Bem sabemos, já é chavão
repetido, que, em idos do "boom" das tunas, na década de 80/90 do
séc. XX, os protagonistas desse "boom" foram, grosso modo, os
mesmos do reabilitar das tradições académicas, daí resultando uma contaminação
total entre conceitos praxísticos e conceitos tuneris.
Hoje sabemos o quão caro se
pagou, e ainda se vai pagando, em resultado dessa mistura explosiva (que, num
primeiro tempo pode ter beneficiado ambos, mas, depois, prejudicou todos,
especialmente a Tuna).
Hoje sabemos que Tuna e Praxe
são coisas distintas.
Sabemos? Nem todos,
infelizmente.
Ainda hoje temos
questiúnculas originadas pela colisão dessas duas realidades.
Contudo, se muitos são
aqueles que já separaram (q.b.) as águas - e é já comum as pessoas perceberem, mais ou
menos, que há uma diferença de âmbito e "jurisdição" - a Tuna
portuguesa ainda mantém no seu seio um traço praxístico (e exclusivamente
praxístico) que nada tem a ver com tradição tuneril: o traje de caloiros da
tuna.
Falo, naturalmente, dos casos
em que o traje adoptado pela Tuna é o traje da sua academia (e apenas desses casos).
Sabemos, porque facto
documentado, que a nenhum estudante pode ser vedado o uso pelo do traje
académico e das suas insígnias pessoais (grelo, fitas...), pois não é da
competência de organismos de praxe determinar tal, e muitos menos um direito
apenas adquirido pela participação/aprovação em praxes (não é assunto da Praxe, portanto). Dizer ou pensar o
contrário é absurdo e revela mera ignorância da Tradição Académica e um conceito de Praxe distorcido.
Mas esse preconceito e equívoco
(que leva à parvoíce suprema das cerimónias do "traçar da capa" ou
das rotulações de "anti-praxe") fez muito caminho por esse
país fora: primeiro de tudo, proibir o uso do traje a quem não foi praxado
(chegado à estupidez extrema de pretender proibir a participação em Queimas das
Fitas e quejandos) e, em segundo lugar, proibir o uso do traje aos caloiros (só porque são caloiros).
E é o resultado do 2.º
equívoco que contaminou as nossas Tunas.
Ora histórica e
tradicionalmente, os caloiros sempre puderam trajar (o uso do traje é aliás um
costume que se estende a colégios e liceus desde o séc. XIX), mas, por alguma misteriosa
amnésia (que o facto das tradições académicas terem estado suspensas durante
toda a década de 1970 não
desculpa inteiramente), aparece o "boato" (que apressados ignorantes
logo grafaram em "códigos praxeiros") que
caloiros não podiam senão trajar a partir da sua 1.ª Queima das Fitas.
E foi fruto desse equívoco,
que a mistura de protagonistas elevou a tra(d)ição académica, que as tunas
implementarem os trajes de caloiro, na senda desse erro de concepção: que os caloiros não podiam trajar.
Note-se que, em Espanha, os
caloiros trajam o traje de tuna, apenas não ostentando a "Beca", a
qual só ganham após o período de aprendizagem.
Nunca foi costume nem
prática, na centenária tradição tuneril portuguesa que os novatos da tuna não
pudessem trajar. Tal como nunca houve praxes de tuna antes da contaminação
praxística iniciada a partir da década de 80-90 do séc. XX.
Se tanto se enche a boca na
perpetuação da Tradição, no respeito da tradição tuneril, então talvez fosse
tempo de rever praxísitos conceitos erróneos
que continuam colados à Tuna, como esse hábito de, em tunas que usam o traje da
sua academia, vedar esse mesmo traje só porque são caloiros.
Um traje académico vedado a caloiros nem sequer pode ser considerado traje académico (ver AQUI). Se esse mesmo traje é também usado em Tuna, também aí a Tuna não pode, nem deve, impedir o seu uso. Questão de coerência e de senso.
Uma tuna que se diz "académica"
(estudantil, portanto, seja ela universitária ou liceal) é porque é composta de
alunos, de estudantes (ou antigos estudantes), cuja indumentária é o traje
(porque isso assim os identifica - a eles e à tuna).
Se não faz sentido que o
traje do estudante seja negado a caloiros por patetices praxísticas sem fundamento
algum, muito menos numa tuna.
É certo que a Tuna se rege
pelos seus próprios regulamentos e faz como entende melhor, mas será sempre hipócrita
não reconhecer que esse "costume" - de não permitir aos caloiros da tuna
usarem traje (e falo, uma vez mais, sublinho, das tunas que adoptam o traje da
sua academia) é motivado por uma falsa tradição tuneril (por influência assente em pressupostos históricos "ilegais").
A existência de traje de caloiro da Tuna resulta da equivocada influência da "Praxe" (neste caso, de um
erro crasso que nem sequer é Praxe nem tem fundamento histórico ou tradicional
algum) e, há que o dizer, não tem sentido algum, constituindo um paradoxo.
A Tuna já se foi livrando de muitos mitos (origens no séc. XII ou XVI, Sopistas, tocar sentada.....), mas continua a perpetuar um erro.
Um erro que qualquer pessoa mais informada e sensata reconhece como aberração praxística: proibir o uso do traje a caloiros ou a quem não foi praxado (porque "o traje é estudantil e não praxístico" como se responde sumariamente, e bem).
Se, e muito bem, se diz que o traje é estudantil/académico e não praxístico (contrariando os ditames inconsistentes de tantas "comixões de prache"), vale precisamente em tuna também: o traje é estudantil e não tunante.
O uso do traje académico (em vigor na instituição e que é o mesmo que a tuna adopta) é, portanto, um direito primário e basilar do estudante. Cercear esse direito só porque entra na tuna (que se diz académica) é um absurdo; e não é melhor a tuna que o faz do que a comissão praxista que se critica por fazer o mesmo.
Fica para reflexão.