domingo, 18 de abril de 2010

Pseudo-sapientes a falar de tunas

Não sei se ria ou se chore, perante a atitude de certos pseudo-sapientes que acham que o saber se fundamenta no "parece-me" ou no "acho que". Quando a presunção incauta e irresponsável assenta na falta de estudo sério, obviamente que o resultado é o que se vê (ou lê, neste caso).

Bem sabemos que a Wikipédia é uma fonte falível de informação. Tanto lá encontramos informação credível como textos repletos de erros, dado que o seu conteúdo deriva da participação dos utilizadores. A falta de uma política de revisão séria dos conteúdos colocados e a de colaboradores/administradores que possuam formação nas áreas abordadas leva-nos a olhar para esta "fonte" com extremos cuidados. Parece que o mesmo se pode dizer de certas Wiki páginas, como é o caso da que é alvo deste reparo da nossa parte.

É pois na Wikipágina da Univ. Fernando Pessoa que se encontra o artigo em causa:
http://cmultimedia.ufp.pt/index.php/M%C3%BAsica_Popular, o qual se apresenta sob o título "Música Popular".

É datado de 2007 e escrito por um tal Carlos Cardoso.


De salientar que o texto faz parte de um conjunto mais vasto de produções, sob o título "Tradições Académicas", artigos produzidos na disciplina de Comunicação Multimédia no ano lectivo 2007-08. Também neles se verificam os mesmos erros a atitudes inqualificáveis de ignorância e incompetência, mas que escusamos, por hora, esmiuçar (lamenta-se, isso sim, a publicação de trabalhos com tão pouco rigor e perguntamos que critérios avaliativos presidem aos mesmos).

Classificar o conteúdo do artigo não é tarefa fácil, se quisermos manter alguma ecologia intelectual, mas não é menos verdade que não deixa de nos dar volta ao fígado a sucessão de palermices, roçando a estupidez.
De seguida, um breve olhar sobre o conteúdo:


"Música Popular
A Música Popular é muito utilizada pelas tunas hoje em dia, devido ao facto de a geração de hoje ter como gosto o género musical alternativo. Considera-se Música Popular Alternativa a música de bandas ou artistas portugueses contemporâneos, intérpretes mas principalmente autores de temas originais, da área da música popular ou tradicional, mas com pouco reconhecimento comercial e mediático, e cujas vendas se verificam sobretudo no formato "cassete". Consideram-se ainda como parâmetros para esta classificação, a exposição mediática principal ao nível das rádios locais e as actuações ao vivo condicionadas ao formato de baile.
A Música popular é a música feita pelo povo, fazendo parte das suas raízes históricas. É a evolução natural, na era da globalização, da anteriormente chamada música folclórica, que seria a música de um povo transmitida ao longo das gerações. "



Esta explicação é de deixar a boca aberta. Mais ainda esta classificação de Música Popular Alternativa. Não sei onde se desencantou essa nova teoria, mas não a encontro em nenhuma obra de referência da musicologia ou etnomusicologia. O argumento comercial do reconhecimento e exposição mediática é tão ridículo que só pode ser trailer de uma tragicomédia. A própria definição de Música Popular deixa muito a desejar.
Quem não sabe deveria ter o bom-senso de se documentar, antes de se armar em sabichão.
Lastimável!



"O Nascimento da Música Popular
O nascimento da musica popular deu-se durante o ducado de Guillaume IX d`Anquitaine, o avô de Eleanor, surgiu por inspiração dele uma classe de poetas líricos e músicos chamados de “Trovadores”. Esta nova maneira de fazer música, contrariava profundamente a maneira tradicional dos compositores da época para os quais a música e a poesia deviam só ser escritas para Deus, sobre deus e só em latim. O louvor uníssono à deus, estava rompido, tanto no tema como na linguagem. Por esta razão e por ter fama de mulherengo, foi excomungado pelo Papa. Seguindo essa inspiração familiar vivenciada pelo seu avô e pelo seu pai, Eleanor foi o elemento de difusão da nova maneira de fazer música para o povo, que falava de amor e da natureza , na lingua deles. Enquanto durou o casamento com Louis VII, ela continuou a apoiar os Trovadores, recebendo-os na Corte de França.
Esta nova música que era de alguma forma revolucionária para os padrões franceses da época, começou imediatamente a ser aceita pelo povo. Eleanor ajudava financeiramente os jovens artistas, procurando agradar os nobres que os recebessem em qualquer cidade da Europa onde fossem. Foi nesta época que surgiram os músicos viajantes, que cantavam em troca de alimento e pousada, em busca de possíveis patronos. Quando esteve casada com Henry II da Inglaterra não perdeu tempo em traduzir a nova maneira de cantar o amor cortesão, estimulando novas criações da língua bretã. Novamente o sucesso foi instantâneo, tanto na nobreza como nas classes mais populares da sociedade. Os filhos de Eleanor e Henry Iinão só cantavam temas dos trovadores como compunham pequenas peças musicais. Nesse particular, destaca-se o Príncipe Richard. Todos os trovadores que passavam pelo reinado eram convidados a cantar na Corte, inclusive o famoso Bernart de Ventadorn. Apesar se eleanor nunca ter tocado qualquer instrumento musical e nem se ter notícia de qualquer composição feita por ela, foi uma das mais importantes personagens musicais de toda a Idade média e da música no Ocidente. Sem o seu interesse e empenho em patrocinar a música e as artes de uma maneira geral, a música popular seria certamente bem diferente nos dias actuais. Eleanor colocou a música nas mãos de pessoas comuns, permitindo-lhes expressar seus sentimentos e temas que eram importantes para as suas vidas. "



