sexta-feira, 2 de maio de 2008

Repertórios/Alinhamentos tunantes

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À hora que redigo estas breves linhas, estou comodamente sentado numa esplanada, bebendo uma bejeca e aproveitando a sobrinha preciosa e a aragem fresca que tornam tão saboroso este fim de tarde.
Esta é uma altura de alguma descompressão, para mim pelo menos, apesar de ainda estarem, algo, distantes as tão desejadas férias.
Agora, como mais tempo, decidi escrever sobre repertórios.

Todos nós estamos plenamente cientes do quão difícil é o definir de um alinhamento musical para um espectáculo, mas acima de tudo o urdir de um repertório que marque uma temporada, ou seja o plano musical estipulado para ser executado ao longo do ano.

Quando a Tuna inicia o seu ano de actividades, convirá desenhar um conjunto de temas a serem executados (já prontos); dessa lista serão, então sim, escolhidos os que melhor se coadunam com a natureza desta ou daquela actuação/espectáculo.
Deste modo, existirão, à partida, dois repertórios: o alargado - que assume as funções de cancioneiro da tuna (conjunto de todos os temas executáveis/sabidos) e o restrito, alinhamento constituído pelos temas eleitos para determinada actuação (que pode variar, conforme a natureza do evento, público, etc.).
A estes dois itens, convirá não esquecer a necessidade de definir o conjunto de temas a serem preparados, com vista à sua inclusão no cancioneiro (constituindo-se possibilidade de serem “convocados”) e posterior execução (quer para palco, quer para serem executados fora deste - como temas lúdicos e de cariz informal).

É certo que, depois, os novos temas podem ser agrupados para constituírem um alinhamento, per si (o que sucede na apresentação de um novo repertório ou, por vezes, na edição de um CD), ou então serem introduzidos gradualmente, a par com temas mais antigos.

Mas se assim é – e nada disse de novo, o que importará reflectir é aquilo que constitui o alinhamento num determinado espectáculo. Se é certo que uma tuna pode possuir vários repertórios pré-definidos, não deixa de importar o questionar da sua lógica e dinâmica temática e musical.

Que critérios assistem à elaboração e definição de um repertório numa tuna e quem define o mesmo?

A questão do repertório vem na sequência da experiência empírica e reflectida do muito que já vi e ouvi, bem como da própria experimentação.

O que melhor convém à tuna, nomeadamente num certame competitivo (e falo deste caso por ser aquele onde se reconhece haver maior cuidado, bem como ser o evento onde mais vezes se podem observar tunas a tocarem um repertório minimamente preparado e definido com tempo)?

Bem sabemos que, e como já salientava o Eduardo Coelho no ENT de Viseu, as regras de uma boa rádio é, num conjunto de 3 músicas, emitir um tema reconhecido, depois um sucesso do momento e, então sim, entremear com uma estreia/inédito.
Se olharmos por esse prisma – que pessoalmente acho apropriado, no que concerne a uma boa gestão da relação e dinâmica tuna/público, então estaremos a falar na necessidade das tunas moderarem na quantidade, por vezes excessiva, de executarem originais a metro.
Por outro lado, tal diz-nos que o lugar dos covers ou sucessos tunantes (que se deixaram de ouvir em palco, infelizmente) deve ocupar 2/3 do nosso repertório, de modo a potenciar o que, depois, a tuna apresenta como seu.

Pessoalmente defendo essa tese, mesmo se ela é, reconhecidamente, desmontável, mediante os mais diversos argumentos (que eu poderia subscrever, já que também sou autor/compositor), daí que não é líquido - nem tal deve ser tido como dogma ou receita infalível.

