domingo, 28 de março de 2010

No VIII Estudantino


Gostei. Um bom ambiente e rever muitos amigos.

















domingo, 7 de março de 2010

Tunas, Bandeira(s) / Estandarte(s)

Assunto bastante esmiuçado no fórum do PortugalTunas, ainda não tinha sobre ele discorrido neste espaço. Assim sendo, cá vão uns considerandos.


Todos estão familiarizados com a nova moda de bandeiras a metro e a rebaldaria que se verifica na hora de destrinçar o que é estandarte/bandeira da Tuna dos pseudo-estandartes e pseudo-bandeiras com que nos prendam certas tunas em palco.

A confusão é natural, dado que, demasiadas vezes, a catadupa e quantidade de panos a esvoaçar nos coloca a difícil tarefa de perceber onde está o estandarte (ou bandeira) oficial da Tuna e onde começa o circo.

O Estandarte ou Bandeira da Tuna é só um(a). Sempre assim o foi, historicamente.
Esse símbolo sempre foi tido como o mais importante de cada agremiação (e não só em tunas), merecedor de toda a reverência e respeito.
Antigamente, nomeadamente nas tunas do séc. XIX e XX (até ao boom), o estandarte da Tuna existia como sinal maior e congregador. Com efeito, era nele que se colocavam fitas de homenagem, de reconhecimento e agradecimento (um pouco como ainda vemos no caso dos ranchos).

Ao estandarte se prestava como que um culto de respeito e orgulho, estimando-o e adulando o seu valor representativo, aliás como sempre foi tradição, ao longo da história, com as bandeiras (fossem elas nacionais, de regimento, corporação etc.).
Nos campos de batalha, contava-se vitória pelo n.º de estandartes retirados ao inimigo, daí que a protecção à bandeira era alvo dos maiores cuidados - o mesmo se passando na conquistas de praças fortificadas ou cidades: a conquista do estandarte inimigo significava a derrota ou capitulação do mesmo.

Hoje em dia, parece que esse reconhecimento e valoração passou para 2.º plano.

Este fim de semana assisti à actuação de uma tuna de que registei o seguinte:

1º Apresentava diversas bandeiras do seu município, com as quais fez os malabarismos costumeiros (ficando algumas no chão, enquanto as demais estavam a rodopiar);
2º Das bandeiras apresentadas, uma era, pasme-se, da Junta de Freguesia;
3º Algumas bandeiras do município, artilhadas com efeitos pirotécnicos, apresentavam-se rotas, com buracos de queimaduras que mais não traduzem  que a falta de respeito perante um símbolo que, não sendo da Tuna, merece ainda maior respeito pela natureza do mesmo. Uma bandeira é para ser estimada e não assim vulgarizada e reduzida a adereço cénico de qualquer show de saltimbancos;
4º Depois, apareceram as "bandeiras de sinalização", um subtipo de bandeira (configuradas em bandeira de mão) sem qualquer logótipo ou desenho identificativo, meros panos de cor. Neste caso, eram 4, duas em cada mão. Pensei estar a tratar-se da aterragem de algum avião ou antigo método de comunicação medieval;
5º, e não menos importante, a dita Tuna não apresentava nenhum estandarte ou bandeira da Tuna.

Com isto dizer que seria bom que as tunas não confundissem circo e tunas. Nos tempo sidos, os espectáculos das tunas comportavam representações dramáticas, declamação de poemas, solos musicais, fados, a par com a própria parte orquestral (da tuna propriamente dita), mas não consta que houvesse número de circo, malabarismos e "bandeiradas".

Tradicionalmente, o estandarte não era para ser bailado, até pela reverência e importância do mesmo. Mais tarde, com o precedente criado, e copiado, do país vizinho, emanado dos tempos do S.E.U. (Sindicato Universitário Espanhol), começaram os estandartes DE TUNA a serem bailados ou, então, a aparecer uma bandeira com o logótipo da tuna, propositadamente feita para ser bailada - assumindo-se "versão bailável" do próprio estandarte (o qual ficava quietinho, continuando a assumir o seu papel de sempre - e bem - de identificar e representar a Tuna).

Não eram nem 2, nem 3 nem 4 bandeiras. Não se clonavam bandeiras para obedecer a meras lógicas de espectáculo cénico, ele próprio subordinado à lógica do "vale tudo" para se conseguir um prémio (e recordamos a "festivalite aguda" que descaracterizou e travestiu muito boa tuna neste país).

É de perguntar onde está a coerência destas "bandeiradas". Onde está o nexo de uma tuna, neste caso, não se apresentar sequer com o seu próprio estandarte ou bandeira, mas empregar outras, as quais apresenta em estado lastimável e, pior ainda, apresentando bandeirolas, lembrando aquela versão olímpica da ginástica rítmica com fitas.

Não vou entrar em moralismos quanto ao uso, nem sempre feito com critério, de bandeiras de município (ou mesmo da bandeira nacional), embora me pareça que muitas vezes se acaba por vulgarizar a importância desse símbolo, transformado em mero adereço cénico (pessoalmente, creio ser abuso brincar com tais símbolos).

Já o que acho sem nexo algum é a dança de bandeiras, que, na verdade, nem bandeiras são (porque não representam nada, não são bandeira de nada), não passam de meros panos de cor. E muito menos percebo que qualquer jurado considere e avalie tal.
E quando, num mesmo espectáculo, bailam, alternada ou concomitantemente, bandeiras de município, bandeira nacional, bandeira de tuna............ não apenas se promove a confusão como se equipara tudo por uma bitola pouco consentânea, onde o valor de um paninho a esvoaçar tem a mesmíssima valoração  de uma  bandeira/estandarte da tuna (com a sua heráldica, significado e simbologia).


Demasiado show-off é o que temos, ao qual se soma o bailar da capa, à moda tauromáquica (modalidade sem qualquer fundamento histórico ou lógico em Tunas - qualquer dia bailam batinas ou temos número de sapateado), perguntando-me o que se ganha com isso senão o destrato de uma peça que merecia outro respeito.

Nada contra o bailar do estandarte/bandeira da Tuna (conquanto não se deixe cair ou se arrume no chão), porque, com graciosidade (e sem exageros), dá beleza ao espectáculo. O que creio ser importante é não transformar essa prestação num vale tudo onde a função essencial e primária do estandarte acaba menorizada ou mesmo pervertida.

Mais cuidado, critério e bom-senso é o que se pede. 

quinta-feira, 4 de março de 2010

O Tema Ressaca.


Na noite do passado sábado, em Viseu, durante o jantar do PortugalTunas - que decorreu nas instalações da UCP, estava um alegre grupo a cantar e a tocar quando, de repente, ouço uma melodia que pensava já apagada pelo tempo: Ressaca.

Primeiro, julguei tratar-se de algum grupo pertencente a alguma tuna viseense, porventura conhecedora, mesmo que de forma indirecta, mas não.
Tratava-se da "Tu Na D'Estes".
Foi enorme a minha surpresa perante uma composição que há já tanto ano não era ouvida (pelo menos por mim), e tendo em conta que a Tuna a quem pertence já se extinguira há mais de 1 década: a Tuna Académica da Associação Académica de Viseu da UCP (Fundada em 1992, e de que guardo gratas memórias).

Obviamente que me apressei a perguntar como tinham aprendido, ou de onde tinham obtido, o tema. Mas não sabiam (fazendo lembrar as centenas de temas antigos cujo o autor foi ignorado/esquecido e que hoje surgem com o epíteto de: "popular").
Não deixei de salientar a enorme coincidência de estarem a cantar esse tema, precisamente na instituição cuja tuna era autora do mesmo.

Hoje, ao lembrar-me do facto, fiz uma pesquisa no youtube e lá encontrei o tema, pela mesma tuna (em 2 videos), embora em versões diferentes do original:







Com isto dizer que se por um lado é bom que existam temas que vão perdurando (seja pela sua qualidade musical, seja pelo seu carácter sui generis - que é o caso), não deixa de ser algo injusto que certas composições percam a sua referêcia e passem a não ter filiação.

O tema tem autor e está registado em CD.O tema em causa, Ressaca, tem música de Jorge Menino e letra de vários (eu participei nela), embora não tenha à mão os dados que me indiquem em que nome ficou registada a letra (no meu não ficou, estou certo disso); mas penso ser do Jorge Moreira, sem certezas (a memória escapa-me e o CD tem a enorme lacuna, para não dizer estupidez, de nem sequer referir os respectivos autores dos temas na contra-capa do disco).
O CD em causa foi lançado em 1995, sob o nome "Viseu, aqui eu te canto", com edição de Fortes&Rangel Ldª (Porto).