Ora começamos já com uma contradição com o anteriormente dito. Se a música popular deriva da produção espontânea do povo (que reproduz, adapta, cria corruptelas, etc.), como é possível que ela nasça de forma tão individualizada, por mão de um(a) iluminado/a que, depois, serviu de modelo ao resto do mundo?

Depois fala-se em "nova música, revolucionária para os padrões da época", como se, antes disso, o povo não cantasse, tocasse e criasse, mas só estivesse restrito a música religiosa. Mais ainda, e aí a estupidez ganha contornos de acefalia aguda, pretende-se dar a entender que a música popular é um formato, uma tipologia devidamente demarcada que é exportada de França, que é copiada e se dissemina pela Europa fora.
Gostava, contudo, que esse tal sabichão que escreve estas patranhas, me esclarecesse sobre o tipo de música dessa época, o tipo de composição literária e me desse exemplos disso mesmo, nomeadamente quando aplicado a tunas.

Parece-me que não percebeu bem, isso sim, os conceitos de música profana e litúrgica, e muito menos é versado no estudo das formas musicais e literárias medievas, mas, contudo, avança com estes teoremas ficcionados.
Depois, mistura música popular e trovadores, num claro exercício de ignorância, de quem não conhece os conceitos de música erudita em contraponto com as composições profanas (muitas delas, num primeiro tempo, corruptelas de composições sacras) e as hierarquias e códigos sociais/culturais da época.

E vai, assim, de fazer de Eleanor a patrona da música popular, a que a coloca nas mãos das pessoas comuns. Faz lembrar a Raínha Santa, com as rosas - só que Santa Isabel era santa e não consta que conhecesse tunas (nem ela, nem ninguém nessa altura).
Haja paciência, para tamanha falta de decoro intelectual.



"A origem da Música Popular nas Tunas
A origem da Música Popular nas Tunas terá acontecido no ano de 1212, em Espanha, surgido o primeiro "Studium Generale" que seria o antecessor das actuais Universidades. Pouco tempo depois, D. Diniz manda construir os Estudos Gerais de Lisboa (1285) que, devido a diversos problemas entre a população e os estudantes foram transferidos pouco depois para Coimbra - surgindo a primeira Universidade Portuguesa (com esta designação). Aos Estudos Gerais que foram sendo criados acediam jovens de todo o país e mesmo de outros países vizinhos. Assim surgem, em Espanha, os Sopistas, predecessores dos actuais Tunos. Os Sopistas eram estudantes pobres que, com as suas músicas, simpatia e brincadeiras percorriam casas nobres, conventos, ruas e praças em troca, muitas vezes, de um prato de sopa (daí o seu nome - sopistas) ou de uma moeda que os ajudasse a custear os estudos. Quando caía a noite e tocavam os sinos de recolha cantavam serenatas às donzelas que queriam conquistar, sendo, muitas vezes, perseguidos pelas policias universitárias (visto que o recolher era obrigatório para os estudantes). Daí que os sopistas começaram a utilizar longas capas negras para, na noite escura, se poderem esconder dos polícias. Os Sopistas, eram conhecidos por transportarem sempre consigo um garfo e uma colher de madeira, o que lhes permitia comer em qualquer lado. Assim, quando se formaram as primeiras Tunas, ainda com muitas tradições sopistas, os símbolos adoptados (essencialmente em Espanha) foram, justamente a colher e o garfo de madeira. "



