quinta-feira, 28 de outubro de 2010

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

No XV TAFUL

Cá por "Lisbonne", uma noite para ir às tunas.









segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Grafia tunante - A letra dos temas nas tunas



Serve o presente artigo para uma pequena reflexão, à consignação da organização e jurados dos nossos certames.
Num festival tudo se tenta avaliar, com parâmetros para a musicalidade, afinação, colocação da voz, harmonia, instrumental, pandeiretas, bandeira.......e por aí adiante.
Pois.......... mas onde está uma avaliação criteriosa das letras que são cantadas, neste caso dos temas inéditos, dos originais das tunas?

Reparem que não existe regulamento algum que peça, antecipadamente, às tunas para entregarem as letras dos temas, de modo a poderem ser, também elas, alvo de avaliação por parte dos júri; algo que merecia, quanto a mim, um maior cuidado, entrando esse aspecto nas contas.
Não estou a defender a criação de um novo prémio (mesmo se, em rigor, faz tanto sentido quanto os demais), mas o facto é que um tema é tanto mais rico e melhor quanto mais harmoniosa a simbiose entre letra e música.
Quantos temas não são mediócres do ponto de vista literário, apesar de bem urdidos musicalmente? Quantas vezes o contrário também não sucede?
Mas atenta o júri à composição literária dos temas? Tem ele (o júri) esse cuidado, com acesso às letras (elas que, por vezes, não são assim tão fáceis de perceber ao vivo, in loco)?
Temo que não, estou seguro que não (mesmo que digam o contrário na desculpa que ouvem o conjunto).

Temos composições de altíssima qualidade, do ponto de vista poético que, lamentavelmente, não são reconhecidos nesse apartado, em detrimento de mediocridades que são elevadas à categoria de ícones musicais mais pela moldura do que pelo conteúdo.

Fica a reflexão.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Uniformidade do trajar em Tuna

Serão breves estas linhas, porque importa, isso sim, que elas suscitem reflexão, mais do que se revestirem de conselho ou coisa parecida.


Sendo o espectáculo de uma tuna um todo, aliando a componente musical e a de teor visual (cénica/coreográfica), é facto que muitas das nossas tunas ignoram um aspecto que considero ser importante: a uniformização da indumentária.

Não poucas vezes (quase sempre, para ser verdade), assistimos a tunas cujos elementos não trajam de igual modo.
Não falo apenas em trajes diferenciados, mas em modos díspares de trajar um mesmo pano.

Uns com capa ao ombro, outros usando-a descaída, outras sem capa; uns em colete, outros de batina, outros, ainda, só em camisa……. de tudo um pouco, diga-se.

Se a praxis do trajar é algo, por norma, tão caro aos académicos, neste caso aos tunos, pergunto-me se o palco se constitui como “terra de ninguém”, onde não vigora outra lei senão a que cada indivíduo se impõe a si mesmo.


Percebemos, perfeitamente, que as funções de cada tuno, em palco, não são iguais. Obrigar um pandeireta a bailar com capa traçada não se reveste de lógica alguma. Contudo não se percebe quando tunos com a mesma função (os violas, por exemplo) não trajam igual.

Percebemos que existem algumas dificuldades de natureza prática, que criam, por si só, a necessidade de algumas excepções, mas é facto que, em muitas outras ocasiões e situações, tais “excepções” não são “legíveis”.


Existindo o traje como uniforme (e veja-se que uniforme/uniformizar/uniformidade são vocábulos de família directa), seria profícuo que o modo desse se trajar fosse uma mais valia para a tuna, no modo estético e visual como esta passa a sua própria imagem.

São precisos critérios que definam, nas nossas tunas, em cada uma, o modo de apresentação. Salvo as devidas excepções, que todos percebem, todos os tunos devem apresentar uma harmonia visual quanto ao traje, ao modo de o envergar.

E note-se o ridículo e abjecto que é ve ruma tuna com 10 elementos em que quase todos trajam de forma diferente, uns com calças de ganga e capa, outro com traje de caloiro, outros com traje completo, outros assim assado.
Sim, temos ainda muito disso por cá num verdadeiro desfile de "Passa ao Calhas".
Perguntamos. essas tuna snão se enxergam ou alguém tem pudor de lhe fazer reparo?


A tuna só tem a ganhar quando tem brio na imagem que apresenta. Assim houvesse esse cuidado e a tuna e o próprio traje sairiam, assim, mais respeitados e enriquecidos.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Patrono das Tunas


(Texto de 2010).

