quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Tunas e Carnaval



Após algum tempo de paragem – sempre útil para criar algum distanciamento e maior discernimento, de novo me sento no scriptorium para tecer mais uns quantos considerandos (desde já pedindo desculpa aos leitores deste blogue pela ausência – mais prolongada do que esperado).

Esta quadra carnavalesca, a qual passei na minha bela Viseu, proporcionou-me tempo para algumas reflexões sobre o papel da Tuna portuguesa e a função que a mesma foi assumindo, pelo menos de há 1 século e pico a esta parte.
Ouvi, nestes dias, numa estação televisiva, que os festejos do nosso carnaval ("carne vale": vale comer carne, antes das renúncias quaresmais), em muitos pontos do país, estavam a arrepiar caminho, reabilitando as suas formas mais primitivas e genuinas , em detrimento desta “globalização” que presta vassalagem ao samba carnavalesco do outro lado do charco. Deste modo, cada vez mais são as manifestações do entrudo bem português e as diversas formas da sua vivência – num claro regresso às origens e retoma das nossas tradições e identidade muito nossas.
Se assim é, de facto, e há necessidade de não delapidar o que é nosso (sem que isso impeça os corsos e festejos mais similares ao carnaval carioca), promovendo a nossa cultura ancestral, não posso esquecer o que aprendi sobre Tunas e o seu papel de proa, no passado, como animadoras, participantes e imagem bem presente nas celebrações efusivas destes loucos dias de jocosa parafernália de sons, partidas e brincadeiras várias. Com efeito, são muitas as referências às tunas de mãos dadas com o Carnaval e, para não ir mais longe, citaria a Tuna do OUP, quando, no seu historial refere "Mais tarde, no Carnaval de 1897, realiza nova digressão a Espanha, apresentando-se em Santiago de Compostela..." (in Site do OUP)
Onde estão as nossas tunas, nessa que, historicamente, é a época mais propícia ao desfile, à mostra e promoção do “correr la tuna”?


Nota: Recordemos que muitas tunas, nomeadamente em espanha, se fundaram em época carnalesca, como é o caso da Estudantina/Tuna Compostelana criada no Carnaval de 21 de Fevereiro de 1876 ou a Tuna de Múrcia em 1932. É facto que, antigamente, as tunas surgiam de forma espontânea para responder a certos eventos, como o Carnaval, extinguindo-se/desmobilizando-se de seguida. Mas não são poucas as que, posteriormente á sua criação espontãnea, acabaram por prolongar a sua existência, institucionalizando-se.
Também por cá, há inúmeras referências à Tuna ligada ao carnaval.


Como certamente sabem, as tunas eram, noutros tempos, em ambos os lados da fronteira, presença assídua dos desfiles de carnaval, bem como nas diversas actividades ligadas a esses dias de permissividade (entremezes, representações, sátiras, saraus, representações, bailes e concertos) onde todos os excessos eram tolerados (no caso das tunas, digamos que seriam “mais tolerados” do que o costume), sendo os tunos os timoneiros das pantomínias e demais expressões das celebrações que antecedem a Quaresma.
Uma altura em que se comia e bebia sob os auspícios de muitos comerciantes mecenas (nomeadamente os das tabernas), se largavam uns trocos aos bonacheirões tunos que estendiam a mão (neste caso os chapéus ou capas) para pedir “ajudas de custo” (já que não tenho conhecimento de haver propriamente laivos de mendicidade à boa maneira sopista de outros tempos).

Recordo com saudade, nesse âmbito, uma ida da minha Tuna até terras de Cuidad Rodrigo.
Após termos amealhado um pé de meia nas muito recompensadoras Janeiras que cantáramos de porta em porta, rumámos àquela urbe com o único intuito de festejar o carnaval del toro que é lá muito afamado. A convite de ninguém, apenas porque assim nos aprouve, fomos um pouco à sorte procurando diversão e um momento de convívio e festa. Arranjámos um sítio para pernoitar e, depois, foi desfrutar pelas ruas, cantando e tocando, juntando-nos às centenas de foliões que enchiam as ruas.
O facto é que tal não passou desapercebido e, sem o esperarmos, estávamos no salão nobre da cidade, recebidos pelo Alcaide local que nos presenteou com alguns regalos. Daí em diante, passáramos a ser uma das atracções ambulantes dos festejos. Onde fossemos era choverem convites para tocar, comendo e bebendo à borla nos muitos “tascos” que pululam naquelas tão peculiares ruelas.
Regressámos a Viseu cansados, mas satisfeitos por aquela que foi a primeira grande aventura enquanto tuna, e logo à boa maneira tradicional, revestindo aqueles dias da verdadeira espontaneidade tunante e revivendo o que, no passado, fora uma tradição muito apreciada por todos (e reconhecidamente a época estival das tunas por excelência), com claros ganhos para a imagem e promoção da Tuna.

Pelo seu carácter irreverente, folião, extrovertido e popular - através da sua música, do seu modo de estar (pelo contacto com a população), não encontro, para mim, lugar mais adequado, do que a época do Carnaval para a nossa Tuna se mostrar e aproximar da sociedade - que não se resume à que compra bilhete ou senta o “dito” num banco de auditório. Por que razão, então, existe tal omissão e vazio tunante nestes festejos?

A Tuna vive demasiadamente confinada a teatros e auditórios, quando seu lugar é, também, na rua, nas tascas, sob balcões, varandas e janelas, no meio da praça , disputando amizades ao invés de “mendigar”, por vezes belicosamente, taças e medalhas que ficam à mercê do pó - só para obter “pedigree”).
O lugar das tunas é também no contexto beneficente (que é uma das características mais antigas do seu mester).

Voltem as tunas ao Carnaval, deixando-se de alguma “presunção elitista” e "festivalite aguda"! Saiam do salões, auditórios e teatros, que cheiram a mofo, esquecam, por momentos, as competiçõese os profissionalismos excessivos e venham divertir, e divertir-se, venham ser Tunas para o verdadeiro palco: a rua; para o verdadeiro júri: o povo anónimo!!!