotina costumeira a que muitas tunas se votaram: ensaios-actuações-ensaios-actuações sendo, demasiadas vezes, mais grupos musicais do que tunas (sim, porque há vida tunante para além disso).
Com o dealbar de Bolonha, o problema tende a agudizar-se, já que o tempo é algo fundamental para fazer levedar, porque é preciso tempo para a colheita amadurecer e ser colhida.

Temos vindo a colher verde, às (muitas) vezes a martelo, porque há pressa e o fruto maduro tem maiores custos, pois exige espera, mas é sabido e certo, como o próprio tempo tem vindo a demonstrar, que quem quer Vintage e bom vinho, tem de o deixar maturar, preferencialmente em contentor apropriado, sob temperatura e luz adequadas.
Não basta, pois, engarrafar e por bonito rótulo só porque há que por vinho na mesa. Se a festa não pode ter bom vinho, beba-se água ou cerveja, mas quando se servir o báquico néctar, que ele seja digno desse nome e não publicidade enganadora, para que satisfaça o mais exigente gourmet.

(Texto de 2007)