Não deixa de ser estranho, e sobre isso já tinha reflectido várias vezes, que a arte tunante, com mais de um século de história, desde os remotos tempos das bigórnias e estudantinas até hoje, nunca tenha eleito um santo patrono.
Em Portugal, poderíamos anuir que, sendo a Tuna uma cultura importada (adoptada e adaptada), seria normal que , a haver padroeiro/a,  seria precisamente o/a mesmo/a que em Espanha, daí que seria escusado procurar um nos anais dos santos lusitanos.

Mas, pasme-se (ou não), nunca os nuestros hermanos elegeram qualquer patrono da sua arte tunante (nem eles nem os tunos da América Latina), pelo que todos os tunos do mundo estão "orfãos" de santo protector - pelo menos que se saiba.


Alguns seriam possíveis, desde a escolha, mais ou menos óbvia de Santa Cecília, padroeira dos Músicos e da Música em geral, mas também dos tocadores de instrumentos de corda, embora, em boa verdade, uma larga maioria dos tunos nunca foram ou são (ou serão) músicos de facto.
Também, em termos de romantismo histórico (e apenas isso), poder-se-ia apontar Santo Aleixo, protector dos Mendicantes (mendigos), mas parece algo forçado.


Estando, actualmente, a Tuna quase entendida como configuração musical de estudantes do Ensino Superior, caberia São Tomás de Aquino, protector dos Universitários, mas que fazer com as tunas de liceu (como a de Évora) ou as inúmeras que são populares e são também tunas?
Além disso, as tunas começaram por ser agrupamentos de estudantes, sem distinção de grau.
Assim penso que o São Tomás de Aquino não se adequa plenamente.
Então, assim sendo, quiçá Santa Brígida, padroeira dos Escolares. Pois..., mas escolares não se definem como também sendo músicos, ou seja não é uma qualidade inata a qualquer estudante e, depois, já nem todos os tunos são escolares. Caberia grosso modo, mas é demasiado generalista para a especificidade do mester tunante.


Sobrariam, do vasto leque de padroeiros, a Santa Catarina de Bolonha, padroeira das Artes e o São Gregório Magno, padroeiro dos Cantores. A tuna é uma forma de arte, pelo que se enquadra, mas é apenas uma das muitas existentes. O São Gregório até teve honras de tema no CD da FAN-Farra de Coimbra, mas era por analogia ao "gregoriar alcoólico" (vomitar = gregoriar). Além disso, os tunos não são unicamente cantores (as tunas começaram por serem apenas grupos que executavam peças instrumentais), nem me parece muito pertinente a ligação alcolémica (seja a este ou outro qualquer padroeiro cervejeiro ou etílico - como os há também).

Bem vistas as coisas, todos, ou quase, poderiam assumir-se como candidatos, mas encontramos neles tanto de adequado como de desajustado.


Mas há ainda um grupo possível, quiçá mais adequado.

S. Genésio (de Roma), S. Julião (de Mans) ou S. João Hospitalário, todos eles patronos dos músicos ambulantes.
Outro possível seria S. Benedito José Labre, padroeiro dos mendigos e viajantes, era chamado de "Vagabundo de Deus" ou ainda "O Cigano de Cristo". Alimentava-se apenas de pão e ervas, passando a noite ao relento, rezando e meditando.


O que julgo, ainda assim, apresentar-se como mais forte candidato, até pela sua ligação histórica aos estudantes e tunos é São Tiago Maior (de Compostela)

S. Tiago, padroeiro da cidade que primeiro viu formalizar-se uma estudantina/tuna, e patrono dos peregrinos ( ligação de podemos estabelecer aos músicos ambulantes, sempre em "peregrinação", mas também aos mendicantes - os quais também peregrinavam ao longos dos caminhos de São Tiago e na própria cidade, em torno da catedral). Além disso, a inequívoca ligação da cidade, e seu patrono que lhe dá nome, à Universidade e Colégios Mayores, ou seja aos estudantes (desde os sopistas, capigorrones e afins), desde há centenas de anos e, destes, os muitos do "correr la tuna".


Por outro lado, é já uma tradição a romagem das tunas, pelo menos do lado de lá da fronteira, a Santiago, como que "baptismo" obrigatório. Todas, ou quase todas, se sentiram impelidas a lá ir, pelo menos uma vez, "banharem-se" naquele ambiente tão próprio. Todas, ou quase todas, sentiram a necessidade de, em Santiago, receber como que uma benção histórica, visitar a urbe que viu nascer, formalmente, a 1ª tuna/estudantina, de facto.
Mas também muitas Tunas portuguesas se contam às dezenas, dezenas que responderam a esse apelo da tradição, que sentiram ser uma local especial de passagem, de visita, de banho de tuna - de que a Casa de la Troya é fiel depositária dessas mesmas peregrinações tunantes, guardiã da memória e do misticismo estabelecido em torno da história  e memória da Tuna.


