Hoje, já com
duas décadas volvidas desde o reinício da aventura tunantesca em Portugal, no
contexto do Ensino Superior, constata-se, com alguma pena, que o bairrismo e a
cultura do enclave impediram, em demasiados casos, que se pudesse, hoje, falar
de um repertório comum na comunidade tunante lusitana, de um património
transversal no respeitante a temas que deveriam ser olhados como pertença
colectiva.

Falta
um cancioneiro nacional, repositório e memória da produção mais significativa
das nossas tunas.
Se é
verdade que existem bastantes temas que acabam por ser do conhecimento geral,
como os lugares comuns da E.U.C ("Afonso", "Assim mesmo é que é".....),
entre outros, não é menos verdade que existe um certo "pudor" em
executar temas de outrem, até mesmo em festivais ou encontros em que esse
outrem nem participa sequer.
Ainda
existe muito o chavão "não tocamos esta porque é da tuna X ou "a Tuna
Y já a toca".
Penso que está
na hora de nos deixarmos de fronteiras e pormos em comum um legado que é
suposto chegar a todos e ser tido como algo a promover de forma corporativa,
até como meio de divulgar e preservar algo mais do que a soma de parcelas.
Ainda
recentemente, no ENT de Lisboa, estávamos uns quantos foliões a cantar e a
tocar, depois da tertúlia e, gastos os temas do costume, acabou-se por fazer
incursão, nomeadamente os mais velhos, pelo cancioneiro espanhol.
Já outros temas
das nossas tunas nacionais acabavam por ficar a meio, por desconhecimento de
letra e/ou acordes ou ficavam 2 ou 3 que sabiam (com os demais a olhar).

Se
temos uma riqueza ímpar, quanto à diversidade da produção das nossas tunas,
isso acaba, também, por trazer uma grande dispersão, quer por falta de
divulgação, quer também pelos motivos a que já acima mencionados.
Já quando
falamos de "nuestros hermanos", temos de convir que, apesar de menos
"produtivos", eles conseguem estar horas a passar em revista dezenas
de temas que são comuns a todos, seja-se da Galiza, de Barcelona, Madrid,
Málaga ou Valência - fazendo, por exemplo, algo que a nós nos é impossível:
juntar numa mesma tuna, tunos provindos de outras, sem precisarem propriamente
de "ensaios".
Se os
podemos acusar de um "do mesmo ao mesmo, através do contrário", de
alguma falta de elasticidade, de uma constante reinterpretação dos mesmo temas
(um "vira o disco e toca o mesmo/parecido"), já nós, que nos
"orgulhamos" da nossa vasta produção de originais (ou de sublimes
"covers"), acabamos por, inversamente, deixar cair no esquecimento,
muito do que de bom por cá fazemos, pois normalmente os temas duram enquanto as
tunas que os subsidiam existem (não há, pois, troca e partilha, não há o
costume de incluir e partilhar o que os outros fazem, e fazem bem).
Se há
lugar para a nossa vaidade, para o contentamento de termos algo nosso a
apresentar, deveríamos, do mesmo modo, ter a plena noção de que o partilhar de
repertórios tende a sublimar a excelência e a aproximar as tunas - com isso
ganhando a comunidade..
Uma comunidade
tunante, como tal, não se distingue apenas por traços comuns na vivência e na
forma ou essência, mas também pelo produto musical da mesma, e aí é que ainda
não se criou a desejada transversalidade e lugar comum.
Hoje
em dia, com a facilidade que as novas tecnologias possibilitam, para termos
acesso ao produto musical das nossas tunas, falta apenas a vontade de dar esse
passo em frente, deixando-nos de puritanismos e de um, por vezes, ortodoxo
individualismo.

Há
muitos, e bons, temas que poderiam figurar num cancioneiro comum, como mais um
meio de aproximar sensibilidades, criar laços e estabelecer, musicalmente, uma
comunidade que toca e canta no mesmo tom.
Se
muitos dos temas que deles conhecemos nos chegaram e são acervo transversal por
lá (Espanha), é porque apostaram forte na preservação e promoção do seu
cancioneiro, não colocando obstáculos a que tunas se sucedam em palco e
executem o mesmo tema, embora com arranjos ou interpretações ligeiramente
diferentes.
No
nosso caso, apesar dos registos fonográficos, muitos e belos temas nossos
acabarão por cair no esquecimento, porque um tema só sobrevive se continuar a
ser interpretado por outros.
Os
temas só se imortalizam se forem tocados, continuamente tocados e revisitados
ao longo das gerações, ao longo das tunas, algo que não tem que ser feito
propriamente em palco.
Falta
um levantamento que possa salvaguardar o que de bom se tem feito, que possa
fazer memória futura, que seja um modo de promover a qualidade e ser registo
fiel do percurso da Tuna Portuguesa.

Uma adenda importante, já que se falou em partitura: sabemos que a quase totalidade dos temas criados não possuem partitura. Mesmo atendendo ao amadorismos dos primórdios, seria importante que as tunas fizessem registo, pelo menos dos seus temas originais (mesmo que apenas a melodia, para começar), nesse suporte.
Se há
já quem esteja a labutar sobre o fenómeno tunante, para trazer à luz do dia uma
edição de autor sobre a Tuna Portuguesa, penso também ser um desafio aliciante
esta jornada, para além de útil e urgente, que poderia suscitar noutros tunos a
vontade de contribuírem, também, para o enriquecimento do nosso acervo e
património.
Fica
lançado o repto!