Abertura

01. Quando a Tuna chega
02. A Tuna a serenar
03. Dançamos na Eira
04. Acorda Donzela
05. Eu não me caso
06. Caloirinha
07. Saudade errante
08. Ao romper da bela aurora
09. Vodka Sostrova
10. Ressaca
11. Pranto Beirão
12. Viseu, senhora da Beira
13. Boémia sentida
14. F.R.A.
Final


Tal como em outros casos que aqui enunciei, seria de bom tom que as nossas tunas tivessem a educação, excelência e carácter de, pelo menos ao publicar os temas que executa, colocar a fonte/autoria desses mesmos temas.
A Tuna em causa lançou recentemente um trabalho discográfico, que ainda não tive oportunidade de adquirir e ouvir. Não sei se o Ressaca consta desse CD (e se sim, se foi salvaguardada a questão dos direitos autorais), mas aparece no cancioneiro da dita Tuna com a letra correcta (sinal de que não terá sido uma recolha meramente oral).


Bem sabemos que o mau costume do copy-paste se regista tanto nos liceus como na faculdade (a era da internet não trouxe só coisas boas, temos de convir), mas, neste caso, porque inter-pares, seria de bom tom algum cuidado porque "A César o que é de César (...)."
De resto, que se cante, e cante muito, pois contribui para a memória da Tuna em geral.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Tuna Compostelana em Lisboa, 1904

Foto Central da Tuna Compostelana
Illustração Portugueza N.º 17, p. 264,  29 Fevereiro de 1904
(Hemeroteca Municipal de Lisboa)
Illustração Portugueza N.º 17, p. 16,  29 Fevereiro de 1904
(Hemeroteca Municipal de Lisboa)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Confusão entre Estudantina e Tuna

Não é de hoje que a questão se coloca em saber (se é que é questão de saber, sequer) se Estudantina é o mesmo que Tuna.
Há quem diga que são coisas diferentes, há gente que o jura a pés juntos, há por aí quem pretenda que assim seja.
A esses responder-se-ia liminarmente: há gente que não sabe o que diz, há gente ignorante, há quem jure sobre aquilo que desconhece por inteiro.......há gente que não sabe, não pensa e nem faz o mínimo esforço intelectual de uma reflexão crítica e suportada na sofia.

Tão simples seria que esses ditos defensores da disjunção se dessem ao trabalho, pelo menos, de consultar uma meia dúzia de dicionários de referência para, pelo menos, perceber que se trata da mesmíssima coisa, que são termos sinónimos.
Já não se pede que passem a pente fino os dicionários de referência que foram sendo publicados em Espanha e Portugal desde o séc. XVIII, começando por Bluteau e pelo dicionário de Autoridades (Real Academia Espanhola), sem esquecer os grandes dicionários enciclopédicos, as diversas enciclopédias e outros tantos de música e história da música.
Não se exige que tenham acesso à BNP ou Torre do Tombo (porque nem todos o conseguem, dada a distância geográfica), mas há na net muito por onde procurar, implementada que está a disponibilização de inúmeros livros digitalizados, bem como muitas bibliotecas universitárias (Coimbra, Porto, etc.) onde certamente encontrarão alguma coisa mais que os dicionários mais conhecidos, e mais credíveis da actualidade (Lello, Houaiss, Academia das Ciências).
Não veham, pois, alguns, tentar enfiar patranhas e vender banha da cobra, tentando enganar os ingénuos e, pior ainda, tentar ensinar a missa ao padre.

Há quem chegue a afirmar que estudantinas são tunas que tocam essencialmente música popular e que as Tunas são as que tocam de tudo um pouco. Há quem afirme que Estudantina é assim a modos que.... algo diferente das Tunas (mesmo que acabe por desenvolver a sua actividade no meio tunante), como que para se augurar o direito de pretensa superioridade ou diferença......que não encontra argumentos, de facto (porque não existem sequer, valha-nos Santa Cecília!).

Não, não são coisas diferentes. São coisas exactamente iguais, mas com nomes diferentes (contudo sinónimos).

A Estudantinas nascem em Espanha, derivadas das comparsas carnavalescas, das Bigornias Assim, no séc. XIX, a esses grupos, às comparsas, exclusivamente compostas de estudantes (fosse qual fosse o grau de ensino - por norma liceus, escolas politécnicas, comerciais, etc.) deu-se o nome de "Estudiantinas" - nome provavelmente dado pelo povo a esses grupos (mas não há como saber se foram os estudantes que escolheram esse nome ou não).
Rapidamente chegam a Portugal (uma questão de pouquíssimos anos), onde a fama de uma Estudiantina Fígaro, Estudantina Pignatelli (entre outras), a par com as visitas da Tuna Compostelana, de Salamanca e Valladolid a Portugal, despoleta o 1º grande fenómeno tunante em Portugal.
Em Espanha, o que sucede é que, rapidamente, se criam estudantinas formadas por outras classes, passando a haver estudantinas de operários, de artesãos, estudantinas de gente que se disfarçava de estudantes, criando uma grande confusão (ou pelo menos impedindo um satus próprio aos grupos exclusivamente estudantis). Na América latina, por exemplo, há Estudiantinas de artesãos, de senhoristas.....de tudo um pouco (devido à corruptela do termo)
Em razão disso é que se começa a adoptar o termo Tuna (termo recuperado do conceito do "correr la tuna"), para designar as estudantinas compostas exclusivamente por estudantes.
O facto é que, em Espanha, essa estratégia veio a verificar-se acertada, porque mais ninguém, que não fosse estudante, ousou adoptar essa designação.

Em Portugal não acontece o mesmo. Tanto há estudantinas de estudantes como de populares (nomeadamente em meio urbano), e o termo Tuna (que a Estudantina de Coimbra de 1888 adopta por volta de 1890, cerca de 10 anos após a sua fundação, por exemplo), acaba por ser, também ele, apropriado pelo povo, com especial incidência no meio rural (que ainda hoje perdura).

Em ambos os casos, Estudantina e Tuna dizem respeito a um formato ou tipologia referente ao elenco de instrumentos utilizados, a saber cordofones (a par com percussão ligeira, pandeireta, bombo, castanholas; de flautas doces e, mais tarde, acordeão). Essa é a razão pela qual se acrescentou a designação "Académica" (e mais tarde "Universitária") paa diferenciar as tunas estudantis das demais.

Querer emprestar dicotomias, entendimentos e naturezas diferenciadas à Tuna e Estudantina é patetice e ignorância.
Cada tuna/estudantina é diferente das demais, pelos simples facto de, à partida, serem compostas por indivíduos diferentes, por serem de cidades ou instituições diferentes. Há quem prefira covers, outros originais (e outros ambos); há quem incida mais em temas populares, outros em temas mais eruditos (outros ambos); há quem seja mais do estilo aprumadinho e outros um pouco mais irreverentes (sem cair no exagero que por aí se vai vendo); uns são mais sérios, outros mais efusivos; uns mais amadores e outros mais profissionais, e assim por diante.
Mas justificar essas diferenças na necessidade de espartir designações, não é argumento, não é plausível, não cabe na cabeça de ninguém.....excepto daqueles que de tunas e estudantinas percebem tanto como eu de lagares de azeite.

Em gente letrada, que cursa (ou cursou) ensino superior, em gente que se diz tuno/estudantino (que é a mesmíssima coisa), quantos tiros dados nos pés, minha gente; quanta incoerência, quão lastimável ver alguns a fazerem prova de tamanha incompetência; quão pálida imagem dão alguns de uma realidade sobre a qual deveriam ser exemplo de conhecimento, mas que afinal tão pouco sabem daquilo que dizem promover e viver.

Pelos lados da EUC há quem defenda que não são uma Tuna, que a sua Estudantina é um foro à parte. Mas por mais que a EUC ocupe um lugar especial na história tunante portuguesa, há afirmações que se apresentam vazias e apenas transpiram narcisismo e presunção de superioridade que não condiz.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

600 anos de pseudo-tradição tunante

Quando passamos os olhos por inúmero sites e bibliografa diversa, é comum encontrarmos referências com chancela de dogma, de que a Tuna é uma tradição de 6 séculos, provinda do tempo dos goliardos e dos sopistas,  ou seja uma mui antiga tradição com raízes nas primeiras universidades, blá, blá, blá........ : os argumentos e teses do costume.
Muitos distintos estudiosos partem desse princípio, mesmo que a quase a totalidade deles nunca tenha realizado um estudo profundo e imparcial sobre isso. Aliás, até mesmo em Emilio de la Cruz Aguilar se nota, como em tantos outros, um parcialismo que leva a omitir muitos factos e a colar outros tantos, num exercício similar ao que Dan Brown fez com o Código da Vinci, resultando desse mesmo exercício criativo, uma plausibilidade que poucos questionam, mas que não deixa de ser romance histórico ficcionado.
Tornou-se, pois, pilar histórico de que a Tuna é uma longa tradição de séculos e séculos.
Assim fomos educados e ensinados, é facto.

Quanto disso é, de facto, verdade?