Será essa a razão pela qual São Tiago, independentemente de qualquer conotação religiosa (até porque não lhe consta qualquer atributo ligado à música, ou aos estudos - embora fosse ensinante/apóstolo), será a figura que melhor se perfila para honras de patrono tunante, seja espanhol, sul-americano ou português (e que acaba por sé-lo, embora, ainda, não oficialmente).


Finalmente, e num plano não religioso, poderíamos apontar, por exemplo  Pedro Abelardo, o mais importante filósofo e teólogo do séc. XII, ilustre professor da tradição escolástica, sendo-lhe atribuído o ónus de ter, com os seus ensinamentos "revolucionários", criado os alicerces do ensino universitário. Além disso o seu goliardismo e famosas, e belíssimas, composições à sua amada Heloísa ressoam séculos fora.


Qvid Juris?

quinta-feira, 1 de julho de 2010

IV CIRTAV 2010 (Rescaldo)

Mais um certame, no qual tenho tido a enorme honra de presidir, ano após ano, ao jurado.
Mais um fim de semana que se torna um verdadeiro oásis na minha agenda.

Bom tempo, um ambiente magnífico e grandes tunas com grandes tunos como é apanágio deste certame de referência.

A registar que, pela primeira vez, não coube no meu traje, tendo sido necessário alargar o botão dos calções.


Aqui ficam algumas recordações.






































quinta-feira, 3 de junho de 2010

Anim'Arte -Prémio Especial GICAV 2009.


A 12 de Junho de 2010, o GICAV (Grupo de Intervenção Cultural e Artística de Viseu) levava a cabo mais uma gala anual, a XVIII Gala dos Prémios Anim'Arte. Nestas galas premeia associações, eventos e personalidades de, ou na, região de Viseu, nas mais diversas áreas de intervenção.



Estas breves notas, se me permitem esta pequena vaidade e contentamento, servem apenas para dar conta que o autor destas linhas foi, nesse ano de 2010, agraciado com o Prémio Especial GICAV 2009.

- http://www.faroldanossaterra.net/premios-anim%E2%80%99arte-2009-distinguiram-22-agentes-associativos-e-culturais-do-distrito-de-viseu/
- http://nrmartins.blogspot.com/2010/06/premios-animarte-2009.html

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Uma Parábola (II)

Penso justificar-se (e ele não me levará a mal, certamente), publicar em primeira página, o comentário que ilustre Eduardo Coelho deixou no artigo anterior, o qual é outra  parábola muito bem vista.
Os tunos deste país que também a leiam e reflictam sobre uma estória que tão bem pode ilustrar algumas "facadas" que por aí se vão dando.

E aqui deixo outra - complementar, ou talvez não.


Certo etnólogo corria o país em busca de artefactos raros. De todas as aldeias por onde passara trouxera sempre alguma peça ou mais excêntrica, ou já em desuso, ou mais artisticamente lavrada. Isto,claro, para além de inúmeras histórias e anedotas. Não raro, trazia o palato e as pituitárias inundados de sabores e aromas sabiamente misturados por mãos calejadas de tanta ternura haverem distribuído a rodos.

Frequentemente também trazia nos olhos as expressões de espanto ou ironia (ou até mesmo medo...) perante um maluco da cidade que gostava de velharias e chafaricas que já ninguém usava. Normalmente, até lhe agradeciam por se verem livres dos trastes; por vezes, adquiria as peças por um preço simbólico.

Foi o caso de certo dia ter deparado com um pastor que aproveitava o descanso das ovelhas para trincar alguma coisa. Sobre uma pedra, à laia de mesa, dispusera o farnel que a sua "Maria" lhe pusera no bornal: uns quantos figos secos, um bom salpicão, um quarto de um queijo, um naco de broa. O que lhe chamou a atenção, porém foi a faca que o homem rapou do bolso: uma lâmina de fazer inveja às melhores durindanas de Toledo... e que dizer dos estranhíssimos lavores do cabo? Um primor de artesanato, certamente herdados do fundo da tradição popular mais genuína.

Decidido a adquirir a faca, mesmo que não por um preço só simbólico, o viajante abordou o pastor. Proposta a compra, o dono da faca recusou, "que não a vendia nem por todo o ouro do mundo!"

- Porquê? Ora porquê!... Porque antes de mim já pertencera ao meu pai, que Deus haja... e antes dele ao meu avô... e ao avô do avô do meu avô! Ess'agora!
Apuradas as contas, a faca montava a mais de 300 anos.

- Vossemecê desculpe, tio Zé, mas como é que a sua faca, tendo tantos anos como vossemecê diz, parece que foi comprada ontem?...
- Nanja, não, que eu tenho muita estima nela, ora pois. Num ano, "boto-lhe" lâmina nova; no "oitro", mudo-lhe o cabo.