Mas, mais do que isso, queria abordar a questão do fio condutor, do litmotiv musical que serve de esqueleto ao espectáculo.
Pelo que muito vi, e ouvi, uma grande parte daquilo que as tunas constroem em termos de alinhamento não passa de uma “manta de retalhos”, onde os temas se sucedem sem qualquer relação entre si, sem qualquer gradação temática, cénica ou musical (sem nexo, para ser mais exacto).
O que, por norma, acontece, é que os temas entram no alinhamento à medida que são escolhidos/criados e ensaiados, sendo que são estes que subordinam o repertório e não o contrário: repertório (plano) que estabelece os critérios de escolha das músicas a serem executadas.
Assim, assiste-se a uma cultura do “improviso” e “casualidade”, onde o repertório fica ao sabor da “espontaneidade” (um elemento que acha aquele tema giro e o traz para o grupo – e aí, conforme a sua influência neste, o tema sobre nas prioridades das músicas a serem ensaiadas) ou da inspiração “acidental” (onde se repete o mesmo processo – o peso que cada um tem na tuna ajuda, e muito, a ultrapassar, ou não, as “listas de espera”, quando as há).

Será que a mera qualidade/beleza dos temas, em si, justifica a sua inclusão “desordenada” ou meramente cronológica?
Pessoalmente, julgo que não. O que pode ganhar em diversidade, perde numa certa homogeneidade de sentido e pertinência (mesmo se, como já disse, nem sempre isso é líquido).

A que deve “subordinar-se” o repertório/alinhamento de determinado espectáculo?
A meu ver, há que estabelecer objectivos: o que pretende a tuna transmitir ao público? Que mensagem e em que moldes?

É no traçar de metas que o repertório ganha textura e sentido; e aí existe uma multiplicidade de possibilidades e variantes a explorar: podemos levar o público a fazer uma viagem pela nossa lusofonia, abordar o tema das descobertas, prestar homenagem à Amália Rodrigues, ao fado de Lisboa, à marcha popular ou canção ligeira, à música popular, aos estudos e vida de estudante, ao amor (retratando os vários passos da sua conquista, perda, reencontro, etc.), ……..

Dir-me-ão, então, que falo de temática. Falo mesmo!
Mas se importa pintar um assunto, uma mensagem – que se pretende transmitir, convirá não esquecer a moldura.
Aí falarei de dinâmica musical.

Um espectáculo que passa pela conhecida “rajada de metralhadora” agasta, cansa e perde. Nenhum tema pode ser igual ao anterior na intensidade, sentimento e forma de abordagem. Não pode ser tudo a metro e tudo de rajada!

A escolha da temática deverá levar em linha de conta, também, esse suporte. Uma sucessão de músicas tristes e “choradas” poderá ter um resultado indesejado, do mesmo modo que temas de deixar a plateia aos pulos, de princípio ao fim, cansará e eclipsará os temas de permeio.
Assim, importa estabelecer uma gradação, ou pelo menos exponenciar momentos, gerindo sentimentos e empatias (com mais ou menos picos).
Importa por o público à escuta, perceber como deixá-lo a sambar nas cadeiras, tal como o por "em sentido", mas tudo de um modo que potencie cada parte, cada tema, para que cada um se constitua único.

Numa visão mais global, haverá que determinar um princípio, meio e fim, onde tal se perceba, num esforço de gestão do espectáculo, do público e, não o esqueçamos, da própria tuna.
A tudo isto, a pertinência dos aspectos cénicos que servem, também, de moldura e são potenciadores do produto musical, ajudando a criar laços entre o palco e as coxias.

A quem cabe definir tudo isso?

Cabe, em primeira instância, à tuna, a qual precisa de estar em consonância e harmonia, a qual precisa de se identificar e gostar daquilo que toca e canta – definindo um tema ou área temática. Depois, ao Magister ou conselho artístico, a quem compete a escolha e preparação dos temas a serem trabalhados, mediante critérios que confiram senso, pertinência e qualidade ao espectáculo, conquanto encontrem, também, eco nos demais tunos (embora, nestas coisas, não se possa deixar tudo ao sabor da democracia, posi cada cabeça sua sentença e para alguma coisa serve quem está indigitado para coordenar os aspectos musicais e artísticos).

Tudo isso é algo que se define no “antes” e nunca no “depois” – e raramente no “durante”.
Planificar, com tempo, é, ainda o método mais seguro de construir bem, ou menos mal!!!!


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