Ora, aí está o grande problema. Quando estudamos, de forma sistemática, com critérios e metodologia investigativa séria, sabemos poder encontrar dados que poderão, eventualmente, desconstruir um conjunto considerável de verdades que até nós mesmos julgávamos inquestionáveis.
É o risco que se corre quando se esgravata o passado, quando se passam longas horas em arquivos perdidos em catacumbas, em documentos esquecidos pelo tempo, quando alguém decide ir mais além das lições canónicas reproduzidas vezes sem conta, tal programa educativo, onde nada se questiona e tudo se decora eassimila como verdade, à boa moda do ensino da história na China ou na Rússia ou, para não irmos tão longe, do país em tempo do Estado Novo.

Sem adiantar, em demasia, aquilo que, em breve, estará nos escaparates, por mão do CoSaGaPe, e baseando-me na informação resultante dessa investigação, desde logo desmistificar e dizer que não. Não, a Tuna não é um tradição de 6 séculos, mas de apenas 1 (um), porque apenas surgida na 2ª metade do séc. XIX, derivada das comparsas carnavalescas que vieram a dar em estudantinas e, aí sim, mais tarde (com o objectivo de distinguir as estudantinas estudantis das populares) o aparecimento da terminologia Tuna, como identificativa de formato musical composta apenas por estudantes (algo que funcionou em Espanha, mas que por cá não, dado que também o foro popular, rural e urbano, adopta e se apropria quer do termo Estudantina, quer do termo Tuna).
Aliás, é nessa altura que, para diferenciar os estudantes dos demais, estes, escolhem o termo tuna, recuperando o vocábulo da sua longa história e diagese, semelhante que era a sua significância com o carácter irreverente, algo libertino e inconformado da jovial idade - tão semelhante, e tantas vezes cruzada, era a vida de muitos estudantes abandonados ao ócio em detrimento do estudo.
É pois, nesse altura, que nascem os tunos (epíteto que passa a significar aquele que pertence a uma tuna), sendo que antes tinha carga adjectival, que tanto podia ser usada para caracterizar um estudante como um pedreiro (significando trapaceiro, embusteiro....).

Antes disso, os estudantes que formavam as comparsas e a estudantinas eram apenas estudantes, eram apenas membros/elementos da comparsa ou da estudantina. Veja-se, por exemplo, que são inúmeras as referências que dizem "los estudiantes de la tuna", ao invés, simplesmente de "tunos", e que, outras tantas vezes se noticiam as tunas nas suas digressões, mas se diz a respeito dos seus componentes que eram apenas estudantes (e não tunos). Significa, isso que, durante algum tempo, a designação "tuno", para referir o estudante pertencente à tuna, não estava ainda em uso, ou em uso generalizado.

Dizer, pois, que antes do séc. XIX não existiam tunas; nunca existiram, segundo os documentos existentes à data.
Antes disso existia o "correr la tuna", o "andar à tuna" (e todos os vocábulos pertencentes à respectiva família de palavras) com a significância de andar vagueando, de mendicidade, de trapaça, de boémia, de marginalidade....no fundo, um conjunto de conceitos que eram pejorativos, tanto aplicados as estudantes como não (aliás não existe distinção sequer).

Obviamente que, pelo prestígio que lhe advinha de estudar na universidade, a figura do estudante acabou por sobressair como paradigma, o que facilitou a tarefa de o pintar das formas mais românticas (e parciais, diga-se), à boa maneira da literatura de cordel da época, enchendo ideários juvenis daquelas sempre presentes imagens quixotescas e dos intemporais romances de capa e espada.
Convenientemente, apagou-se, ou omitiu-se, todo, ou parte, do carácter pejorativo que constituía ser apelidado de tuno ou  dizer de alguém que andava à tuna, na larga maioria dos escritos e estudos sobre este fenómeno (e veja-se que os autores são todos tunos, logo extremamente parciais na escolha dos dados que constituem a sua narrativa).


Só os dicionários mantiveram incólume, ao longo dos séculos, os significados dos termos tuna, tuno, tunante, tunanteiro, etc., sendo que apenas em finais do séc. XIX, e já  no séc. XX, surgem as primeiras referências a Tuna/Estudantina (termos sinónimos) como sendo grupo musical, como formato caracterizado pro ser constituído por instrumentos de cordas.

E as ditas tradições que viriam desde os tempos remotos dos goliardos, dos sopistas, pícaros, etc?

Bem, neste caso, temos  de ir até ao tempo do Franquismo e perceber a influência que o S.E.U. (Sindicato Espanhol Universitário) teve na diagese da Tuna.

Foi nessa altura que a Tuna ganha uma formalidade, regras e enquadramento unificador até aí inexistentes. Mesmo que imposta, essa nova política acabará, no entender de muitos, por trazer enormes benefícios na promoção e salvaguarda do fenómeno.
Com a adopção do traje (o que actualmente conhecemos) e um controle rigoroso sobre o reconhecimento inter-pares e reconhecimento pelo próprio sindicato (para se ser Tuna, e para a ela pertencer, havia que receber autorização e estar em conformidade com os parâmetros definidos pelo regime), a tuna continuava a ser meramente um grupo musical, como sempre o fora até então (e caí aqui mais um mito intemporal).


A Tuna precisava de "pedigree" que suportasse, inclusive, o próprio traje (recuperado dos tempos do Siglo de Oropela Estudiantina Fígaro - supostamente uma mescla de panos de várias épocas retirados do guarda-roupa de um teatro madrileno, conforme atestam os especialistas, dado que, até aí, não existiam becas e jibões, mas apenas o traje escolar, cujo o porte obrigatório fora abolido).


Onde ir buscar?
Nada melhor do que aos muitos costumes estudantis que sempre se registaram ao longo da história, escolhendo/seleccionando os que mais se adequavam à Tuna, adaptando e adequando e, no fundo, tentando uma enxertia que, temos de convir, era fácil e lógica de realizar. De certo modo, acabam as tunas, em Espanha, por recuperar e preservar, muitas tradições que tinham caído em desuso ou no esquecimento,nomeadamente com a abolição do traje escolar.

Não se descarta, de todo, a existência de praxis antes do tempo do S.E.U., dado que, tratando-se de estudantes, e tratando-se de organizações, seria normal que as estudantinas e tunas do séc. XIX tivessem os seus ritos e regras internas (a hierarquia e o respeito pela mesma é algo inerente a qualquer grupo organizado), mas o facto é que só a partir do S.E.U. há indícios claros de práticas que reconhecemos, hoje em dia, como próprias da cultura tunante.


Assim, aquilo a que chamamos de longa tradição tunante mais não é do que a reprodução, adaptada e contextualizada da Praxe Académica, da relação entre novos e veteranos, daí os baptismos e as hierarquias, e os muitos usos similares aos que encontramos na relação entre caloiros e veteranos. A isso se acrescentaram outros ritos e práticas entretanto criados, mas sempre na esfera do acima dito, e sempre na cópia ou inspiração de uma pretensa herança secular (que o é, mas não da Tuna, mas sim dos estudantes).

Em suma, a praxis tunante, a sua tradição centenária, mais não é do que um conjunto adaptado e provindo de uma tradição que não tunante, mas meramente estudantil; um conjunto de ritos importados e criteriosamente escolhidos para se adequarem à Tuna e, assim, lhe conferirem o tal "pedigree".

Hoje são uma cultura muito própria, são uma tradição, mas que convém não confundir, por mais truncado que possa parecer o assunto.

Essa colagem natural, não fosse a tuna constituída por estudantes, não deve, contudo, esconder o sol com a peneira. Não é por os tunos terem adoptado certos usos e costumes estudantis seculares que tal significa que a própria tuna seja tão secular quanto os costumes que assimilou, adoptou e passou a reproduzir.


A Tradição Tunante inicia-se, como acima dito, na 2ª metade do séc. XIX, meramente como expressão musical, só mais tarde se revestindo de práticas e ritos que lhe conferiram o cunho sui generis com que chegou aos dias de hoje.

Querer fazer dos goliardos, sopistas e afins, os tunos de outrora, é uma tentação em que muitos se deixaram cair, fruto do desejo de dar à Tuna uma árvore geneológica mais "nobre" e ancestral, por muito de similar e de parecenças que possamos estabelecer.