E colorim, colorado, este conto está acabado.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Uma parábola



Uma Estória para tunos, e não só.



Era um rapaz como qualquer outro, contudo tinha algo que nem todos teriam, e muitos menos saberiam dar o valor (para além de que nem todos teriam essa oportunidade): quando fizera 19 anos, recebera das mãos do pai um belíssimo relógio de bolso em prata. Um relógio de família.
Era uma preciosidade para além de ser raro e já não se comercializarem relógios assim.
Fora do seu avô que, por sua vez, o tinha recebido de um amigo que o trouxera de quando estivera na guerra hispano-americana, em idos de 1898. Um relógio que, segundo contava o avô, teria sido de um tal Dionísio Granados, famoso músico espanhol - e que perdera a dita peça numa sala de espectáculos de Havana.
Estranhamente, o relógio apresentava, ainda legível, parte de uma inscrição "....D. G. de Fígaro....". O resto não se percebia.

O relógio já não funcionava muito bem. Atrasava ligeiramente e tinha perdido algum do seu brilho pela passagem do tempo. O mecanismo da corda já não estava nos seus melhores tempos. Mas era um relógio que impunha respeito.
Seu pai ainda o tinha mandado compor num relojoeiro de confiança, no tempo em que trabalhara  no consulado português em Madrid (ainda ele não era nascido), mas a irmã do rapaz tinha-o deixado cair, quando era pequena (ao tê-lo subtraído da gaveta do pai, para brincar com ele).

Era uma jóia de família, representando o legado e herança, prefigurando, esta prenda, o rito masculino de passagem à idade adulta.
O rapaz vira o pai muitas vezes com o relógio no bolso do seu colete domingueiro, sempre que se aperaltava para ir à missa ou alguma reunião do partido ou naqueles intermináveis jantares ou recepções de gala, com pessoas de fraque, laços engomados e belas senhoras de vestidos brilhantes. Era uma bela peça, e dava um ar distinto à figura paterna, a qual pegava com reverência no relógio e o sabia abrir de um jeito que sempre o fascinara. O modo solene do pai abrir o tesouro com a mão direita; a forma como olhava para as horas e a expressão que dali retirava, deixara no miúdo uma imagem igual áquelas fotos a preto e branco ou amareladas que costumava ver em casa da tia Florinda, tia-avó que tinha lá prós lados de Arganil).

O pai dizia-lhe que o tinha recebido do avô só depois de ter concluído a faculdade de direito, em Coimbra, como prenda de formatura, mas que decidira que, ele, o seu filho, o teria quando entrasse na faculdade, e o que o usaria com a sua capa e batina - coisa que ele sempre sonhara, mas não fora possível porque o seu avô assim não tinha destinado.

O rapaz, ao receber tamanha prova de confiança e, concomitantemente, ao aperceber-se do testemunho familiar que lhe era confiado, acabou por ficar sem saber que dizer ou fazer.
Para que precisaria ele de uma relíquia daquelas, quando tinha um relógio com mostrador digital, o qual deixava a maior parte das vezes em casa porque o telemóvel também tinha horas?
Além disso, aquele relógio, apesar do seu valor inestimável (e que faria a cobiça de muito bom relojoeiro ou coleccionador) já nem funcionava muito bem, nem ele usava a roupa adequada ao seu porte, e ainda era preciso dar-lhe corda.

O facto é que admirara muitas vezes aquela peça, imaginando a sua história e as mãos por que passara, não deixando de estranhar que tivesse chegado onde chegou em tão bom estado, apesar de tudo, tendo em conta os anos que teria.

Decidiu levar o relógio a um velho ourives, já reformado, e pediu-lhe que compusesse o relógio, que o limpasse e que, acima de tudo, não lhe metesse nenhuma peça nova que destoasse. Mal ou bem, o valor do relógio era precisamente ter-se mantido assim, tal como estava. Limpá-lo, restaurá-lo era bem diferente de o "remendar" com peças modernas, substituindo, como uma vez tinham sugerido ao seu pai, o mecanismo de corda por um de pilha.

Não era relógio com alarme, não mostrava a data (como alguns do género, posteriores, ou cópias que hoje se vêem), não dava grande jeito usá-lo no dia-a-dia, mas era capaz de fazer furor com o seu traje de estudante, além do seu inequívoco simbolismo e significado.
Estimá-lo-ia, para assim o passar ao seu futuro herdeiro ou herdeira. Providenciaria que ele fosse sempre limpo e suas engrenagens oleadas de tantos em tantos anos. Ia meter-lhe também uma corrente nova, pois que a antiga se perdera há muito. Não ia comprar uma muito vistosa, que destoasse ou tirasse o brilho da peça, mas uma segura e discreta, a condizer.