Depois de ler, atentamente, este parágrafo, acabo na mesma como o comecei: sem saber, afinal, qual a origem da música popular nas tunas, porque tal não é respondido.
O que li foi uma inócua tentativa de fazer uma diegese genealógica de sopistas e tunos, numa sucessão de erros e falsidades uma vez mais derivados do copy-paste sem critério; de muita informação errónea e equivocada, que pulula na net: as tais estórias da carochinha que todos professam dogmaticamente sem procurar, sequer, verificar da sua validade.
Começava por relembrar que, no caso de Portugal, é o Papa Nicolau IV que, através da Bula STATU REGNI PORTUCALIAE (1290), confere, então, a Lisboa o tão ansiado estudo geral, sendo nesse mesmo ano confirmado o estudo, em Carta promulgada por El- Rei D. Dinis: “ Dada em Leiria a 1 de Março. Por mandado d´El - Rei a notou Afonso Martim. Era de 1328.” (1290).
Quanto à música popular e às tunas, dizer que, no séc. XIII, não existem tunas, muito menos sopistas, e muito menos tunos. Seja como for, gostava que o douto autor do texto me esclarecesse da tipologia e características dos temas interpretados por esses sopistas e tunos, já agora. Sobre estas "histórias" que não passam de contos, leia-se "A Aventura das 5 Mentiras Tunantes Nacionais" ou ainda "600 Anos de Pseudo-Tradição Tunante".
Parece-me que, afinal, tem o literato Carlos Cardoso muito pouca propriedade em matéria de musicologia, etnomusicologia e tunologia e que ainda vive dos expedientes fixados no mito e nas estórias ficcionadas. Sugeria que ponderasse pesquisa de literatura especializada para uma profiláctica reflexão crítica.

Quanto à explicação sobre o uso das longas capas, mais uma vez estamos perante a imaginação fértil da iliteracia, o ficcionar do "ouvi dizer" (já era hora de sair do país do faz de conta). Não sei onde foi buscar essa teoria. Se está no direito de inventar, pelo menos que o faça de forma plausível. Sobre o assunto, sugiro a leitura do artigo Notas de Cor sobre a Capa e Batina.
Seja como for, parece-me lamentável que os leitores sejam induzidos em erro, ao "prometer-se-lhes" esclarecer da origem da música popular nas tunas e, depois, nada explique ou ilustre, nada exponha de tangível. Por uma questão pedagógica, e para desfazer qualquer equívoco sobre essa errada teoria de ligar tunas e música popular, sugeria a leitura do artigo "A Aventura do Mito Popular".
"O Aparecimento das Primeiras Tunas


A primeira Tuna formou-se em Coimbra, a partir da visita da Tuna de Santiago de Compostela e depois da Tuna de Salamanca e foi chamada Tuna Académica de Coimbra ou Estudantina Universitária de Coimbra."



Ora, aqui, estava à espera de algo mais do que citar, apenas, a Estudantina de Coimbra, já que o título diz falar das primeiras tunas. Não tem mais tunas para apresentar?
Desde já, fique o omnisciente Carlos Cardoso seguro que a Estudantina de Coimbra (só anos depois, adopta o nome de TAUC e resta por provar inequivocamente que se trata do mesmíssimo grupo) não é a primeira tuna em Portugal, mas sim a primeira a nascer em âmbito universitário, mesmo se não era composta, exclusivamente, por estudantes da U.C. (um dos motivos que leva a estudantina a extinguir-se em 1891).
Por outro lado, a Estudantina de Coimbra nasce em resposta à vista da Tuna Compostelana, e não de Salamanca (lamentável a falta de precisão histórica!).
Para quem tem a veleidade e presunção de publicar na Wiki página da sua instituição de ensino, seria bom que estudasse melhor a lição (e que quem coordenou o trabalho dessa disciplina fizesse outro tanto). Nem todos são papalvos que fazem do copy-paste e da mediocridade intelectual a sua metodologia; nem todos assobiam pró lado quando lhes atiram arreia para os olhos.
"Exemplos

A caminho de Viseu
Indo eu, indo eu,
A caminho de Viseu, [Bis] 


Encontrei o meu amor,
Ai Jesus, que lá vou eu! [Bis] 


[Refrão]
Ora zus, truz, truz,
Ora zás, trás, trás,
Ora chega, chega, chega,
Ora arreda lá pr’a trás! 