Se quisermos, até certo ponto, podemos estabelecer a analogia com os ranchos folclóricos que são, também eles, uma criação "recente" (primeiras décadas do séc. XX) e que reproduzem danças e cantares de outrora, de danças e cantos que o povo sempre cultivou de forma espontânea, sem cariz institucional ou performativo, não significando, com isso, que sejam herdeiros das danças tribais da idade da pedra ou dos bailes medievais ou que existissem ranchos no tempo de Francisco Quevedo.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

VII Jantar de aniversário do PortugalTunas (Viseu 2010)


PROGRAMA


15 horas - Ponto de Encontro e Dão Baco
Local: Restaurante Rio Sul (junto ao Forum Viseu)
Morada: Rua Ponte de Pau.
Contacto: 965408253; 967500835

19 Horas – Jantar
Local: Restaurante Rio Sul (junto à Universidade Católica)
Morada: Estrada da Circunvalação

Contacto: 965408253; 967500835

EMENTA:

Entradas: Caipirinha, Lancheira, Pão com manteiga, Azeitonas, Salgados
Prato Quente de Carne: Grelhada Mista
Bebida à descrição: vinho, cerveja, água, sumos.
Sobremesa: doces variados, salada de fruta
Café
Oferta surpresa a todos os participantes


24 Horas – Festa
Local: Noite Biba (NB)
Morada: Rua Conselheiro Afonso de Melo


PREÇO POR PESSOA:  10 euros


RESERVAS

As reservas serão feitas até dia 23 de Fevereiro para o mail jantarpt@gmail.com.
A reserva apenas será confirmada após envio de comprovativo de pagamento para o NIB 003509300010454823007

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Viagem ao passado

Ao som daquele que será, porventura, o mais belo tema nas tunas espanholas, Imagenes de Ayer, um video que faz um rápido percurso em imagens (parte delas do acervo do Museo Internacional del Estudiante) da diagese tunante do país vizinho.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O cliché de "O meu conceito de Tuna"

Porque importa realçar, de quando em vez, quem escreve bem, e sabe o que escreve; porque importa fazer eco daquilo que é essencial - e, mais ainda, quando não se tem muito para dizer (ou tempo, até), ler e ouvir quem tem, reproduzo um artigo do colega "As Minhas Aventuras na Tunolândia" que, de forma sucinta e certeira, abordar a questão dos "entendimentos" (que bastas vezes foi aqui referido) e da "mania" que alguns têm (usualmente por arrogante ignorância e autismo umbilical) de achar que a sua medida auto-sustenta o que não passa de miragem.
Vale a pena a leitura, mas ainda ainda a subsequente auto-reflexão crítica.


"A Aventura do "Conceito" de Tuna

Não me restam muitas mais dúvidas a este respeito, salvaguardando uma ou outra mais preemente até por força do estudo empreendido desde há uns anos a esta parte. Em amena cavaqueira com um Tuno, dizia-me ele a dado passo que " ...e segundo o meu conceito de Tuna". Ora, aqui mora um dos maiores equívocos genéticos oriundos do "boom" tunante e que se prolongou até aos dias de hoje, com cada mais ênfase. É que, por muito que custe ler isto, não há, e no caso português, a ideia de "meu conceito de Tuna", lamento informar.

A imensa Babilónia de paletes e resmas de "meus conceitos de Tuna" é somente uma construção muito própria, individual e perfeitamente única que cada um faz quando chega a este mundo particular, não raras vezes confundido com o conceito "a minha forma de estar na Tuna" - uns assim, outros assado e por aí fora - e que se cruza com um 3º conceito ainda, que é a prática reiterada da Academia/Tuna onde se insere. Uma coisa será a forma que cada um tem de estar na Tuna, outra é ainda a forma como o seu meio o molda e define na sua atitude perante a Tuna. Agora, conceito de Tuna Universitária só há um, não há um por cada Tuno porque isso é um tremendo exercício de egoísmo egocêntrico que não raras vezes serve para auto-justificar coisas que, de outro modo, nunca fariam em casa, no trabalho, na sociedade em geral.

Evidentemente que "o meu conceito de Tuna" é um dos maiores inimigos da Tradição Tunante per sí, sem mais delongas, precisamente porque ao livre arbítrio de cada douta cabecinha e não inserido nas naturais linhas delimitadoras de um fenómeno cultural.

Imagine-se por disparate (!!??) que cada romeiro da Senhora da Agonia tinha o "seu conceito de folclore minhoto" ou então que cada Fallera Valenciana tinha o "seu conceito de Fallas": Corriamos o sério risco de ver Minhotas de mini-saía ou Falleras vestidas de bombeiro a apagar as fogueiras. Por aqui se percebe o risco tremendo de medir uma tradição cultural delimitada no temnpo e espaço pelo nosso "conceito de Tuna".

Por força da explosão tunante de idos de 80/90 do Século passado, onde o fenómeno ultrapassou rapidamente a velocidade a que deveria ter andado, sem pontos de referência históricos onde se sustentasse, por falta do pensar a Tuna universitária, delimitando-a no tempo e espaço enquanto tradição cultural, tudo foi paulatinamente "permitido" à sombra do "meu conceito de Tuna". Esta frase é - e com o devido respeito - o Haiti de hoje da Tuna nacional, é um escombro sobre a Tuna, é a pilhagem da Tuna enquanto cultura, é a tragédia. É à sombra do "meu conceito de Tuna" que surgem "coisas" no seu seio dignas de algo que pode ter o seu valor intrínseco mas que de Tuna nada tem. Quem disse que o conceito de Tuna Universitária é algo democratico e democratizante, qual Wikipédia onde todos podem editar, cortar e colar?

Só há um conceito de Tuna Universitária. Há sim várias formas de a exprimir, de a reproduzir, que balizadas pelo óbvio, aceitável e digno, me parecem altamente interessantes. Daí em diante é o "conceito de Tuna" do Quim das Iscas que, de uma segunda para terça, se lembra de formar uma Tuna com sampler´s dizendo alto e bom som " é o meu conceito de Tuna". E isso, santa paciência, não é uma Tuna, é o que ele quer fazer pura e simplesmente á custa da Tuna.

A frase " o meu conceito de Tuna" para lá de uma tremenda irresponsabilidade, é de uma arrogância brutal, ofensiva da Tuna enquanto cultura e no limite, uma barbaridade que vai sustentando certas palhaçadas a que vamos assistindo. " 
(in http://asminhasaventurasnatunolandia.blogspot.com/2010/01/aventura-do-conceito-de-tuna.html)

sábado, 2 de janeiro de 2010

Memória da Tuna, por Eduardo Coelho

Desta feita, um belíssimo artigo, colocado no PortugalTunas, e datado de Fevereiro de 2009, pela mão do ilustre Eduardo Coelho.
Vale a pena a (re)leitura:

"A MEMÓRIA DA TUNA


Por estes dias, muito se tem falado da importância do estudo do fenómeno tuna.



Parece que a preocupação não é só de hoje nem exclusiva de alguns. A julgar pelo muito que se tem debatido no fórum do Ptunas - e sobre os mais diversos aspectos –, dos aprendizes, passando pelos oficiais e terminando nos mestres, a corporação dos tunos manifesta, de forma geral, interesse em conhecer. Alguns, mais raros, manifestam interesse em saber. Outros ainda, e ainda mais raros, procura saber mais.



Resta determinar: saber o quê? De que se anda à procura? E, ponto mais importante: «saber» para fazer o quê com esse conhecimento?


Contudo, o que parece andar arredado dos espíritos é que nós só podemos vir a saber (futuro) aquilo que já se fez (passado). Estamos, assim, dependentes das fontes... ou falta delas.


Ou falta delas.


E já nem é só a nível de quantidade: a qualidade é também um factor primordial. Boa ou má, é a que existe, e é só com base nessas mesmas fontes que se pode interpretar o passado. Não é possível ressuscitar os protagonistas, nem interrogá-los através de um copo, para que a verdade que nos chega do passado possa ser confirmada/infirmada.


Basta pensarmos que, regra geral, as fontes não são de primeira-mão: isto é, raros foram os protagonistas que nos deixaram testemunhos directos (escritos, fotografados) das suas vivências/motivações. De uma forma geral, são terceiros (jornalistas, cronistas, romancistas, simples espectadores) quem nos abre uma janela sobre esses momentos. Assim, há que contar com uma certa dose de distorção – da mais maldosa à mais inocente – na consulta das fontes históricas.



Quantas vezes não são os autores dos documentos quem atribui a si próprios a paternidade de filhos que não tiveram? Quantas vezes não são a inveja, a malevolência e a rivalidade mesquinha a escrever, a filtrar, a ocultar, ou, pelo contrário, o partidarismo, a realçar, a pôr em evidência (e a ocultar, também) os aspectos mais positivos ou mais negativos (conforme os casos) deste ou daquele indivíduo, desta ou daquela instituição? Mesmo assim, a janela, a pintura, a fotografia, a radiografia só nos deixam ver aquilo que está enquadrado pelo obturador do pensamento de quem as revelou, produziu, retocou, ampliou, recortou, segmentou, colou, coloriu.



Falou-se de passado e futuro. Então e o presente?



Tão importante como a procura das fontes do passado é a criação/preservação de fontes para o futuro. Este é o grande trabalho do presente e o melhor património que podemos legar às gerações vindouras: a memória. Mas uma memória tal como cada um de nós a possui: com os bons e os maus momentos; com as alegrias e as fustrações; com o que nos faz estourar de orgulho e corar de vergonha no mais íntimo de nós próprios



Na esmagadora maioria dos casos – se não em todos os casos - , as tunas preocupam-se mais com a sua actividade do que com a preservação da memória dessas actividades. Há magisteres, secretários, bispos, freiras, cavaleiros, noviços... enfim, títulos para todos os gostos. O que não há é... arquivistas com essa função específica e bem definida, nem me parece que esse aspecto seja particularmente valorizado. É importante que cada Tuna-instituição, cada tunante, por si só, dê o seu contributo: preserve a sua própria memória.