No fundo, ele não sentia aquela peça como sua, mas apenas que dela era fiel depositário. Era uma jóia de família, e a família não era apenas ele. Era uma peça de ontem que chegara aos dias de hoje, e assim deveria permanecer. Era bonito, cumpria perfeitamente a sua função: dar horas.
Relógios havia muitos, para todos os gostos e feitios, mas como aquele eram raros, porque pertencia a um outro tipo de relógios.

Muito tempo mais tarde, apresentou-se ao pai com o relógio já restaurado, mostrando-lho.
O pai, com uma lágrima disfarçada e voz trémula disse:
- Só hoje, meu filho, só hoje te tornaste digno dele e da nossa história familiar. Foi a forma como decidiste dar destino à peça que mostrou o teu carácter.
Após um longo abraço, ficaram ambos a mirar o relógio, pousado nas mãos de ambos.
- Se o teu avô o visse agora..........
- E o Dionísio Granados..........
Fica a parábola para reflexão.

domingo, 18 de abril de 2010

Pseudo-sapientes a falar de tunas

Não sei se ria ou se chore, perante a atitude de certos pseudo-sapientes que acham que o saber se fundamenta no "parece-me" ou no "acho que". Quando a presunção incauta e irresponsável assenta na falta de estudo sério, obviamente que o resultado é o que se vê (ou lê, neste caso).

Bem sabemos que a Wikipédia é uma fonte falível de informação. Tanto lá encontramos informação credível como textos repletos de erros, dado que o seu conteúdo deriva da participação dos utilizadores. A falta de uma política de revisão séria dos conteúdos colocados e a de colaboradores/administradores que possuam formação nas áreas abordadas leva-nos a olhar para esta "fonte" com extremos cuidados. Parece que o mesmo se pode dizer de certas Wiki páginas, como é o caso da que é alvo deste reparo da nossa parte.

É pois na Wikipágina da Univ. Fernando Pessoa que se encontra o artigo em causa:
http://cmultimedia.ufp.pt/index.php/M%C3%BAsica_Popular, o qual se apresenta sob o título "Música Popular".

É datado de 2007 e escrito por um tal Carlos Cardoso.


De salientar que o texto faz parte de um conjunto mais vasto de produções, sob o título "Tradições Académicas", artigos produzidos na disciplina de Comunicação Multimédia no ano lectivo 2007-08. Também neles se verificam os mesmos erros a atitudes inqualificáveis de ignorância e incompetência, mas que escusamos, por hora, esmiuçar (lamenta-se, isso sim, a publicação de trabalhos com tão pouco rigor e perguntamos que critérios avaliativos presidem aos mesmos).

Classificar o conteúdo do artigo não é tarefa fácil, se quisermos manter alguma ecologia intelectual, mas não é menos verdade que não deixa de nos dar volta ao fígado a sucessão de palermices, roçando a estupidez.
De seguida, um breve olhar sobre o conteúdo:


"Música Popular
A Música Popular é muito utilizada pelas tunas hoje em dia, devido ao facto de a geração de hoje ter como gosto o género musical alternativo. Considera-se Música Popular Alternativa a música de bandas ou artistas portugueses contemporâneos, intérpretes mas principalmente autores de temas originais, da área da música popular ou tradicional, mas com pouco reconhecimento comercial e mediático, e cujas vendas se verificam sobretudo no formato "cassete". Consideram-se ainda como parâmetros para esta classificação, a exposição mediática principal ao nível das rádios locais e as actuações ao vivo condicionadas ao formato de baile.
A Música popular é a música feita pelo povo, fazendo parte das suas raízes históricas. É a evolução natural, na era da globalização, da anteriormente chamada música folclórica, que seria a música de um povo transmitida ao longo das gerações. "



Esta explicação é de deixar a boca aberta. Mais ainda esta classificação de Música Popular Alternativa. Não sei onde se desencantou essa nova teoria, mas não a encontro em nenhuma obra de referência da musicologia ou etnomusicologia. O argumento comercial do reconhecimento e exposição mediática é tão ridículo que só pode ser trailer de uma tragicomédia. A própria definição de Música Popular deixa muito a desejar.
Quem não sabe deveria ter o bom-senso de se documentar, antes de se armar em sabichão.
Lastimável!