Indo eu, indo eu,
A caminho de Viseu,
Escorreguei, torci um pé,
Ai que tanto me doeu! 


[Refrão]
Vindo eu, vindo eu,
Da cidade de Viseu,
Deixei lá o meu amor,
O que bem me aborreceu! 


Letra e música: popular; (canção infantil, canção de roda) "



Ora, só podia o artigo terminar com "chave de ouro", com a "pièce de résistance".
O tema popular "Indo Eu a Caminho de Viseu" (que o autor chama de "A Caminho de Viseu") é escolhido como paradigma da música popular nas tunas. 
Só não percebi se o é desde o séc. XIII. Pode dizer o grande académico Carlos Cardoso de quando é datado, aproximadamente, o tema?

Que eu saiba, só as tunas viseenses têm por costume cantar esta canção e, com excepção da Infantuna que, recentemente, lhe fez um belíssimo arranjo - pela mão do Dionísio V. Maior- e incluiu no seu reportório, sempre foi entoado de modo informal.

Que outras de fora o cantassem, sempre que rumavam Viseu, é natural, mas daí a fazer do tema ícone popular nas tunas...... parece-me claramente exagerado. Além disso, Tunas, em Viseu (exceptuando o caso da Estudantina Viseense de 1895 - que não consta que o tocasse ou cantasse, pois nem se sabe se o tema já existiria na altura), só há 2 décadas, pelo que não percebo esta infeliz escolha.


CONCLUINDO


Se a intenção era falar de Música Popular, não vejo, nem percebo, a inclusão de Tunas (pelo menos sem sem estabelecer uma ligação a tinas populares, cujo repertório, ainda assim, era bem mais lato).

Quando muito, poderia dizer-se que também as tunas incorporam no seu repertório música popular. Agora, colocá-las como expressão da mesma é lacunar e errado. Se o artigo é sobre Música Popular, onde estão as referências rurais e urbanas, os grupos, os instrumentos, as características, as tipologias musicais?

Se a intenção era falar sobre a Música Popular nas Tunas, não se percebe o título do artigo (Música Popular), além de que não explica coisa alguma.
Se o pretendido era falar sobre Tunas, errou completamente a tabuleta!

O facto é que nem faz uma coisa nem outra e o que faz é coisa nenhuma!
É lamentável, e vergonhoso até, que estudantes do Ensino Superior passem esta imagem de medíocre falta de rigor e saber. É isso que aprendem na faculdade? Duvido (e, por isso pergunto-me como chegaram ao Ensino Superior), mesmo se algum ônus da culpa recaia sobre quem coordenou esse trabalho no ãmbito da dita disciplina de comunicação multimédia.

Ao que tudo indica, o autor, Carlos Cardoso, não só empalidece a imagem dos alunos da Univ. Fernando Pessoa, instituição que merece todo o respeito - algo que o pseudo-sapiente não teve em conta - mas do estudante em geral, e do tuno em particular.

Ao que parece, estudante (ou ex-aluno) em comunicação multimédia, estou seguro que terá contrato num qualquer órgão de comunicação social sensacionalista.
Termino o artigo pedindo, desde já, desculpa, pelo tom acertivo impresso nesta intervenção, mas, actualmente, com os meios informativos disponíveis, quando se trata de pessoas supostamente letradas, quando se trata de promover a excelência e o rigor sobre uma cultura e história que todos deveriam conhecer melhor - a Tuna (de que fazem, ou dizem fazer, parte), já farta ver tanta palermice e falta de exigência académica e científica.


Que já exista o mau hábito de ler sites de tunas com patetices deste género é uma coisa, mas fazer disso facto credível com direitos de publicação numa Wikipédia de uma consagrada Instituição de Ensino..................

Ninguém está isento do erro (até porque a verdade pode ser sempre contradita por novas descobertas investigadas), mas haja o bom-senso de, ao escrever, fazer o esforço por estudar, investigar e documentar-se (e confrontar fontes) o melhor possível, de modo a que, mesmo passível de erro ou correcção futura, se mantenha a idoneidade e credibilidade de quem escreve.

Neste caso, não me parece desculpável que, existindo dados credíveis e acessíveis, se cometam tantas argoladas.

Quem não sabe pergunta e "quem não tem competência não se estabelece!".

quarta-feira, 14 de abril de 2010

CoSaGaPe em Viseu

Após um bom almoço, como o são todas as refeições em Viseu, rumámos a minha casa para acertar questões várias.
Fazer um livro a 4 desidrata.