E neste particular cabe desde já uma palavra de apreço ao PortugalTunas pelo trabalho que tem vindo a fazer. Ao proporcionar esta plataforma de (des)encontro entre os intervenientes, ao permitir a livre exposição (alguns dirão que não) de pontos de vista, relatos de experiência, discussões por vezes azedas, está já a constituir um dos mais preciosos acervos documentais a que o futuro há-de ter acesso.



O que nos traz de volta às questões iniciais: saber para quê? Que fazer com esse saber?



Há quem queira estudar o passado sob todas as suas vertentes, as luminosas e as sombrias, apenas com o objectivo de saber quem é e donde veio; por que se faz assim ou assado – ou que sentido faz hoje continuar a fazer-se assim ou assado.



Contudo, para muitos outros, o primeiro grande objectivo do estudo do passado é a procura de legitimidade para os comportamentos presentes – particularmente quando esses comportamentos não são legítimos. Hitler desencantou uma raça ariana. Mussolini tentou reconstituir o Império Romano. Salazar virou-se para a Lusitânia. João Baptista da Silva Leitão acrescentou aos seus apelidos «de Almeida Garrett» (com dois «tt» é mais fino). A Sr.ª Maria descobriu que já uma madrinha da sua tia Alzira tinha a bancada de peixe no Bolhão desde o tempo dos Descobrimentos... e por aí adiante.



Quantas guerras, evangelizações, pretensões, heranças, direitos, foram reclamados, justificados, declarados, exigidos em nome de um qualquer passado mal amanhado por entre duas nesgas de papel colado com cuspe e ao qual se deu o nome pomposo de investigação histórica?



Estes são sempre os mais interessados em que se estude o passado – ou melhor um passado que seja feito à medida das respectivas conveniências. Curiosamente, são, regra geral, os que não possuem passado nenhum.



É esta busca desenfreada da legitimização que faz com que se veja por vezes aquilo que não está escrito, fotografado, num exercício de reconstrução do que não foi captado pela objectiva ou do que está escrito nas entrelinhas. E de uma forma tão ruidosa que faz com que se invertam completamente os valores: isto é, que se ignore o que está no papel e se dê toda a importância ao que lá não está.



Saber, sim: mas... saber para quê?



Abraço e


BOA MÚSICA!

Eduardo Coelho "

domingo, 22 de novembro de 2009

O flagelo da "tunite"



Passadas pouco mais de 2 décadas sobre o ressurgimento do fenómeno tunante, temos vindo a apercebermo-nos, ainda que amiúde, do facto deste fenómeno ter entrado numa certa fase de regressão onde se vai notando o esbater, o abrandar do fôlego e ímpeto, quase eufóricos, que subsidiaram o denominado "boom" da década de 80, e inícios de 90, do século passado.
Com a formatura das primeiras gerações tunantes, e como desgaste provocado pela escassez de sangue novo, as nossas tunas envelheceram rapidamente.

Dizia-se, no último ENT, que a nossa comunidade, contrariamente ao registado no país vizinho (onde o processo de maturação cobriu todos os passos naturais), conseguiu, em 2 décadas, o que outros precisaram em 100 anos de experiência: nascemos, com um fulgor tal fogo de palha, multiplicámo-nos (superando qualquer baby-boom), estabilizámos, estagnámos e, por hora, entrámos na fase do envelhecimento (precoce).
Obviamente que, como referia o Ricardo Tavares, o facto de termos atalhado caminho e ignorado hiatos temporais e experienciais, impediu-nos uma maturação paciente, suportada e verdadeiramente, enraizadora (colmatando a brechas com invenção engenhosa: uma peneira a tapar o sol).
Muitos castelos de arreia vão ruindo, na exacta medida em que foram criados.

Actualmente, parece começar a ser preocupação generalizada o facto de muitas tunas estarem já mais a sobreviverem e tentarem não se extinguirem, do que outra coisa qualquer, ou com uma média de idades já respeitável.
Estamos perante uma "Tunite", sinal dos tempo e, certamente cíclica; algo que a história já demonstrou cabalmente no passado, após o primeiro grande fenómeno tunante em Portugal.

No último ENT, sob o tema das Quarentunas e Tunas de Veteranos, ficou bem patente essa preocupação, a qual levou alguns, menos avisados e ponderados, a misturar conceitos e assuntos. Embora o tema versasse sobre os formatos existentes para os que recuperam a sua velha capa e instrumento, depois de mais, ou menos, longa ausência da vida tunante, muitos foram os que ali quiseram, antes de mais, extrair soluções para evitar a extinção dos seus grupos - coisas distintas, é facto.

Como já dito, o tema das Quarentunas, e equiparados, é demasiado "quente", ainda, para ser alvo de estudo e de fórmulas inequívocas, nomeadamente no seio daqueles que ainda pensam mais com o coração do que com a razão.

Ora, essa questão da durabilidade de projectos, o problema na manutenção das tunas deveria ser encarado com uma maior razoabilidade.

Se a Tuna chega ao fim da linha, pelos mais diversos motivos, há que saber, antes de mais, dar-lhe condigno fim, ao invés de esticar a corda a ponto de criar, nos demais, aquele sentimento de compaixão quando se compara o que foi o grupo e aquilo em que se tornou por teimosia de alguns que, embora bem intencionados, acharam haver elixir da juventude para toda e qualquer ruga ou falência generalizada dos órgãos.

Achei, pessoalmente, incoerente que, no país vizinho, houvesse quem defendesse que as quarentunas de faculdade (nomeadamente as que derivam das tunas de origem) teriam a obrigação moral (pelo menos) de evitar a extinção da tuna de onde eram oriundos, tocando com os mais novos, assegurando, por todos os meios, a sobrevivência.
Obviamente que a história, nomeadamente em Espanha, é rica de exemplos de tunas extintas, e de quarentunos cuja tuna de origem (onde começaram) já há muito não existe. É a lei natural da vida; não vejo por que razão fazer disso um drama, por mais triste que nos possamos sentir (nomeadamente quando falamos de grupos que ajudámos a fundar).
Sei do que falo, pois a minha primeira tuna, a da minha universidade, já há muitos anos que se extinguiu.

Querer, teimosamente, prolongar a vida, só porque sim, parece-me um exercício compreensível (do ponto de vista sentimental), mas pouco certo, quando racionalizado.

Pior, ainda, quando pensamos naqueles que defendem as quarentunas como garante da continuidade das tunas de faculdade, prefigurando uma espécie de aparelho de suporte de vida, onde a tuna é entubada e faz respiração artificial e é alimentada por sonda gástrica e litros de soro.

No ENT, foi notória aquela pergunta, a jeitos que de revolta e mágoa, traduzida num "E agora, para onde vou, o que faço?". Bem sabemos que, a determinada altura, uns quantos se afastam e ficam uns resistentes a querer, a toda a força, obrigar o carro a andar só porque ainda tem rodas e carroçaria.
Entendendo o que irá na alma de muitos desses tunos, não podemos deixar de dizer: "Parte para outra!".

É nesse âmbito que se inserem, por exemplo, as tunas de veteranos/quarentunas, quando uns quantos, depois de afastados de um contexto próprio que já passou (seja por extinção, seja por qualquer outra razão que tenha ditado o afastamento), recriam o mester, juntamente com outros em situação igual ou parecida (antigos tunos que já não militam, há muito, nas tunas de origem), mas já em moldes mais adequados a uma situação muito própria, em moldes mais adaptados aos tunos (e não o contrário, onde eram os tunos adaptados ao molde Tuna).
Haja, contudo, o discernimento para se perceber que tunas de veteranos ou quarentunas não são prolongamentos ou "franchisings", antes um modelo diferente, em contexto, também ele diferente, e não necessariamente agrupando apenas tunos provindos do mesmo grupo de origem. Estas tunas "vintage" não ocupam lugar de ninguém senão o seu, tal como o avó não ocupa o lugar de filho ou de pai.
As tunas de veteranos/quarentunas não são, também, upgrades para subsituir, antes um lugar de partilha saudosa e reavivar de memórias, ao ritmo de quem nelas milita.
Mas se a situação não se coaduna com a ideia de veteranos, há sempre a possibilidade de ingresso noutra tuna, de criação de uma nova (mesmo que com menos elementos), ou adopção de projectos paralelos, ao jeito dos Sabandeños ou Gofiones, de que os "Lusíadas" são um exemplo português por excelência.

Assim, por mais que custe (e reconheço o facto), quando é chegada a hora, haja o bom-senso de dizer: chegou a hora, acabou!
Extinguiu-se a nossa querida tuna, que tanto nos deu, a quem tanto demos....... paciência, é a vida!
Que fiquem, antes de mais, as imagens de uma tuna que sai pela porta grande, do que uma longa doença terminal que cria mais dor, empalidece a imagem e reputação, cria cisões e, acima de tudo, leva a cuidados "paliativos" escusados (porque doentes terminais são isso mesmo) e a um gasto de cinergias que teriam melhor emprego em projectos alternativos ou noutros formatos tunantes.
Cuidados paliativos em Tuna são esconder ao corpo os problemas levando-o a utopias e ilusões que agravam, mais do que ajudam a tomar decisões, que mesmo dolorosas, são necessárias. desligar a máquina.