"O Nascimento da Música Popular
O nascimento da musica popular deu-se durante o ducado de Guillaume IX d`Anquitaine, o avô de Eleanor, surgiu por inspiração dele uma classe de poetas líricos e músicos chamados de “Trovadores”. Esta nova maneira de fazer música, contrariava profundamente a maneira tradicional dos compositores da época para os quais a música e a poesia deviam só ser escritas para Deus, sobre deus e só em latim. O louvor uníssono à deus, estava rompido, tanto no tema como na linguagem. Por esta razão e por ter fama de mulherengo, foi excomungado pelo Papa. Seguindo essa inspiração familiar vivenciada pelo seu avô e pelo seu pai, Eleanor foi o elemento de difusão da nova maneira de fazer música para o povo, que falava de amor e da natureza , na lingua deles. Enquanto durou o casamento com Louis VII, ela continuou a apoiar os Trovadores, recebendo-os na Corte de França.
Esta nova música que era de alguma forma revolucionária para os padrões franceses da época, começou imediatamente a ser aceita pelo povo. Eleanor ajudava financeiramente os jovens artistas, procurando agradar os nobres que os recebessem em qualquer cidade da Europa onde fossem. Foi nesta época que surgiram os músicos viajantes, que cantavam em troca de alimento e pousada, em busca de possíveis patronos. Quando esteve casada com Henry II da Inglaterra não perdeu tempo em traduzir a nova maneira de cantar o amor cortesão, estimulando novas criações da língua bretã. Novamente o sucesso foi instantâneo, tanto na nobreza como nas classes mais populares da sociedade. Os filhos de Eleanor e Henry Iinão só cantavam temas dos trovadores como compunham pequenas peças musicais. Nesse particular, destaca-se o Príncipe Richard. Todos os trovadores que passavam pelo reinado eram convidados a cantar na Corte, inclusive o famoso Bernart de Ventadorn. Apesar se eleanor nunca ter tocado qualquer instrumento musical e nem se ter notícia de qualquer composição feita por ela, foi uma das mais importantes personagens musicais de toda a Idade média e da música no Ocidente. Sem o seu interesse e empenho em patrocinar a música e as artes de uma maneira geral, a música popular seria certamente bem diferente nos dias actuais. Eleanor colocou a música nas mãos de pessoas comuns, permitindo-lhes expressar seus sentimentos e temas que eram importantes para as suas vidas. "



Ora começamos já com uma contradição com o anteriormente dito. Se a música popular deriva da produção espontânea do povo (que reproduz, adapta, cria corruptelas, etc.), como é possível que ela nasça de forma tão individualizada, por mão de um(a) iluminado/a que, depois, serviu de modelo ao resto do mundo?

Depois fala-se em "nova música, revolucionária para os padrões da época", como se, antes disso, o povo não cantasse, tocasse e criasse, mas só estivesse restrito a música religiosa. Mais ainda, e aí a estupidez ganha contornos de acefalia aguda, pretende-se dar a entender que a música popular é um formato, uma tipologia devidamente demarcada que é exportada de França, que é copiada e se dissemina pela Europa fora.
Gostava, contudo, que esse tal sabichão que escreve estas patranhas, me esclarecesse sobre o tipo de música dessa época, o tipo de composição literária e me desse exemplos disso mesmo, nomeadamente quando aplicado a tunas.

Parece-me que não percebeu bem, isso sim, os conceitos de música profana e litúrgica, e muito menos é versado no estudo das formas musicais e literárias medievas, mas, contudo, avança com estes teoremas ficcionados.
Depois, mistura música popular e trovadores, num claro exercício de ignorância, de quem não conhece os conceitos de música erudita em contraponto com as composições profanas (muitas delas, num primeiro tempo, corruptelas de composições sacras) e as hierarquias e códigos sociais/culturais da época.

E vai, assim, de fazer de Eleanor a patrona da música popular, a que a coloca nas mãos das pessoas comuns. Faz lembrar a Raínha Santa, com as rosas - só que Santa Isabel era santa e não consta que conhecesse tunas (nem ela, nem ninguém nessa altura).
Haja paciência, para tamanha falta de decoro intelectual.



"A origem da Música Popular nas Tunas
A origem da Música Popular nas Tunas terá acontecido no ano de 1212, em Espanha, surgido o primeiro "Studium Generale" que seria o antecessor das actuais Universidades. Pouco tempo depois, D. Diniz manda construir os Estudos Gerais de Lisboa (1285) que, devido a diversos problemas entre a população e os estudantes foram transferidos pouco depois para Coimbra - surgindo a primeira Universidade Portuguesa (com esta designação). Aos Estudos Gerais que foram sendo criados acediam jovens de todo o país e mesmo de outros países vizinhos. Assim surgem, em Espanha, os Sopistas, predecessores dos actuais Tunos. Os Sopistas eram estudantes pobres que, com as suas músicas, simpatia e brincadeiras percorriam casas nobres, conventos, ruas e praças em troca, muitas vezes, de um prato de sopa (daí o seu nome - sopistas) ou de uma moeda que os ajudasse a custear os estudos. Quando caía a noite e tocavam os sinos de recolha cantavam serenatas às donzelas que queriam conquistar, sendo, muitas vezes, perseguidos pelas policias universitárias (visto que o recolher era obrigatório para os estudantes). Daí que os sopistas começaram a utilizar longas capas negras para, na noite escura, se poderem esconder dos polícias. Os Sopistas, eram conhecidos por transportarem sempre consigo um garfo e uma colher de madeira, o que lhes permitia comer em qualquer lado. Assim, quando se formaram as primeiras Tunas, ainda com muitas tradições sopistas, os símbolos adoptados (essencialmente em Espanha) foram, justamente a colher e o garfo de madeira. "