Haverá uma idade para tudo, e um fim para tudo. "Nada se perde, tudo se transforma", dizia Lavoisier. A cada um compete saber quando.
O facto das Quarentunas terem estabelecidos os 40 anos como idade mínima (pois poderiam ser cinquentunas, por exemplo), e as tunas de veteranos outra fórmula qualquer, não é imposição que faça bitola (poderá, um dia, sê-lo, quiçá - mas ainda é cedo para essa discussão), até porque é uma determinação para o próprio grupo, e não uma reforma automática que obrigue, seja quem for, a reformar-se chegando a esta ou aquela idade, a este ou aquele patamar.

No ENT de Castelo Branco, esperavam, alguns, medidas miraculosas e soluções de largo espectro para o evitar das mortes anunciadas, elixires de juventude para projectos moribundos ou em conjectura de dificuldades de recrutamento e renovação.
Não as há. Cada qual, na sua realidade e contexto, deve procurar solucionar o melhor que puder e souber. E quando não for possível, será, provavelmente, porque não há mesmo como, restando dar espaço ao curso natural das coisas.

Umas vezes operam-se milagres, novas gerações salvam a coisa e ressuscitam o projecto, outras chegam ao fim da linha, e nada a fazer.

O tempo em que as tunas encantavam, a euforia de há uns anos já passou, tendendo o fenómeno a estabilizar, embora isso também se faça à custa da chamada selecção natural, à custa da extinção de muitos grupo (e nascimento de outros, porventura), de reajustes, de mudança.
O tempo dirá de sua justiça.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Caloiro da/na Tuna e o Pardillo



Ricardo Tavares, especialista no estudo do fenómeno tunante, sublinha, e bem, que “70% do que éramos, no “boom” – hoje não se pode dar tais valores, de todo – à Tuna espanhola o devemos. Os restantes 30% dividem-se, em doses desiguais, entre outros factores, onde está a Praxe incluída mas não só.”[1], o que desde logo nos deverá levar a reflectir um pouco sobre aquilo que hoje é a nossa Tuna e que traços nela são mero adorno artificial.


Um dos aspectos onde claramente vamos encontrar uma influência muito própria da Praxe (das praxes, para sermos exactos) na Tuna (os tais 30%, grosso modo, de que fala Ricardo Tavares) é na concepção do estatuto e papel do Caloiro da Tuna (a própria adopção da designação é discutível), que é apenas um dos aspectos  onde demonstrámos não apenas não saber copiar o exemplo que (re)importámos, como nos apressámos a inventar por cima sem critério, bom senso e respeito.
Como diz Ricardo Tavares, no seu mais recente artigo, urge um PRET - Processo Retroactivo de Educação Tuneril.
Mas vamos ao que interessa (ou não, para alguns).


O que é ser Caloiro na Tuna e em que é que isso difere, ou não, de ser Caloiro, propriamente dito (aquele que frequenta pela primeira vez o ensino superior[2]) ou, ainda, do papel e estatuto de novato em Tuna, segundo consagrou a tradição tuneril, bem antes do reavivar (e muitas vezes inventar sem nexo) das Tradições Académicas, nos anos 80 do séc. XX?

Uma das características mais visíveis em muitas Tunas é precisamente o facto de quase nenhuma diferença haver no tratamento dado aos caloiros da Tuna, relativamente àquele que também é dado pelos veteranos nas recepções ao caloiro e toda a panóplia de ritos e quejandos por que passam os novos alunos, quando entram na universidade.

Decorre tal, como bem percebemos, desse contágio ocorrido na altura do “boom”, onde os protagonistas do reavivar das tradições eram os mesmos que reabilitaram o fenómeno Tuna. Não sentindo, na altura, necessidade de separar águas (e muitas vezes, por falta de informação, não sabendo sequer serem coisas realmente distintas), as praxes e ritos aos caloiros eram transversais, seguindo a noção (embora errada) que as Tunas eram uma expressão da própria Praxe.

Assim sendo, não apenas a forma de entender o papel de caloiro, mas também hierarquias, procedimentos e regras foram estendidas à Tuna - recordando que, em determinados casos, se chegou mesmo ao ponto de contemplar e “regrar” Tunas dentro dos respectivos Códigos de Praxe (erro grave que ainda sucede actualmente, infelizmente).


Erros de Concepção

(I)
Noção de Caloiro

Um dos equívocos desde logo, que apontamos à noção do “Caloiro da Tuna”, que perpassa em muitos grupos, é a diferença quanto àquilo que define "caloiro".

No Ensino Superior, saiba o aluno de praxe ou não, seja ou não fã, participe muito ou pouco, seja ou não rapado, terminado o 1.º ano e matriculando-se pela 2.ª vez, deixa imediatamente de ser caloiro (mesmo que tenha chumbado nos exames e volte a ter de frequentar o primeiro ano, na sua faculdade ou outra qualquer).

Na Tuna tal não sucede.
Na Tuna é-se caloiro enquanto não se adquiriram as competências artísticas mínimas para estar apto a tocar a par com os demais. Por outro lado, ser Caloiro implica uma fase de aprendizagem não apenas musical, mas também cultural (cultura e história do grupo, sua praxis, suas idiossincrasias). Há pois, de certa forma, a promoção da meritocracia, pese embora muitos grupos serem pouco ou nada exigentes e conferirem o estatuto de Tuno a uma pessoa só porque “é um tipo porreiro e bebe uns copos”.

Tentemos ser um pouco mais claros. A tuna é muitas vezes referida como “el negro menester” – isto é, “o mister negro”. Ora a palavra “mister” significa “profissão”. Em qualquer ofício (sapateiro, tecelão, alfaiate, caldeireiro...) havia aprendizes, oficiais e mestres. Ora há aprendizes que aprendem mais depressa as técnicas da profissão, e outros que aprendem mais devagar. Para passar a oficial, o aprendiz tinha de apresentar uma obra que demonstrasse que estava apto a desempenhá-la convenientemente e que conhecia os truques da profissão. A obra era examinada por mestres da corporação, sendo o candidato então considerado oficial (profissão=ofício) na sua actividade.

Ora, se a tuna era (ainda que por metáfora) um ofício, haveria necessariamente aprendizes, oficiais e mestres. Facilmente se percebe que o tempo necessário para aquisição das técnicas (sejam elas quais forem...) varia de indivíduo para indivíduo. Suponhamos um pedreiro extremamente competente na sua actividade mas que resolve dedicar-se à tapeçaria. Entrará na oficina de um tecelão como aprendiz, por mais anos de experiência de trolha que possua, começando por exercer as actividades mais básicas e de menor responsabilidade do mister de tecelão – tarefas repetitivas e pouco criativas, como desenredar meadas de fio, separar fios de lã por cor e espessura, varrer a oficina, fazer recados, etc., em troca da aprendizagem dos truques do ofício.

Assim, na tuna, por mais anos de estudante que um fulano tenha, ao entrar para a tuna não passa de um aprendiz: carrega instrumentos, encordoa-os, afina-os, copia pautas, letras e tabelas de acordes, faz recados...

Não deixa de ser curioso que esta noção de “período de aprendizagem” (variável, como se viu) tenha contaminado, por sua vez, a noção de caloiro. 
Ora em praxe, e por definição, caloiro é o indivíduo que se matricula no primeiro ano pela primeira vez, deixando automaticamente de o ser, após o  cortejo da queima das fitas, passando automaticamente à categoria de pastrano. 

Se na tuna é relativamente fácil perceber que haja um conjunto de técnicas que é necessário aprender (quanto mais não seja técnica instrumental), não conseguimos descortinar quais sejam as técnicas que um estudante tenha de aprender para ser considerado como tal... 
Basta estar matriculado para se ser aluno.

 Ser-se caloiro numa tuna é, por isso, radicalmente diferente de se ser caloiro em praxe (e aqui encontra justificação questionar-se a adopção do termo "caloiro" no meio tunante, porque cria forçosamente confusão, porque porventura o termos menos apropriado a usar-se). 

Um veterano que tenta entrar numa tuna começa por ser aprendiz (caloiro), tal como no exemplo que demos acima. Um aluno que se matricula pela primeira vez não é aprendiz de rigorosamente nada – a não ser das matérias do curso que se propõe tirar.

Sendo assim, é compreensível que, sendo considerado apto, o aprendiz receba um qualquer distintivo da sua passagem a oficial. Nas tunas espanholas actuais, é uma beca. 
Antes disso, e até à década de 40-50 do séc. XX, em Espanha (após a guerra civil e quando o franquismo se consolida) nada aponta para a existência de hierarquias, apenas e só os cargos administrativos (presidente, secretário e tesoureiro) e o maestro.
Em Portugal, só a partir dos anos 1980 é que entra a hierarquia ("praxística") na Tuna.