Depois de ler, atentamente, este parágrafo, acabo na mesma como o comecei: sem saber, afinal, qual a origem da música popular nas tunas, porque tal não é respondido.
O que li foi uma inócua tentativa de fazer uma diegese genealógica de sopistas e tunos, numa sucessão de erros e falsidades uma vez mais derivados do copy-paste sem critério; de muita informação errónea e equivocada, que pulula na net: as tais estórias da carochinha que todos professam dogmaticamente sem procurar, sequer, verificar da sua validade.
Começava por relembrar que, no caso de Portugal, é o Papa Nicolau IV que, através da Bula STATU REGNI PORTUCALIAE (1290), confere, então, a Lisboa o tão ansiado estudo geral, sendo nesse mesmo ano confirmado o estudo, em Carta promulgada por El- Rei D. Dinis: “ Dada em Leiria a 1 de Março. Por mandado d´El - Rei a notou Afonso Martim. Era de 1328.” (1290).
Quanto à música popular e às tunas, dizer que, no séc. XIII, não existem tunas, muito menos sopistas, e muito menos tunos. Seja como for, gostava que o douto autor do texto me esclarecesse da tipologia e características dos temas interpretados por esses sopistas e tunos, já agora. Sobre estas "histórias" que não passam de contos, leia-se "A Aventura das 5 Mentiras Tunantes Nacionais" ou ainda "600 Anos de Pseudo-Tradição Tunante".
Parece-me que, afinal, tem o literato Carlos Cardoso muito pouca propriedade em matéria de musicologia, etnomusicologia e tunologia e que ainda vive dos expedientes fixados no mito e nas estórias ficcionadas. Sugeria que ponderasse pesquisa de literatura especializada para uma profiláctica reflexão crítica.

Quanto à explicação sobre o uso das longas capas, mais uma vez estamos perante a imaginação fértil da iliteracia, o ficcionar do "ouvi dizer" (já era hora de sair do país do faz de conta). Não sei onde foi buscar essa teoria. Se está no direito de inventar, pelo menos que o faça de forma plausível. Sobre o assunto, sugiro a leitura do artigo Notas de Cor sobre a Capa e Batina.
Seja como for, parece-me lamentável que os leitores sejam induzidos em erro, ao "prometer-se-lhes" esclarecer da origem da música popular nas tunas e, depois, nada explique ou ilustre, nada exponha de tangível. Por uma questão pedagógica, e para desfazer qualquer equívoco sobre essa errada teoria de ligar tunas e música popular, sugeria a leitura do artigo "A Aventura do Mito Popular".
"O Aparecimento das Primeiras Tunas


A primeira Tuna formou-se em Coimbra, a partir da visita da Tuna de Santiago de Compostela e depois da Tuna de Salamanca e foi chamada Tuna Académica de Coimbra ou Estudantina Universitária de Coimbra."



Ora, aqui, estava à espera de algo mais do que citar, apenas, a Estudantina de Coimbra, já que o título diz falar das primeiras tunas. Não tem mais tunas para apresentar?
Desde já, fique o omnisciente Carlos Cardoso seguro que a Estudantina de Coimbra (só anos depois, adopta o nome de TAUC e resta por provar inequivocamente que se trata do mesmíssimo grupo) não é a primeira tuna em Portugal, mas sim a primeira a nascer em âmbito universitário, mesmo se não era composta, exclusivamente, por estudantes da U.C. (um dos motivos que leva a estudantina a extinguir-se em 1891).
Por outro lado, a Estudantina de Coimbra nasce em resposta à vista da Tuna Compostelana, e não de Salamanca (lamentável a falta de precisão histórica!).
Para quem tem a veleidade e presunção de publicar na Wiki página da sua instituição de ensino, seria bom que estudasse melhor a lição (e que quem coordenou o trabalho dessa disciplina fizesse outro tanto). Nem todos são papalvos que fazem do copy-paste e da mediocridade intelectual a sua metodologia; nem todos assobiam pró lado quando lhes atiram arreia para os olhos.
"Exemplos

A caminho de Viseu
Indo eu, indo eu,
A caminho de Viseu, [Bis] 


Encontrei o meu amor,
Ai Jesus, que lá vou eu! [Bis] 


[Refrão]
Ora zus, truz, truz,
Ora zás, trás, trás,
Ora chega, chega, chega,
Ora arreda lá pr’a trás! 


Indo eu, indo eu,
A caminho de Viseu,
Escorreguei, torci um pé,
Ai que tanto me doeu! 


[Refrão]
Vindo eu, vindo eu,
Da cidade de Viseu,
Deixei lá o meu amor,
O que bem me aborreceu! 


Letra e música: popular; (canção infantil, canção de roda) "



Ora, só podia o artigo terminar com "chave de ouro", com a "pièce de résistance".
O tema popular "Indo Eu a Caminho de Viseu" (que o autor chama de "A Caminho de Viseu") é escolhido como paradigma da música popular nas tunas. 
Só não percebi se o é desde o séc. XIII. Pode dizer o grande académico Carlos Cardoso de quando é datado, aproximadamente, o tema?

Que eu saiba, só as tunas viseenses têm por costume cantar esta canção e, com excepção da Infantuna que, recentemente, lhe fez um belíssimo arranjo - pela mão do Dionísio V. Maior- e incluiu no seu reportório, sempre foi entoado de modo informal.

Que outras de fora o cantassem, sempre que rumavam Viseu, é natural, mas daí a fazer do tema ícone popular nas tunas...... parece-me claramente exagerado. Além disso, Tunas, em Viseu (exceptuando o caso da Estudantina Viseense de 1895 - que não consta que o tocasse ou cantasse, pois nem se sabe se o tema já existiria na altura), só há 2 décadas, pelo que não percebo esta infeliz escolha.


CONCLUINDO


Se a intenção era falar de Música Popular, não vejo, nem percebo, a inclusão de Tunas (pelo menos sem sem estabelecer uma ligação a tinas populares, cujo repertório, ainda assim, era bem mais lato).

Quando muito, poderia dizer-se que também as tunas incorporam no seu repertório música popular. Agora, colocá-las como expressão da mesma é lacunar e errado. Se o artigo é sobre Música Popular, onde estão as referências rurais e urbanas, os grupos, os instrumentos, as características, as tipologias musicais?

Se a intenção era falar sobre a Música Popular nas Tunas, não se percebe o título do artigo (Música Popular), além de que não explica coisa alguma.
Se o pretendido era falar sobre Tunas, errou completamente a tabuleta!

O facto é que nem faz uma coisa nem outra e o que faz é coisa nenhuma!
É lamentável, e vergonhoso até, que estudantes do Ensino Superior passem esta imagem de medíocre falta de rigor e saber. É isso que aprendem na faculdade? Duvido (e, por isso pergunto-me como chegaram ao Ensino Superior), mesmo se algum ônus da culpa recaia sobre quem coordenou esse trabalho no ãmbito da dita disciplina de comunicação multimédia.

Ao que tudo indica, o autor, Carlos Cardoso, não só empalidece a imagem dos alunos da Univ. Fernando Pessoa, instituição que merece todo o respeito - algo que o pseudo-sapiente não teve em conta - mas do estudante em geral, e do tuno em particular.

Ao que parece, estudante (ou ex-aluno) em comunicação multimédia, estou seguro que terá contrato num qualquer órgão de comunicação social sensacionalista.
Termino o artigo pedindo, desde já, desculpa, pelo tom acertivo impresso nesta intervenção, mas, actualmente, com os meios informativos disponíveis, quando se trata de pessoas supostamente letradas, quando se trata de promover a excelência e o rigor sobre uma cultura e história que todos deveriam conhecer melhor - a Tuna (de que fazem, ou dizem fazer, parte), já farta ver tanta palermice e falta de exigência académica e científica.


Que já exista o mau hábito de ler sites de tunas com patetices deste género é uma coisa, mas fazer disso facto credível com direitos de publicação numa Wikipédia de uma consagrada Instituição de Ensino..................

Ninguém está isento do erro (até porque a verdade pode ser sempre contradita por novas descobertas investigadas), mas haja o bom-senso de, ao escrever, fazer o esforço por estudar, investigar e documentar-se (e confrontar fontes) o melhor possível, de modo a que, mesmo passível de erro ou correcção futura, se mantenha a idoneidade e credibilidade de quem escreve.

Neste caso, não me parece desculpável que, existindo dados credíveis e acessíveis, se cometam tantas argoladas.

Quem não sabe pergunta e "quem não tem competência não se estabelece!".

quarta-feira, 14 de abril de 2010

CoSaGaPe em Viseu

Após um bom almoço, como o são todas as refeições em Viseu, rumámos a minha casa para acertar questões várias.
Fazer um livro a 4 desidrata.