Erradamente, e sem qualquer razão aparente, há, nas faculdades (nas "praxes"), muito quem trate o caloiro como um aprendiz, que só ao fim de um período de aprendizagem passa a ter o direito de trajar. Importa perceber uma coisa: que se espera exactamente que o caloiro aprenda? A rapar? A dar colheradas? A berrar insultos aos ouvidos de alguém? A dominar as técnicas de fazer flexões? Nada disto é praxe, mas admitamos que fosse. É isto que se espera que um caloiro aprenda?
Praxe e "praxes" são coisas distintas. Em muitos casos, quase todas as "praxes" nem Praxe são sequer (sobre esse assunto, leia AQUI).

Ora, por que diabo se tratam, por vezes, tão mal os caloiros nas Tunas, mandando-os “encher” ou passar agruras que nada têm, de facto, a ver com a tradição Tunante e os próprios objectivos ou vivência próprios de uma Tuna?

O que se pretende que o caloiro aprenda ao fazer 30 flexões, andar semi-nu a correr na rua, andar de joelhos ou de quatro, muitas vezes vestido como um anormal (e já lá vamos a essa parte do trajar) ou deixá-lo a N quilómetros do destino, mandando-o sair do autocarro?
Aprende algo que o prepare melhor nas suas futuras funções de Tuno? O que aprendeu ao fazer 30 flexões: 30 acordes novos ou a letra de 30 temas?
E ao raparem o novato: garante-se que ele ficou a saber como se define uma Tuna?
Ao colocar o caloiro de quatro a gatinhar, desenvolveu técnicas de pandeireta ou de porta-estandarte?
O que aprendeu ao mandarem-no dormir ou comer no chão : o regimento interno da Tuna ou o n.º de prémios alcançados na última década?
O que se ensinou ao caloiro com grande parte das "brincadeiras" copiadas das que se fazem lá nas "praxes" da universidade? Aprendeu algo ligado directamente à actividade tunante?


Não se cai, demasiadas vezes, na tentação de, para medir a autoridade e poder, trazer as “praxes” lá da faculdade, para dentro da Tuna (ou esta ser uma extensão das mesmas), e tudo isto sob a hipócrita desculpa que se está a forjar o carácter da pessoa ou a desenvolver nela competências de sobrevivência (tipo recruta - na mesma idiota concepção da maioria das praxes universitárias)?

Que leve o tabuleiro da comida aos Tunos, transporte instrumentos, seja o paparazzi de serviço, zele por fazer as camas aos veteranos da Tuna….. são aspectos que estão intimamente ligados à vivência em grupo de uma Tuna, mas a humilhação gratuita e certas brincadeiras que apenas visam rebaixar o indivíduo (que por vezes o podem colocar em risco - como abandoná-lo a quilómetros do destino), o gozo para satisfação umbilical  ou reforço de status quo…..parece-nos exagerado (e é-o, de facto).

Não há nenhum registo de tais “abusos” e brincadeiras antes dos anos 80 do séc. XX, nas Tunas.
Aliás, na larga maioria nem se praticava, nomeadamente em Portugal, quaisquer “praxes” que não passassem pela obrigação de estarem ao serviço (uma espécie de escudeiros, verdadeiros aprendizes dos tunos veteranos).
Mas essa relação não resultava de autoritarismos tontos, de subserviência imposta, mas do respeito natural entre pessoas e funções (e modus operandi) que a cada um competia. 
Não havia praxes por cá, porque não eram precisas para nada; porque nunca fizeram falta para termos uma tradição secular de tunas de grande qualidade.


(II)
Outra noção errónea é a de que um Caloiro da Tuna é Tuno.
Não o é, obviamente.

Mas se não o é, por que razão sobe a palco, se em palco deve apenas estar a Tuna, composta apenas por Tunos?

Dirão alguns que é porque já sabe tocar e cantar bem (já "desenrasca").
Ora se sabe, num grupo que é, na base, musical, então deveria ter passado a Tuno (em teoria).

Mas irão, então, retorquir que outros dados concorrem (que não apenas competências artísticas). E diremos,então também, que é verdade e voltaremos a perguntar por que razão está o rapaz em palco, se ainda não completou o percurso na íntegra, se de facto ainda não é Tuno?
Ser Tuno, sendo uma soma de aspectos, não se pode compadecer com “juglarias”, onde há Tunos e “meios-Tunos” (ou semi-tunos), que isso não existe. Seja-se, pois, coerente.

Neste apartado, há também registo de um grau ainda abaixo de Caloiro, em jeito de “candidato” – algo para o qual não encontramos plausibilidade alguma e acaba, ainda a por cima, por desvirtuar o próprio sentido do papel e estatuto de “Caloiro”, dando-se equivalência de Tuno aos denominados “Caloiros” (pois deixa-se que actuem a par com os demais) e tornando o “candidato”[3] equivalente a Caloiro (que é como dizer que um aluno do 12º ano é caloiro, e que um caloiro é doutor, e um finalista é licenciado – e depois ainda vêm falar das equivalências do ministro Miguel Relvas!).


(III)
Gestação de um futuro tuno.


Outro conceito que merece reflexão é o da forma como se faz o acompanhamento dos caloiros da Tuna.

Fica este aspecto na área da sugestão para maturação dos leitores.


Usualmente, como muitas tunas fazem, existem um padrinho responsável pela “educação” e formação do caloiro. Não significa que seja o professor particular de música do novato (que muitas vezes até vem a saber mais de música que muitos veteranos), mas de ser garante de uma boa integração e cumprimento de deveres (e defesa de direitos).
Contrariamente às universidades, deveria ser a Tuna a indicar o padrinho, o tutor, pois trata-se de ter perfil para ensinar e acompanhar; e nem todos são talhados para esse tipo de tarefa. Claro está que quando o caloiro já conhece um dos tunos e tem com ele afinidade, a Tuna deve ter isso em conta (e muitas vezes, ou quase sempre, é o que sucede).

Contrariamente às faculdades, onde o caloiro continuará, em princípio, aluno por mais 3, 4, 5 anos (ou mais), na Tuna ser caloiro não significa chegar a Tuno. Pode o candidato não ter aptidões, de facto ou, pura e simplesmente, desistir.
Ora, como diz o velho adágio popular, “não se caçam moscas com vinagre”, pelo que não podemos, em circunstância alguma, deitar por terra os cada vez menos recursos humanos que chegam à Tuna (noutros tempos, quando a Tuna era moda, sim), afugentar a base de recrutamento porque se “maltratam” os caloiros ou chegar a Tuno é quase como fazer recruta nos Comandos.
Na tuna está para tocar e cantar decentemente, fazendo-o de forma concertada e harmoniosa com os restantes elementos. Isso é que é essencial preparar e garantir.

Haja bom senso para perceber limites. A Tuna precisa de renovação e sem ela a Tuna extingue-se.
Tuna não é Praxe e a Praxis da Tuna não são as “praxes” (nem as podem ter por modelo).
A esse propósito, podemos ler, sem mais adições:


“(…) se dice que los pardillos son los menos importantes en el escalafón de la Tuna es verdad que son los más importantes dentro de este negro mester, pues son los sucesores que transmitirán el la tradición a cabalidad, instruyendo a los nuevos con los mismos valores y rigores inculcados por los antiguos Tunos fundadores. “[4]


Traje de Caloiro

Uma das invenções,  questionáveis em alguns casos, que temos em Tuna é a do dito “traje de caloiro”.

Diremos que, em abstracto, concordamos que possa haver uma indumentária identificativa, quando se pretende que os novatos acompanhem a Tuna (são sempre precisos criados, e além disso fazem como que um estágio, aprendendo ao verem in loco), pese o facto de poder ter havido maior cuidado em termos de harmonia entre panos (de facto, há "coisas" sem pés nem cabeça que até atentam à própria dignidade da Tuna, como ter caloiros em palco em tronco nu ou apenas de boxers).

Só que quando o dito “traje de caloiro” é um passaporte para irem a palco………………alto e pára o baile!
Nessa altura, e não apenas porque caloiros não devem estar em palco (só, e apenas, Tunos), outro aspecto salta aos olhos: o conflito estético entre trajes (pelo menos esse aspecto poderia, e deveria, merecer reflexão).

Antigamente eram pijamas, calções, fraldas gigantes e quejandos, directamente importados às praxes .
Claro está, que isso decorre daquele monumental erro e noção de que os caloiros não podem trajar, quando está comprovado que isso não apenas não é tradição, mas antes sim uma noção sem qualquer fundamentação (ver AQUI).
Depois fez-se uma actualização e começaram a aparecer, pasme-se, trajes supostamente “históricos”, onde se lhes inventa um pedigree etnográfico, se repesca uma suposta roupa do folclore local, etc.

Já não é apenas, ou especialmente, o colidir visual de trajes académicos (ou de tuna) com “panos" que destoam desde logo, mas o inventarem argumentos pseudo-históricos para justificar essas vestimentas (os ténis porque a tuna é de desporto, as batas brancas, porque ligada à saúde, os fatos-macaco a lembrar o trabalhadores de Alguidares de Cima, o lenço vermelho a lembrar X ou Y, os hábitos dos monges numa alegoria equivocada aos antigos clérigos goliardos de que supostamente descenderiam os tunos, e afins ("afins" que chegam a mter caloiro sem palco à civil, de ténis, de leggins, de T-shirt...), num elenco digno dos Prémios Razzies[5]).

E mais nesse aspecto que se condenam certas opções, ou seja nas invenções de teses, de textos argumentativos sem nexo, sem rigor histórico ou etnográfico, de que algumas tunas pomposamente fazem gala.

As Origens

Se queremos ir às origens, para perceber em que moldes deveríamos conceber o Caloiro da Tuna (termo a que prefiro contrapor o de novato ou aprendiz), então olhemos para a figura secular do Pardillo.

 
O Pardillo[6]

 “Pardillo” era um termo depreciativo para qualquer novato – e isso nada tinha que ver com o facto de o traje dos alunos “não-caloiros” ter uma cor diferente.
Os estudantes criados dos estudantes ricos (os “gorrones”) tinham um traje diferente “capa y gorra” versus a “loba, sotana y bonete” dos ricos.

 Só os nobres estavam autorizados a vestir de cor. Os camponeses e burgueses vestiam de linho, burel ou lã, que podiam ir de um quase beige a um castanho muito escuro e até mesmo um cinza-esverdeado. Isto é, a roupa do “povo” tinha uma cor pardacenta. É isto mesmo o que quer dizer “pardillo” – e, por extensão, campónio, labrego, guardador de gado.

O clero usava roupa preta porque não era nobreza nem povo... Não sendo nobreza, não pode vestir de cor (excepto os escalões mais elevados); se vestisse de cor “parda” confundir-se-ia com o povo... daí (em parte) o negro (aspecto sobre o qual já se explicou a origem, no N&M).

O próprio “Palito Métrico” diz isso mesmo: “Certa vez desceu do monte à nossa cidade um certo novato, cujo nome, se bem me lembro, era João Fernandes”. No fim, o pai dá-lhe uma coça que o deixa em lençóis de vinho, manda-o guardar cabras e ir à tábua.
Em especial nos Colégios, os alunos tinham de fazer prova de ascendência nobre por todos os quatro avós. Implicar que o aluno era um campónio filho de alguém cujo avo/avó casara com o(a) filho(a) de um lavrador rico... era um insulto tremendo. Daí a designação.

Nada, mas mesmo nada que ver com o facto de o traje de uns e outros alunos ter uma cor diferente.
Este “minus” (minorca), é, pois, um aprendiz que deve corresponder a um conjunto de expectativas e procedimentos dele esperado:


“Antiguamente y también hoy estos personajes de la Tuna deben un gran respeto a quienes son sus mentores o Tunos. Ellos son quienes los guían en el arte del buen Tunar y estos conocimientos entregados por los Tunos deben ser retribuídos a través del servicio, la humildad y el aprendizaje del gran listado de valores de la Tuna”.[7]


Em algumas Tunas espanholas existe a figura do “Cabo de pardillos”, também apelidado de “Pater Pardillus”, que é um veterano que coordena o processo de pardillaje (aprendizagem/educação tunante) e serve de interlocutor entre os caloiros e a Tuna. Esse chefe dos caloiros costuma ter assento no organismo directivo da Tuna.

Assim, a pupilaje, este processo de formação e educação visa que os caloiros,e passo a citar,


“(…) lleguen (aunque les cueste) a ser personas altruístas y responsables, que velen por su prójimo -siempre gráciles y alegres- para que puedan enfrentar con estas herramientas la vida misma y sus problemas, con dinamismo y espíritu positivo. En general, que crezcan interiormente para ser mejores personas que las que llegaron el primer día intentando conocer el mundo de la Tuna.”[8]

Como se depreende, mais uma vez, os caloiros são assunto sério para nuestros hermanos, os quais acarinham, e muito, os que continuarão o seu legado, mesmo que tal não se deva, porque não pode, confundir com falta de exigência.
Os parâmetros de exigência dos Tunos espanhóis são muito elevados. Em Espanha não se é Tuno por “dar cá aquela palha”, como acontece neste país que licencia tudo e todos, sem exigir grandes provas ou saber (e que verificamos também nas tunas).


O Traje do Pardillo.

Contrariamente ao caso português (caso que só tem lugar nos últimos 25 anos, note-se), o pardillo (caloiro da tuna), em Espanha, apenas difere na indumentária, pela falta da Beca. Com efeito, a Beca (introduzida nas Tunas espanholas nos anos 50/60 do séc. XX) atesta a condição de Tuno, com o respectivo monograma no peito.

Em alguns casos existe também a figura do “Botellero”, um pardillo mais experimentado a quem se permite o uso de uma Beca sem escudo/monograma bordado.
Não há lugar a pijamas, sacos de batata e afins que, muitas vezes, em nada dignificam a imagem da Tuna, a sua seriedade e credibilidade, transformando-a, como por cá fazemos tantas vezes, num teatro de revista com guarda-roupa “à Lagardère”.

O respeito passa desde logo pela imagem transmitida visualmente e pela sua pertinência. Só à tuna interessa saber quem é caloiro. Aos que estão de fora, apenas interessa ouvi-la e ver.
Por isso se afigura pouco consentânea a tentativa de “dar nas vistas” de “show-off", onde tudo tem de ter rótulo, etiqueta, e hierarquia bem visível a quilómetros (resultando daí pessoas vestidas como foliões carnavalescos que, bastas vezes, não incutem respeito, seriedade e credibilidade alguma a si e aos grupo).


Concluindo


Até mesmo onde muitos de nós pensávamos ser pioneiros e únicos em questões de Praxe, afinal não descobrimos pólvora alguma.

 O que em sempre fomos bons foi em trazer para cá o que era bom, embora sempre com a irritante tendência de adulterar e “kitar” “à la portuguesa”, daí resultando, muitas vezes, algo que é sempre emenda, que é sempre pior que o soneto, quando não ridículo.

Caloiro, na/da Tuna não é o caloiro lá da nossa faculdade. E mesmo quando coincidem, o tratamento em Tuna tem de ser, necessariamente díspar, não havendo lugar e extensões ou franchisings estapafúrdios, deixando as praxes meterem o bedelho e mancharem o sagrado templo que deve ser a Tuna.

Seja a “caloiragem” vista como momento de aprendizagem e formação e não expediente para circos, como um momento para dar a conhecer e promover a Tuna ao novato, para passar testemunho, e este possa sentir-se acolhido e sem barreiras, para poder apreender as coisas sem pressões, coações ou receios, sem imagens públicas de caloiros reduzidos a bobos da  côrte.

Vista-se o caloiro decentemente, sentindo-se parte da Tuna, dentro do seu processo de progressão pelo mérito, ao invés de um mero “parvo” vicentino que não fica em terra, mas também não entra na barca, indo “à trela” do infernal batel.

Mas não se faça desse momento um “pró-forma” light, onde ser um tipo porreiro e beber uns copos é quanto basta para estar em palco, sem antes ter merecido o estatuto que de facto lhe permite ser um “inter-pares”, e não vestido como se tivesse uma cruz de David bordada ao peito ou andasse enfaixado e de campainha na mão para evitar contágio alheio[9].


Em palco não deve haver diferenças significativas, porque a harmonia não deve ser apenas sonora, como não apenas plástica, mas na sua simbologia e significância.
O parecer, será, então sim, verdadeira expressão de uma vivência coerente e genuína.




Nota: um agradecimento ao Eduardo Coelho, pela colaboração na redacção deste artigo.



[1]A Aventura do “Boom”e visão periférica do mesmo fenómeno, in http://asminhasaventurasnatunolandia.blogspot.pt/, artigo de 3 de Julho
[2] Contrariamente ao que alguns imbecis defendem, só se é caloiro uma vez na vida: quando se frequenta a universidade pela primeira vez. Se nos anos seguintes trocar de curso, faculdade ou instituição já não volta a ser caloiro.
[3] Denominados, por exemplo, de “Carregas” na Instituna de Leiria; de “projectos” na Versus Tuna, TUALLE, etc.; “Batadas” na Tuna Com Elas – onde existe a ridícula definição de “Semi-Tunante”¸ de “Provetas” na Tunasabes; de “Aspirante” na Quantuna, entre outras tantas designações em muitas e muitas outras tunas.
[5] Os Prémios Razzies são prémios atribuídos na reunião anual Framboesa de Ouro para os piores actores e piores filmes do ano.
[6] Também conhecido por “chivo”, “novato” ou “pardo”.
[7] Natália Carmona et Al. – El Pardillaje, in http://issuu.com/naokita/docs/aspar/search
[8] In “Pardillo”,  http://tunochile.blogspot.pt/
[9] Como sucedia com os leprosos na idade média.